Os três primeiros títulos parciais que marcam a retomada do território pelos remanescentes do quilombo foram entregues pelo Incra à comunidade
“Ao assinar esses documentos passou um filme na minha cabeça, lembrei de quando era pequeno, porque a gente se criou ouvindo que o quilombo tinha perdido suas terras e que isso não podia ter acontecido. Agora recebemos esses títulos com o compromisso de sermos os primeiros no estado a chegar a essa conquista e não vamos envergonhar os quilombolas de Santa Catarina”.
Carregada de sentimento, a fala de José Maria Lima, o Teco, presidente da Associação da Comunidade Quilombola Invernada dos Negros, no oeste catarinense, traz um pouco da jornada por trás dos títulos que tinha em mãos. História iniciada em 1877, quando a área foi legada por testamento a oito escravos e três libertos, que não regularizaram a situação do imóvel e foram, aos poucos, sendo expulsos do local.
Os três primeiros títulos parciais que marcam a retomada do território pelos remanescentes do quilombo foram entregues pelo Incra à comunidade em cerimônia que encerrou o Encontro Estadual dos Territórios Quilombolas Catarinenses e a instalação da Mesa Estadual de Acompanhamento da Política de Regularização dos Territórios Quilombolas, na última quinta-feira (18), em Florianópolis. “Ao todo, o Incra está desapropriando 132 áreas que integram o território de aproximadamente 7.950 hectares e, ao passo em que vamos sendo imitidos na posse de cada uma pela Justiça, iremos repassando os títulos à comunidade”, explicou o superintendente regional do Incra, José dos Santos.
Dona Angelina Fernandes da Silva, ícone da luta pelo reconhecimento da comunidade Invernada dos Negros, sabe que a batalha ainda não terminou, mas comemorou com lágrimas a primeira conquista. “Agradecemos a todos que se empenharam e sabemos que a luta continua, junto a todas as outras comunidades que estão aqui”, revelou. Representantes das doze comunidades quilombolas em processo de regularização no estado participaram do evento, onde puderam acompanhar o andamento de seu processo e apresentar às diversas instituições públicas presentes demandas por educação, saúde, habitação, transporte, alimentação, entre outras.
Preconceito e reconhecimento
A ação do Incra, ao titular os territórios quilombolas, visa unicamente estabelecer um procedimento de justiça e resgate das tradições das famílias descendentes de escravos. Uma politica que acaba, também, por valorizar a presença negra na cultura brasileira, muitas vezes omitida.
“Hoje entregamos aqui títulos a uma comunidade que muitos disseram não existir. Mas, sim, apesar de todo o preconceito, existem quilombolas em Santa Catarina, são mil famílias somente em Campos Novos, agora devidamente reconhecidas”, revela João Paulo Strapazzon, servidor e ex-superintendente do Incra/SC. Para Givânia Maria da Silva, coordenadora-geral de regularização de territórios quilombolas do Incra, a entrega de títulos em Santa Catarina e outros estados marca o encerramento de um ciclo. “A expectativa é que avancemos na política para que todos tenham o orgulho de, assim como eu, dizer sou quilombola”.