Cacique Raoni Metuktire: Carta de apoio ao povo Munduruku lutando contra os projetos de hidrelétricas no Tapajós e no Teles Pires

Raoni

Por esta carta, eu, Cacique Raoni Metuktire, líder do povo Mebengokre (Kayapó), gostaria de apoiar os Munduruku e os outros povos indígenas e ribeirinhos empenhados na luta contra as hidrelétricas Teles Pires e Tapajós e, especialmente, a caravana que eles organizam nos dias 26 e 27 de Novembro pelo rio Tapajós.

Desde sempre venho lutando não só para o meu povo como também para todos os povos indígenas da Amazônia, para que possamos viver em paz sem problemas em nossa terra. Hoje, após tantos anos de luta, somos ainda obrigados a lutar porque eles estão destruindo nossas florestas, estão destruindo nossos rios sem os quais não podemos sobreviver. Estes rios são o sangue de nossas veias, sem eles a terra e os animais vão morrer, e nós com eles.

Estou muito preocupado com meus irmãos Munduruku e com os outros povos indígenas e ribeirinhos dos rios Tapajós e Teles Pires. Se o governo realizar seu projeto de destruição, estes povos vão morrer. Por causa das barragens, os peixes não poderão mais subir o rio para se reproduzirem. A floresta será alagada e apodrecerá, a água se tornará tóxica para os peixes e os homens. A atividade em torno das barragens acabará com a floresta e não terá mais caça. A pesca e a caça tradicionais que alimentam essa população não serão mais possíveis. Os mosquitos proliferarão por causa da água parada dos reservatórios, e aqueles que não terão deixado suas terras serão obrigados a fugirem para escapar da malaria.

O governo continua desrespeitando nosso direito à consulta prévia, livre e informada. Ele usa o terror para incentivar nossos irmãos Munduruku a deixarem suas terras. É por isso que a policia federal assassinou um deles en frente à sua familia na sua própria aldeia Teles Pires. O governo se gaba de seus programas de compensação elaborados com as empresas construtoras das barragens. Estes programas são impostos pela força, a intimidação, as ameaças e a chantagem. É a vida de um povo contra um pedaço de papel no qual constam algumas promessas. Mas as promessas são logo esquecidas. A existência destes programas e a violência usada para impo-los comprovam que quem constrói estas barragens sabe que nossas vidas são destruídas. Nunca se poderá compensar o que é tirado dos povos indígenas expulsos de suas terras. Um índio é rico de sua cultura. Na cidade, o índio não é mais ninguém, ele se torna mais pobre que o pobre. Ele tem de aceitar os trabalhos humilhantes para sobreviver. Logo, ele perde sua língua, suas tradições. Ele perde sua dignidade, seu orgulho de ser índio. Ele se torna assistido. O coração partido por ter perdido sua vida, sem futuro possível, muitos escolhem o álcool, a droga, o suicídio como escapatória. Arrancar os povos indígenas de suas terras é praticar o genocídio. Estes programas de compensação são uma afronta. Todo o dinheiro do mundo não basta para pagar a dívida que aqueles que querem construir estas barragens à força contraem com os povos indígenas.

Já viajei pelo mundo inteiro. Em todos as partes, expliquei que estes rios e esta floresta pelos quais lutamos são importantes para todos nós, sem exceção. Aqui se decide o futuro do Homem, quer seja ele branco, preto, amarelo ou indígena. Estou muito preocupado, porque vejo que o mundo está demorando a entender, está demorando para acordar. Hoje, estamos mais do que nunca ameaçados pelos projetos de desenvolvimento do governo da presidente Dilma Rousseff. Precisamos do apoio da comunidade internacional e dos cidadãos do mundo inteiro. Amanhã será tarde demais, não só para nós, mas também para todos aqueles a quem pedimos hoje ajuda.

O mundo deve exercer pressão no governo brasileiro para que ele pare a violação dos direitos dos povos indígenas em suas terras. Nós, povos indígenas do Brasil, há 514 anos que estamos sendo liquidados de forma lenta, despojados de nossas terras.

O mundo deve exercer pressão no governo brasileiro para que as terras indígenas sejam rapidamente demarcadas. É somente assim que poderemos proteger eficazmente a floresta.

O mundo deve exercer pressão nas multinacionais que participam da destruição do nosso meio ambiente vital obrigando-as a não mais cooperar com os projetos destrutores elaborados pelo governo brasileiro. Na Europa, acompanhado por meu sobrinho Megaron Txucarramae, denunciei energicamente a participação de empresas hidrelétricas francesas, alemãs e holandesas. Chamei a atenção dos deputados franceses e do presidente da Assembleia Nacional desse país sobre o vergonhoso envolvimento da EDF (uma empresa com 84% de participação estatal), na construção da barragem de Sinop, e sobre a manifesta disposição da empresa GDF-Suez de participar do leilão para construir as futuras barragens no rio Tapajós.

Sabemos que nossa luta é mundial, que somente com apoio planetário poderemos reverter a situação, poderemos evitar a morte desse pulmão do planeta, a nossa bela floresta amazônica. Só unidos poderemos salvar nossos rios, nossas florestas, nosso planeta.

Eu apoio incondicionalmente a luta dos Munduruku, da mesma maneira com que eles nos apoiaram na luta contra Belo Monte, luta que não abandonamos, que nunca abandonaremos. Mesmo se essa barragem e outras similares entrarem em atividade continuaremos a combatê-las até que sejam completamente desmontadas, exatamente como foi obtida pelos nossos irmãos indígenas Hoopa, Yurok, Karuk e Klamath, da Califórnia, nos estados-unidos, após 12 anos de luta, a demolição da usina hidrelétrica do rio Klamath que já estava terminada e funcionamento.

Nós, povos indígenas do Brasil, que temos tanto a dar ao mundo, nós estamos desaparecendo uns após os outros há 514 anos, sempre pela mesma razão. Nós fomos saqueados, massacrados, hoje os últimos de nós só querem viver em paz nas suas terras.

Aos meus irmãos Munduruku e a todos estes povos que lutam para sua sobrevivência e a dos rios Xingu, Tapajós, Teles Pires assim como de todos os outros rios ameaçados do planeta.

Cacique Raoni Metuktire, povo Kayapó, terra indigena Kapot-Jarina, Mato Grosso, Brasil, 14 de novembro de 2014.

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