Estudo comprova que as mulheres, sobretudo as negras, estão na base da pirâmide social e o sistema tributário brasileiro é muito regressivo.
Najla Passos, Carta Maior
O estudo “As implicações do sistema tributário brasileiro nas desigualdades de renda”, lançado nesta quinta (11) pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), comprova que o sistema tributário brasileiro é injusto não só pela perspectiva de classe, mas também quando se analisa o recorte de gênero e raça: mulheres negras pagam, proporcionalmente, mais impostos do que homens brancos.
“Duas questões que marcam a nossa desigualdade é gênero e raça. E como as mulheres, sobretudo as negras, estão na base da pirâmide social e o sistema tributário brasileiro é muito regressivo, obviamente, as mulheres em geral, e as mulheres negras em especial, vão pagar mais tributos do que homens brancos que, em geral, estão no topo da pirâmide e são mais ricos. O que o estudo faz é comprovar isso empiricamente”, afirma o autor da pesquisa, o professor da Pós Graduação em Políticas Públicas da Universidade de Brasília (UnB), Evilasio Salvador.
Segundo ele, a comprovação foi obtida a partir do cruzamento de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), ambas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). De acordo com o estudo, os 10% mais pobres da população, compostos majoritariamente por negros e mulheres (68,06% e 54,34%, respectivamente) comprometem 32% da renda com os impostos, enquanto os 10% mais ricos, em sua maioria brancos e homens ( 83,72% e 62,05%, respectivamente) empregam 21% da renda em pagamento de tributos.
Quem paga a conta?
O estudo também aprofunda análises sobre os mecanismos que fazem com que o sistema tributário brasileiro seja tão injusto com os mais pobres, permitindo que estes sejam responsáveis por 71,38% do montante de impostos arrecadados no país. “O que nós propomos é que seja revertida essa estrutura regressiva do sistema de tributação brasileiro, que está pautada em tributos sobre o consumo e a produção, que acabam onerando os mais pobres, os trabalhadores em geral. O ideal é inverter isso e priorizar tributação de patrimônio e renda”, defende Evilasio.
Segundo ele, as mudanças devem passar necessariamente pelo aumento do número de alíquotas de tributação do Imposto de Renda, que precisa ser mais progressivo. “O Brasil já chegou a ter 12 alíquotas de imposto de renda, mas foi reduzindo isso e ficou muito tempo só com duas, algo que só ocorria em outros dois países do mundo: Peru e Barbados”, relata. Hoje, o imposto de renda trabalha com quatro alíquotas, mas o professor defende que o número deve ser ampliado para que quem ganhe mais pague mais. “O Brasil tem uma alíquota final muito baixa, que é de 27,5%. Países como França e Estados Unidos têm alíquotas de 50% e 60%”, compara.
Evilasio ressalta, entretanto, que só ampliar as alíquotas não é suficiente para promover justiça social. “Da forma com que o sistema tributário brasileiro está organizado, isso só penalizaria trabalhadores e funcionários públicos”, alerta. Para ele, o essencial é tributar todos os tipos de renda, e não apenas a oriunda do trabalho. Pela legislação atual, forjada nos anos neoliberais e jamais corrigida, não há tributação sobre lucros e dividendos, remessa de lucros para o exterior e vários tipos de rendas oriundas do mercado financeiro, como fundos vinculados ao agronegócio e setor imobiliário.
“A renda, independente da sua origem, deve ser tributada. Em uma sociedade tão desigual como a brasileira, ninguém pode ter privilégios, quanto mais os mais ricos. É inadmissível você ter proprietários e sócios capitalistas que recebem lucros e dividendos distribuídos e não pagam nada, absolutamente nada, de imposto de renda”, critica.
Além de taxar todos os tipos de renda, o professor também recomenda uma cobrança maior e mais progressiva dos impostos sobre a propriedade, o que envolveria uma parceria com outros níveis de administração federativa: os estados e municípios. “No tocante á tributação de patrimônio, há muita coisa a fazer. Nós somos um país que praticamente não taxa patrimônio. É uma aberração a arrecadação do IPVA ser maior do que a arrecadação do IPTU, por exemplo. É claro que aí há um conflito de competências. Há legislações estaduais e municipais. Mas você pode fazer alterações na constituição para garantir essa progressividade”, defende.
O professor também sugere maior progressividade no IPTU, maior taxação sobre heranças e a regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas, que permanece como letra morta 25 anos após a promulgação da Constituição de 1988. “Esse conjunto de medidas permitira aumentar a arrecadação e dar folga para desonerar consumo e produção. E grande parte dessas medidas não implica nem mesmo em mexer na Constituição”, afirma.