Por Renato Santana, Assessoria de Comunicação – Cimi
Não é apenas do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) Litoral Sul que chegam informações de pressões feitas por integrantes da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da Saúde, para conseguir adesões ao esforço de criação do Instituto Nacional de Saúde Indígena (INSI). País afora, indígenas e servidores federais relatam toda sorte de coerções e ameaças, além de promessas envolvendo a distribuição de medicamentos e recursos para compra de exames de alta complexidade.
O governo vem tratando estas reuniões como parte do processo de consulta aos povos indígenas para a criação do instituto, driblando assim processo que tramita na 18a Vara do Trabalho de Brasília e exige concurso público para a saúde indígena. O que se apura destes encontros, todavia, é o avesso daquilo que preconiza a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), onde o processo de consulta precisa ser definido junto aos povos de forma prévia e acontecer de maneira informada, com os prós e contras do projeto em questão; livre, sem ser acossado por interesses que não sejam os dos povos afetados.
“Parecia o tempo dos coronéis a discussão desse instituto aqui”, relata uma Xukuru-Kariri que participou da reunião do Condisi Alagoas, entre os dias 25 e 26 de agosto, na capital Maceió. A apresentação do projeto do INSI, conforme outro indígena presente, omitiu diversos pontos e não dirimiu sequer as dúvidas dos presentes, representantes de 11 povos de Alagoas e um do Sergipe.
Os nomes de conselheiros contrários ao instituto foram colhidos pela coordenadora do distrito, Genilda Leão, responsável por levar a proposta dos gabinetes dos ministérios da Saúde e Planejamento para esse pedaço do Nordeste. “Aqui a turma da Sesai definiu até em quais cadeiras sentariam os indígenas e servidores. Quem fosse falar contra o instituto tinha que fazer em poucos minutos de tanto que era cortado”, denuncia um Xukuru-Kariri. Genilda insistia que todos os conselhos do país estavam aderindo ao projeto, e que Alagoas não poderia se isolar.
Desta vez a estratégia governista não deu certo. O Condisi Alagoas tomou posição contrária ao instituto. “Foi quando a Genilda mudou de postura e disse que a proposta precisaria passar pelas aldeias. Por que não fez isso antes? Na certa pensou em outras formas de convencimento. Mas nem isso o Condisi aprovou”, diz aliviado outro indígena presente na reunião do conselho. Os nomes dos indígenas consultados são omitidos a pedido deles próprios: tal régua meça o tamanho da pressão desprendida sobre os conselhos.
Pagamento de multa
O coordenador do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Araguaia, Mato Grosso, Milton Martins, esteve na aldeia Tapi’itãwa,do povo Apyãwa, no último dia 22 de agosto. Na ocasião tentou convencer o grupo a aceitar a criação do instituto em detrimento do concurso público. O argumento utilizado pelo governista revela como a consulta aos povos não passa de uma tentativa de manipular os indígenas.
“Disse que se a gente descumprir a data determinada pelo Ministério Público Federal (MPF), correria o risco de pagar uma multa e que esse recurso sairia da Sesai”, diz a liderança Ware’i Apyãwa. “Disseram para a gente ainda que o concurso público não seria específico e diferenciado. Segundo porque qualquer cidadão não indígena inexperiente com a saúde indígena ocuparia vagas dos profissionais indígenas. Terceiro que os aprovados apenas cumpririam o estágio probatório, depois iam embora deixando a comunidade descoberta”, explica Ware’i.
A multa referida pelo coordenador do DSEI está no âmbito da Ação Civil Pública impetrada pelo MPF e Ministério Público do Trabalho (MPT). O prazo para o governo federal realizar o concurso público e acabar com a atual política de terceirização está prestes a vencer. “Por isso que estavam com tanta pressa. Achamos estranho, mas depois entendemos a razão. Nosso povo disse não para esse instituto, resistimos, e a discussão foi jogada para a reunião do Condisi Araguaia (que termina nesta quinta-feira, dia 4)”, afirma Ware’i.
O indígena explica que o rechaço da comunidade ao INSI se deu pela falta de clareza na apresentação da ideia, pouco tempo para análise, ausência de representantes indígenas na elaboração da proposta, desrespeitando ainda a formação do controle social, e “porque defendemos um concurso público específico e diferenciado. Sem contar que a ideia de criação do instituto não foi apresentada na 5a Conferência Nacional de Saúde Indígena (dezembro de 2013)”, encerra Ware’i.
Dirigido e unilateral
No Condisi Regional Leste, Roraima, conselheiros apontam que a reunião foi “muito dirigida e unilateral nos argumentos”. O documento final, afirmam os conselheiros consultados, não reflete o que o conjunto integrante do Condisi defendeu. “Porém, a coisa não é simples: houve uma manobra intencionada e dirigida que confundiu a reflexão e desorientou. Foi tudo muito rápido. Defendemos que nenhuma decisão poderia ser tomada sem uma consulta prévia às aldeias”, relata uma conselheira por correio eletrônico. O Condisi voltará a se reunir este mês.
Na reunião da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (Cisi), no final de agosto, o secretário da Sesai Antônio Alves se comprometeu a ampliar o debate sobre o instituto. “Eles não terão tempo hábil, porque dia 10 de setembro Alves pretende apresentar a proposta no Conselho Nacional de Saúde (CNS). Por isso estão indo para os conselhos. Então é possível perceber as reais intenções de Alves e do governo a qual faz parte”, afirma Roberto Liebgott, integrante da Cisi representando o Cimi.
Liebgott diz que por essa razão “defendemos ampliar o debate”. O indigenista antevê a tática da Sesai “de apresentar no CNS (o INSI) e tendo ali uma aprovação, vão apresentar o PL (Projeto de Lei) da empresa estatal no Congresso Nacional. Tendo em mãos cartas de Condisis a favor do instituto, Alves tem como dizer que os indígenas foram ouvidos”, diz Liebgott, que reitera o fato do secretário ter dito na reunião da Cisi que ampliaria o debate para as aldeias e organizações indígenas.
“Na Cisi Alves apresentou a proposta que eles têm de criação do instituto dizendo que a Sesai está debatendo-a e aperfeiçoando-a com os Condisis. Não tem nada de novo, todavia. O argumento central é que com a atual legislação eles não conseguem fazer o concurso, mas na verdade é para sustentar a ideia da terceirização”, ataca Liebgott. O indigenista opina que o instituto impacta o subsistema de saúde indígena, altera sua dinâmica e “viabiliza um novo modelo de assistência com base na privatização do serviço”.
“Eles estão fazendo qualquer coisa”
Estas questionáveis consultas, porém, têm ocorrido por uma única razão: o secretário da Sesai, Antônio Alves, tinha a intenção de aprovar a criação do INSI no início de agosto, durante o Fórum de Presidentes de Condisis. Com a repercussão contrária ao instituto, a Sesai decidiu levar aos conselhos a proposta até o próximo dia 15. “Por isso a pressa. As apresentações nos conselhos são um desastre. Gente do controle social da Sesai tem feito promessas de compra de exames de alta e média complexidade, próteses”, denuncia um servidor do governo federal consultado pelo Cimi.
“Eles estão fazendo qualquer coisa para conseguir as cartas de apoio. Inclusive garantem a mesma qualidade que se tem na rede Sarah”. O servidor afirma que um integrante do alto escalão do controle social da Sesai tem dito aos trabalhadores que “quem não aprovar o INSI é melhor começar a estudar para concurso porque vai ficar desempregado”. De acordo com a fonte, o aplicativo whatsapp tem sido a ferramenta utilizada pelo grupo da Sesai no monitoramento e “motivação” para que nos conselhos se consiga as cartas de apoio ao instituto.
“Os indígenas infelizmente estão sendo manipulados, enganados por promessas vazias e usados para que diante da Justiça digam que querem o INSI e o governo diga que apenas atende a essa vontade”, afirma o servidor federal. Sobre a decisão do Condisi Litoral Sul contra o instituto, o servidor revela que a notícia caiu como uma bomba dentro da Sesai, gerando alvoroço entre os defensores do instituto. “Não é um não qualquer”, diz. Isso porque esse conselho está na área de atuação da procuradora da República Analúcia Hartmann, integrante do grupo de procuradores que assinam Ação Civil Pública em curso exigindo o concurso público para a saúde indígena.
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