Na frequência: coronéis de ontem, donos da mídia de hoje

donos da mídia

Zuada da Mídia

De botas, chapéu na cabeça e com poder econômico. Vários empregados e terra. Muita terra. Eles mandam e ditam as regras. Os coronéis – aqueles que sustentaram o sistema político de 1889 a 1930 (República Velha) – estão mais atuais do que podemos imaginar. As terras – antes símbolo máximo de poder – não são mais alvo prioritário do desejo dos “senhores”. Agora, as ondas do rádio e das tevês ocupam este espaço. Os coronéis se reconfiguraram. Hoje, eles são eletrônicos.

Os canais de rádio e televisão no Brasil são públicos, concedidos a terceiros. Estes terceiros devem por obrigação veicular conteúdos educativos e culturais e que expressem a pluralidade regional do País.

Neste mesmo Brasil, a maioria dessas concessões está nas mãos de políticos com mandatos. A Constituição Federal veta esta prática.

Segundo a doutora em análise do discurso, Lídia Ramires, antes os coronéis tinham o poder sobre a terra, onde as pessoas trabalhavam. Assim, esses coronéis dominavam a vida destas pessoas e de suas famílias. Para ela, os coronéis eletrônicos são a versão atualizada dos antigos mandatários. Agora, eles impõem o medo e exercem influência na vida das pessoas, empunhando conglomerados de comunicação, que podem expor ou fazer campanha difamatória sobre quem ousar ser seu adversário político.

Para a militante do Intervozes, Bia Barbosa, o sistema de Radiodifusão Brasileiro perde a sua função quando está nas mãos de políticos com mandatos ou parentes deles. “Quando esses interesses privados e particulares se misturam com interesses político-partidários, a situação se torna ainda mais grave, porque um político [ou seu preposto] pode, por exemplo, filtrar informações sobre seus concorrentes ou sobre gestões as quais faz oposição e impedir que elas cheguem à população”, explicou Bia Barbosa.

Este jogo de interesses afeta o fortalecimento da democracia. Quando não existe alguma restrição à liberdade democrática de informar, as pessoas sofrem, efetivamente, os reflexos dessa concentração. “Uma sociedade que não é bem informada para tomar decisões forma sua opinião pública de maneira distorcida e não encontra espaços para se expressar em sua diversidade não pode ser considerada totalmente democrática”, afirmou.

Ontem coronéis, hoje donos da mídia

Em tempos de campanha eleitoral, é importante saber quais são os grupos político/econômicos que detêm concessões públicas de rádio e TV. Por aqui – na terra dos marechais – os veículos são negócios de família. Para os alagoanos, estas informações sempre foram negadas, mas a reportagem do blog ZUADA DA MÍDIA revela, agora, baseado em dados do Ministério das Comunicações e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), quem são os coronéis eletrônicos de Alagoas.

Começando pelo exemplo mais emblemático: a família Collor de Melo, do senador Fernando Collor de Melo (PTB). O clã Collor de Mello tem sete outorgas para rádio e tevê distribuídas para: Maceió, Arapiraca, São Luís do Quitunde, Igreja Nova e São Brás. Ele é o primeiro da lista a desrespeitar a Constituição Federal. As outorgas transmitem o sinal da TV Gazeta de Alagoas, afiliada da Rede Globo no Estado, além das Rádios Gazeta.

Veja o quadro societário da TV e Rádios Gazeta

Na família Calheiros, o candidato ao Governo de Alagoas, deputado federal Renan Filho (PMDB), aparece com três outorgas registradas na Anatel, O Sistema Costa Dourada de Radiodifusão é afiliado à rede CBN de rádios e atende aos interesses do PMDB-AL que tem como nome de maior expressão, o presidente do Senado, Renan Calheiros.

Veja o quadro societário do Sistema Costa Dourada

À frente da Rádio e TV Farol, afiliada da Rede Novo Tempo, a família Caldas, além de deter o controle da comunicação, dirige um conteúdo limitando a um segmento da igreja evangélica no Brasil. Para fazer uso desse poder, aparecem os deputados federal e estadual, João Caldas(SD) e João Henrique Caldas (SD), respectivamente. Os políticos, diferente de Renan Filho e Collor de Melo, não assinam as concessões de uso da rádio e da tevê da família. Seus prepostos são Francilda Chagas Ribeiro e Genivaldo Ferreira Costa.

Veja o quadro Societário da TV e Rádio Farol

O Pajuçara Sistema de Comunicação (PSCOM) das famílias Tenório, Palmeira e Nonô, possui a concessão do Canal da TV Pajuçara, afiliada da Rede Record em Alagoas e das rádios Pajuçara FM em Maceió e Arapiraca. Todas ligadas ao PSDB-AL. O usineiro e ex-senador João Tenório, sócio majoritário do grupo de comunicação, é cunhado do governador Téo Vilela. A família Nonô tem no poder o vice-governador Thomaz Nonô e como prepostos na sociedade, Thomaz Nonô Bisneto e Manuela Nonô. A família do prefeito de Maceió, Rui Palmeira, também aparece no quadro societário da empresa e tem como preposto Godofredo José Palmeira.

Veja o quando societário da TV Alagoas e Rádios Sampaio

Na família Sampaio, a tradição política se perdeu com o passar dos anos. Agora, GG Sampaio tenta conquistar um mandato parlamentar para o clã, que já teve Juca Sampaio como governador de Alagoas e Geraldo Sampaio como deputado federal e vice-governador. O Grupo Sampaio de Rádio e Televisão possui a TV Alagoas, afiliada do SBT e as rádios Sampaio em Palmeira dos Índios.

Pesquise aqui os quadros societários de outras empresas

Sobre censura, cada Jornalista tem uma história para contar:

Thiago Correia - Foto: Arquivo pessoal
Thiago Correia – Foto: Arquivo pessoal

Thiago Correia – TV Pajuçara / Record

“Eu estava fazendo uma reportagem pela TV Gazeta sobre uma denúncia de vendas de sentenças por parte do desembargador Washington Luiz. Conseguimos com exclusividade uma gravação feita por uma pessoa que estava negociando a compra de uma sentença. Conseguimos tudo, faltava apenas a sonora com o desembargador. Aproveitei o dia em que o Collor concedeu uma homenagem a um ministro e Washington estava presente. Eu o abordei sobre o caso e ele ficou puto. Chamou o Collor na minha frente e desabafou. O dono da tevê saiu bufando. No outro dia ele fez uma reunião com todos os diretores e determinou que o assunto fosse ´esquecido´ e assim aconteceu”, contou o repórter Thiago Correia.

arnaldo ferreira
Arnanldo Ferreira – Foto: Arquivo pessoal

Arnaldo Ferreira –  TV Alagoas / SBT

“Para fugir desse circo de interesses políticos patronais, eu geralmente trabalho para um jornal nacional e em uma mídia local. Nos anos 90, eu fiz uma série de matérias que causou o fechamento da indústria Alclor, sobre um projeto que deu errado no polo cloro químico de Marechal Deodoro, contaminou trabalhadores e ofereceu risco de poluição à Lagoa Mundaú. Em um determinado momento, na TV Gazeta, eu fui chamado e me disseram que eu não podia mais falar sobre esse caso. Eu publiquei pelo outro veículo (O Globo). Se eu não escrevesse naquele momento, eu estaria colocando em risco a vida de mais de 500 mil pessoas”.

Lenilda Luna - Foto: Arquivo pessoal
Lenilda Luna – Foto: Arquivo pessoal

Lenilda Luna, TV Pajuçara / Record

“Acontece de a gente ter que ter muito cuidado na hora de fazer uma matéria para não ferir interesses do grupo político da empresa. Nos anos 90, na TV Alagoas, o Juca Sampaio me botou na rua em link ao vivo, mas me alertou de que eu não podia falar do governo, o que era quase impossível naquela época. Mais recentemente, houve fatos ligados à construção civil, de uma tal obra que estava totalmente irregular, que eu não pude noticiar porque tinha a ver com os interesses do grupo político vinculado à empresa”, contou a jornalista Lenilda Luna.

Vejam o vídeo com Arnaldo Ferreira e Lenilda Luna

Falta liberdade de expressão para comunidades e religiões de matriz africana

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, assinada pelo Brasil e pela maioria dos países do planeta, coloca a comunicação como um direito fundamental. Dar aos seus cidadãos a possibilidade de se expressarem livremente, através dos meios de comunicação é obrigação universal de cada país. No Brasil, para garantir esse direito, ainda temos um longo caminho a percorrer.

Em Alagoas, um exemplo desse tipo de restrição à liberdade de expressão acontece em Maceió com os moradores da Vila dos Pescadores de Jaraguá. “Por mais que a gente fale, a gente não consegue que a sociedade alagoana nos escute. A gente fala, eles filmam, mas não colocam na mídia”, contou Dona Enaura, moradora da Vila dos Pescadores de Jaraguá.

Vídeo com Enaura da Vila dos Pescadores / Jaraguá-AL

Já há algum tempo a Prefeitura de Maceió tem feito investidas para desocupar a área onde se localiza, há cerca de 50 anos, a Vila dos Pescadores. Para convencer a sociedade alagoana, o poder público usa os veículos de massa, aqueles mesmos que contêm em seus quadros societários, nomes dos poderes Executivo e Legislativo.

“A gente aqui na comunidade acaba não querendo mais receber a TV Gazeta ou a TV Pajuçara, porque não sai aquilo que você fala. Quando a gente fala que é direito nosso, por estar há 40, 50 anos aqui e que trabalho e moradia estão ligados, não se coloca isso”, disse dona Enaura.

Segundo a representante do Intervozes, Bia Barbosa, a programação atual das emissoras de rádio e tevê não entregam ao conjunto da população a pluralidade e diversidade de informação, necessárias para o estabelecimento da democracia.

Mãe Vitória - Arquivo Vidas Anônimas
Mãe Vitória – Arquivo Vidas Anônimas

Essa falta de exposição mais ampla do povo brasileiro é sentida por “Mãe Vitória”, líder religiosa de um templo de Umbanda, que fica em Jaraguá. “A gente, como outras religiões, tem direito de aparecer na mídia. Eu acho um absurdo a forma como tratam a gente. Isso tem que acabar”, afirmou.

Com setores da mídia controlados por católicos e evangélicos, religiões de matrizes africanas e outras, acabando tendo pouco espaço para difundir suas crenças. “Tem vezes que a gente aparece, é raro, mas dá uma alegria!”, disse “Mãe Vitória”.

Entidades

Durante uma semana, a reportagem buscou ouvir os empresários citados, mas não conseguiu. Os prepostos também foram procurados, mas suas assessorias, assim como a dos políticos preferiram blindá-los. Para a sociedade é importante saber como políticos com mandatos e candidatos a cargos no Legislativo e no Executivo desrespeitam a Constituição Federal  abertamente.

lei da mídia democrática

Para barrar o oligopólio das comunicações, entidades de todo Brasil que pautam a democratização da Comunicação, tentam com a campanha “Para Expressar a Liberdade” retirar das mãos de políticos com mandatos e de seus parentes próximos as concessões públicas de radiodifusão no Brasil.

Clique aqui e conheça a campanha “Para Expressar a Liberdade”

Na linha de frente dessa campanha estão o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o Intervozes, a Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (Enecos) e Sindicados de Jornalistas Profissionais espalhados pelo País e reunidos na Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).

Vídeo Aprendendo a dividir / Intervozes

Para a representante do Comitê local do FNDC, Valdice Gomes, as resoluções da Conferência de Comunicação dever ser colocadas em prática. Segundo a jornalista, para garantir uma mídia democrática é preciso retirar dos políticos o poder de concessão de radiodifusão e passar para um conselho formado pela sociedade civil.

Segundo a estudante da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenadora nacional da Enecos, Mari Buente, é preciso regulamentar os capítulos da Constituição Federal que se referem à comunicação para que os pontos tenham força de lei. “Só desta forma, garantiremos liberdade, pluralidade e diversidade de informação para que a sociedade possa se tornar verdadeiramente democrática”, afirmou.

Vídeo Levante a sua Voz

Defender a liberdade de expressão é um dos principais deveres dos sindicatos filiados à Fenaj, por aqui, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Alagoas (Sindjornal) tem essa bandeira como principal atividade cotidiana. “Em um Estado como Alagoas, é difícil garantir isso, mas seguimos avançando na luta pela democratização da comunicação e vigilantes para a garantia de liberdade democrática de informar dos jornalistas alagoanos” destacou o presidente do Sindjornal, Flávio Peixoto.

As entidades tentam – com a campanha – mobilizar sociedade e recolher assinaturas para que a lei de mídia democrática seja votada pelo Congresso Nacional com apoio popular. Essa foi a solução encontrada pela sociedade civil para tentar mudar o cenário da comunicação no Brasil. Porque, se depender da vontade dos legisladores, os abusos e atualização das ondas das rádios e das tevês, continuarão sendo usadas para impulsionar os seus projetos políticos, impondo medo aos adversários e limitando o estabelecimento real da democracia brasileira.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Ruben Siqueira.

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