As eleições estão às portas e em todo o Brasil as forças de poder se movimentam para garantir espaços no executivo e legislativo. Como sempre acontece no sistema capitalista, o domínio do processo está no dinheiro. Quem tem mais grana consegue realizar a melhor propaganda, fazer os melhores vídeos e circular pelos espaços com mais rapidez e eficácia. Além disso, é também o dinheiro que compra o trabalho dos “militantes” que se espalham pelas ruas com bandeiras, distribuindo os santinhos. O dinheiro ainda circula na tradicional compra de votos, que se manifesta em uma série de pequenos benefícios, como cestas básicas, tijolos, cimentos e outras coisas do tipo.
No campo dos “grande poderes”, o dinheiro aparece como doações de campanha. Grandes empresas e grandes bancos, por exemplo, despendem vultosas somas para os candidatos. Na dúvida, os mais ricos investem em vários, um pouco mais ou menos, conforme a possibilidade de vitória, mostrando que a eles pouco importa o programa de governo ou o partido ao qual representam, o que vale é ficar bem com o eleito para depois cobrar o apoio em algum favor. É o dinheiro que move a máquina dita “democrática”.
Correndo por fora, mas igualmente dentro do processo eleitoral, existem os grupos que tem interesses coletivos e que são minoritários no jogo de poder, tais como os camponeses sem terra, os trabalhadores informais, os indígenas. Esses também se organizam e tentam encontrar algumas brechas na institucionalidade para defender propostas que venham ao encontro de seus interesses. É certo que esses grupos, justamente por sua fragilidade econômica, têm muito menos eficácia e sucesso na abordagem eleitoral. Ainda assim, se movimentam e constituem fundos que garantem campanhas modestas, mas importantes no sentido de que oferecem outras possibilidades ao eleitorado.
No que diz respeito à defesa dos direitos e demandas indígenas, esse ano, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apresentaram-se 85 candidatos ao legislativo, incluindo aí o estadual como o federal. Um número bem pequeno a considerar a população indígena que já contabiliza quase 900 mil almas, mas, ainda assim, capaz de dar alguma visibilidade às demandas dos povos originários, uma vez que ocupam o espaço gratuito de televisão e podem repassar – em escala de massa – as suas reivindicações.
O espectro partidário onde se acomunam os indígenas varia bastante, do PSTU ao DEM. Os partidos que juntam mais candidatos indígenas são os da base governista, PT (16) e PC do B (11) – mas há um número expressivo no PSOL (12) e no PSTU (5), mais à esquerda. Os demais estão distribuídos entre os partidos menores e conservadores, apesar de serem esses partidos os que têm historicamente empreendido toda uma cultura de ódio e preconceito contra o indígena, bem como contra as demarcações de terras tradicionais. Também é digno de nota que os partidos que acumulam maior número de indígenas sejam os da base de governo – um governo que não tem sido muito receptivo com lutas dos povos tradicionais.
Os candidatos indígenas aparecem em praticamente todos os estados da federação, mas os que têm números mais expressivos são Amazonas (9), Bahia (9), São Paulo (7), Mato Grosso do Sul (7), Roraima (6) e Pará (6). Santa Catarina tem apenas um representante dos povos originários, é o cacique Hyral, da etnia Guarani, que está concorrendo a uma vaga no legislativo estadual pelo PV.
Dentre as demandas dos candidatos indígenas estão aquelas que são também comuns aos não-índios: melhoria na saúde, na educação, na estradas que levam às aldeias e a proteção do meio-ambiente. Mas, sem dúvidas, as que mais mobilizam são a batalha pela demarcação das terras, a afirmação de direitos, bem como a luta contra a proposta de lei que quer levar para o Congresso Nacional a decisão sobre as demarcações. Mesmo disputando vaga nesse congresso, os indígenas sabem que ali, são a minoria da minoria, e que contra a bancada ruralista – grande e rica – pouca chance terão naquele campo.
De qualquer forma aí estão as candidaturas que precisam ser acompanhadas e analisadas, caso algum venha a se concretizar. Até agora, em nível nacional, a única experiência de um parlamentar indígena foi a de Mário Juruna, um xavante de Mato Grosso. Ele acabou eleito deputado federal – com 30 mil votos – pelo Partido Democrático Trabalhista (1983-1987), representando o estado do Rio de Janeiro, na época sob a liderança de Leonel Brizola.
A ação de Juruna foi muito importante para o povo indígena, ele foi o responsável pela criação da Comissão Permanente do Índio no Congresso Nacional, fato que levou a questão indígena ao reconhecimento formal por parte do governo brasileiro. Conhecido por sua desconfiança na palavra do homem branco (gravava todas as conversas e reuniões que fazia) Juruna foi uma referência ética no congresso, chegando a denunciar publicamente o empresário Calim Eid, que tentou suborná-lo para que votasse em Paulo Maluf, candidato dos militares à presidência da república no colégio eleitoral. Juruna recusou o suborno, denunciou a trama e votou em Tancredo Neves, candidato da oposição democrática.
Apesar de toda a sua ação na defesa da causa indígena, Juruna não conseguiu se reeleger. Voltou para a aldeia onde morreu em 2002, por conta do diabetes. Na verdade, durante todo seu mandato a mídia brasileira buscou transformá-lo num elemento exótico, folclórico e bufão, tratando de ridicularizar sua estratégia de gravar tudo o que acontecia. Com isso, desviavam o foco do “problema” que era a figura e a ação de Juruna no Congresso Nacional, colocando a nu o abandono da causa indígena pelos poderes instituídos. Mas, quer queiram, quer não, Juruna entrou para a história como aquele que colocou em pauta o tema da luta indígena no Congresso Nacional em pleno estertor da ditadura militar. Falando na tribuna, na língua Xavante, Juruna garantiu que a até então desconhecida voz indígena fosse respeitada, apesar de todas as tentativas de ridicularização e da, essa sim ridícula, tentativa de cassação do mandato por conta de ele não falar o “português” corretamente.