Igor Mello, Jornal do Brasil
O polêmico projeto que cria a Empresa Pública de Saúde do Rio de Janeiro (Riosaúde) deixou de entrar em votação mais uma vez nesta terça-feira (30). Novamente a sessão caiu por motivos “externos”: faltou quórum para votar a concessão da Medalha Pedro Ernesto para o novo presidente venezuelano, Nicolás Maduro. No entanto, os próprios vereadores discordam do que realmente tem feito as votações caírem.
Nesta terça-feira, a sessão durou exatos 11 minutos. Com uma das galerias lotada de manifestantes contra a Riosaúde, as deliberações foram interrompidas logo que os protestos começaram. Na saída, os parlamentares tentaram explicar mais um cancelamento.
A culpa é do Maduro
O presidente da Câmara, Jorge Felippe (PMDB), considera natural a dificuldade para votar o Riosaúde. Outro projeto que emperra a pauta é a criação de 13 novas Regiões Administrativas (RAs) e mais de cem cargos comissionados na administração municipal. Para ele, as pautas precisam amadurecer, mas a queda das sessões foi causada exclusivamente pela honraria ao presidente venezuelano:
“Na verdade, essas matérias ainda não estão maduras dentro da Câmara para entrar em processo de votação. Elas estão sendo objeto de votação nas comissões permanentes e no conjunto de vereadores. A sessão está caindo porque a Câmara ainda não se posicionou sobre o requerimento do vereador Leonel Brizola Neto (PDT), de concessão de um título ao presidente eleito da Venezuela. Isso está gerando esse problema. Eu acho que na semana vai tudo para a votação”, justifica.
Felippe, no entanto, mostrou-se incomodado com a presença dos manifestantes, que gritaram palavras de ordem e vaiaram os parlamentares em diversos momentos. Embora considere as reivindicações legítimas, ele critica a conduta de alguns dos presentes:
“Há pessoas que têm conduta incompatível com o Parlamento. Manifestações são da essência da democracia, o que não pode é impedir a Câmara de funcionar: toda vez que a presidência vai anunciar uma matéria vão lá, xingam e tal. Aí não pode, tem pessoas que não têm condições de frequentar esse ambiente”, lamenta o presidente da Câmara, que pretende adotar medidas contra as “condutas inadequadas” nas galerias da casa.
Também membro da base aliada, mas contrário ao Riosaúde, Reimont (PT) crê que a suposta discussão sobre a homenagem ao líder venezuelano é uma desculpa para que o Riosaúde não vá a plenário:
“Alguns vereadores vêm com aquela lógica: “é comunista, é ditador”, mas no fundo a gente sabe que isso é uma cortina de fumaça. O que está influenciando é o Riosaúde, enquanto o cidadão estiver mobilizado. Por isso é importante que as pessoas se mobilizem para garantir que os vereadores mostrem sua cara. Eu não tenho cargos na prefeitura, mas essa é uma lógica que pode estar sendo articulada. Com tantos novos cargos nas RAs, essa é uma prática que vem de anos. É possível que haja uma queda de braço por conta dos cargos, colocando isso como condição para votar a Riosaúde”, desconfia.
Disputa por cargos
Reimont não está sozinho na impressão de que a falta de quórum nas sessões é obra da base governista, que teria a intenção de pressionar o governo em nome dos novos cargos criados. O vereador Paulo Pinheiro (PSOL), um dos mais imbuídos na resistência ao Riosaúde, crê que as justificativas não passam de pretexto:
“As pessoas estão todas enganadas. Não é por causa do Riosaúde que a votação está caindo, é por causa da criação de 13 novas Regiões Administrativas e 117 cargos comissionados. Se eles estiverem unidos para votar o projeto das RAs, vão votar junto o Riosaúde. O impasse não é esse. Grande parte do governo acha que vai haver tranquilidade para votar o absurdo Riosaúde, como também é outro absurdo esse projeto das RAs”, analisou.
Pinheiro não acredita que os vereadores sejam constrangidos pelas manifestações a votar contra o governo na questão da Empresa Pública de Saúde. Para ele, as votações muitas vezes são motivadas por acordos anteriores, que podem ter relação com os novos cargos:
“Quem se expõe aqui não se expõe à toa, se expõe por algum motivo. O motivo tem que ser conhecido”, completou.
Bases eleitorais influenciam
Já o vereador Paulo Messina (PV) acredita que o fato de muitos vereadores da base aliada terem suas bases eleitorais na área da saúde dificulta a vida dos articuladores do prefeito Eduardo Paes na casa.
“Eu não vejo impedimento para votar na próxima semana. O grande problema do Riosaúde está na polêmica e nos votos. Há muitos vereadores da base do governo que são médicos e não vão votar esse projeto. Acho que tem muito a ver com a real dificuldade do governo de aprovar o projeto, dada a própria base estar na dúvida com a questão dos cargos”, discordou.
Messina se mostra cético quanto à influência das manifestações populares nesse tipo de discussão:
“O médico que é da base do governo vive dos votos que recebe da área da Saúde. Isso é uma coisa imprevisível: lembro dos casos da taxa de luz e da aposentadoria suplementar do serviço público. As galerias e a Cinelândia estavam lotadas e mesmo assim o pessoal votou. Em outros casos, a galeria mudou votos. Eu digo que esse projeto não está muito simples do governo aprovar. Acho que o governo ainda não colocou em votação porque não tem certeza da vitória”, explica.