SEPROMI – A elaboração de uma plataforma on-line para a convergência de informações sobre casos de racismo e intolerância religiosa registrados nos órgãos competentes é uma das ações previstas no plano da Rede de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa para o próximo ano. Somente no Centro de Referência Nelson Mandela, órgão vinculado à Secretaria de Promoção da Igualdade Racial (Sepromi), já foram registrados mais de 80 casos relacionados – média de dois a três por semana, número que tem crescido com o estimulo à denúncia por parte da Rede.
Segundo a coordenadora de Promoção da Igualdade Racial da Sepromi, Tricia Calmon, a divulgação dos serviços oferecidos pelo Centro – atendimento jurídico, psicológico e social a vítimas de racismo e intolerância religiosa na Bahia – a partir de campanhas durante o Carnaval e a Copa do Mundo, aumentou a procura pela unidade, “o que é bom porque demonstra que o incentivo à denúncia está dando certo, mas por outro lado é ruim ao percebemos que essas situações são cotidianas”.
Apresentado na tarde desta sexta-feira (21), na Procuradoria Geral do Estado (PGE), no Centro Administrativo da Bahia (CAB), em Salvador, o plano de ação da Rede também foca a qualificação de profissionais que lidam diariamente com essas situações. Em muitos casos, as vítimas que chegam ao Centro já passaram por outros espaços onde não tiveram o acolhimento necessário. “Vivemos em um país que ainda tem problema em admitir que é racista. As pessoas tentam enquadrar a situação em qualquer outra coisa, como assédio moral, menos utilizar a legislação já existente em relação aos crimes de racismo”, disse Tricia.
“Aqui tem o mito da democracia racial, onde as pessoas ‘não discriminam’, mas nós, que somos negros, percebemos os olhares, e temos que ter uma postura diferenciada para que as pessoas nos respeitem”, reforçou a representante do segmento ‘antropólogos’, do Conselho de Desenvolvimento da Comunidade Negra (CDCN), Carmem Cunha Félix. A ideia é que o Centro também possa articular políticas para que o agressor não apenas cumpra o que a justiça determinou, mas seja impelido a refletir sobre aquela situação, que não impacta apenas a pessoa que foi agredida ou que resolveu denunciar.
Diálogo
O plano de ação foi construído, de forma dialogada, com os diversos integrantes da Rede, em reuniões de grupos de trabalho e oficinas, realizadas durante este ano. Nesses espaços de debate, foi possível diagnosticar os problemas, identificar as oportunidades e traçar estratégias, algumas já implementadas ao longo do processo.
Também fazem parte do plano as seguintes medidas: qualificar os programas de ações afirmativas nas universidades, no atendimento a estudantes quilombolas, indígenas, jovens negros em geral, impulsionar a efetivação da lei 10.639/2003, que inclui no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e realizar levantamento de núcleos de pesquisa/extensão que discutam a temática étnico-racial.
Vale destacar ainda ações como encampar a interiorização da Rede, produzir publicações com intersecção temática, realizar cursos de formação para o combate ao racismo institucional junto aos servidores e, no caso dos órgãos que compõem o Sistema de Justiça da Rede, adaptar os sistemas para registro de casos de racismo e intolerância religiosa.
É preciso ainda investir na juventude. “A Bahia e o Brasil, com o Plano Juventude Viva e outras ações, têm condições de reduzir o índice de mortalidade dos jovens negros. A juventude precisa ter esperança e acreditar que a impunidade não pode ser o retrato institucional do nosso Estado”, falou Vilma Reis, coordenadora da Rede, que também palestrou sobre o tema “A Questão Racial e as Políticas Públicas no Governo da Bahia”.
Presente no encontro, o secretário da Segurança Pública, Maurício Barbosa, disse que o governo baiano tem responsabilidade com a apuração do desaparecimento do jovem Davi Fiúza, no bairro Vila Verde, na região da Estrada Velha do Aeroporto, no último dia 24 de outubro, assim como os outros casos semelhantes, para que os responsáveis não fiquem impunes. Na ocasião, foi assinado ainda o termo de compromisso entre a PGE e a Sepromi para realização de curso em Legislação Antirracismo, voltado para procuradores do Estado.
Homenagem
Ao abrir os trabalhos do seminário de apresentação do plano, o secretário estadual de Promoção da Igualdade Racial, Raimundo Nascimento, pediu uma salva de palmas para o ex-líder quilombola, Júlio Cupertino dos Santos, que morreu na manhã desta sexta-feira (21), por conta de um AVC (Acidente Vascular Cerebral).
“Júlio foi uma liderança importante não apenas para Chapada, na Bahia, mas para o Brasil. Recentemente, apareceu na campanha publicitária do Novembro Negro e sua comunidade – Baixão Velho, em Seabra, foi uma das 10 primeiras a receberem título de terra pelo Governo do Estado no dia 19 deste mês”, falou o secretário.
Raimundo Nascimento também agradeceu aos esforços dos colaboradores da PGE no processo de regulamentação de decretos do Estatuto da Igualdade Racial e de Combate à Intolerância Religiosa, “para mudar a vida da nossa população negra, que ao longo do processo histórico tem sido excluída dos espaços de governo em nosso Estado”.
Para Rui Moraes, duas ações marcaram a luta pela igualdade racial na Bahia – a construção da Rede, “que exigiu um trabalho de articulação forte, e o Estatuto, legados fundamentais desta gestão”.
A Rede
Criada a partir de um processo de articulação entre o Governo Federal, por meio da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir), e o Governo Estadual, através da Sepromi, a Rede tem o objetivo de aumentar o grau de resolutividade dos casos de combate ao racismo e intolerância religiosa, promover a igualdade racial e garantir os direitos da população negra, por meio da atuação conjunta dos seus componentes.
Integram a rede o Ministério Público do Estado da Bahia, Ministério Público Federal, Tribunal de Justiça da Bahia, Assembleia Legislativa, Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, Justiça Federal, Procuradoria Regional do Trabalho, Defensoria Pública da Bahia, Defensoria Pública da União, Procuradoria Geral do Estado, secretarias estaduais, Universidade Federal da Bahia, Universidade do Estado da Bahia, Universidade do Sudoeste da Bahia, Ouvidoria Geral do Estado e entidades da sociedade civil.
Entre as ações desenvolvidas pela Rede está o acompanhamento de casos e divulgação de informações sobre racismo e intolerância, além do estímulo à produção acadêmica e formação de agentes multiplicadores do conhecimento sobre legislação antirracista e anti-intolerância religiosa. A Rede prevê ainda o fortalecimento das organizações da sociedade civil que realizam o acompanhamento e atendimento às pessoas, além da integração e compartilhamento de banco de dados das organizações articuladas na Rede para recebimento de denúncias.
A Rede de Combate ao Racismo e à Intolerância Religiosa conta com um centro de referência, o Nelson Mandela, que é uma das portas de entrada para os casos acompanhados pela Rede. A sede funciona na Avenida Sete de Setembro, no Prédio da Fundação Pedro Calmon (FPC), no centro de Salvador. No local, as denúncias são ouvidas e encaminhadas pelos técnicos aos órgãos competentes.