Kátia Brasil, Amazônia Real
Os índios Ashaninka da aldeia Simpatia, o lugar onde ocorreu no final de junho o primeiro contato com povos isolados na fronteira do Acre com o Peru, registraram a presença de um novo grupo de indígenas de etnia ainda desconhecida na noite do último dia 18. Em entrevista por um telefone público da aldeia na última quarta-feira (20), o líder Ashaninka Fernando Kampa disse à agência Amazônia Real que o grupo andou pela aldeia e pelas roças, mas não se aproximou ou falou com alguma pessoa da aldeia.
Ele demonstrou preocupação com o surgimento do novo grupo de índios sem contato na aldeia Simpatia. “É um povo que parece está cistemado (acautelado). Estamos preocupados porque não sabemos se eles querem invadir a aldeia. Ou estão procurando os índios do contato. Nós estamos sós, a Funai não está aqui”, afirmou o ashaninka Fernando Kampa.
A aldeia Simpatia dos ashaninka está situada na região da Terra Indígena Kampa e Isolados do Rio Envira. Além do “povo do rio Xinane”, mais dois grupos de índios isolados foram avistados nos últimos 30 anos pelas equipes da Funai (Fundação Nacional do Índio) nesta região da fronteira do Acre com o Peru: o “povo da cabeceira do Riozinho” e “povo do Rio Humaitá”. Há um quarto grupo de índios isolados que é denominado de Mashco-Piro, que vive em território peruano.
Procurada, a Funai disse que não comentaria sobre os relatos de Fernando Kampa a respeito da presença do novo grupo de índios isolados na aldeia Simpatia.
Fernando Kampa foi o indígena que no dia 29 de junho oficializou os primeiros diálogos do contato, inclusive filmado em vídeo, com os índios “do Xinane”, que é o nome do do afluente do rio Envira, que banha a Terra Indígena Kampa.
Antes do contato, o “povo do rio Xinane” já aparecia em pequenos grupos na aldeia Simpatia desde o meados de junho, entrando nas roças em buscas de alimentos ou nas casas pegando panelas, machados e facões, o que chegou a assustar as mulheres e crianças ashaninka.
Com o contato, a Funai reabriu a base da Frente de Proteção Etnoambiental do rio Xinane, a cerca de duas horas de viagem de barco da aldeia Simpatia, entre os municípios de Feijó e Jordão.
Em entrevista publicada pela agência Amazônia Real, o coordenador-geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai, Carlos Lisboa Travassos, alertou que haveria uma aproximação massiva do grupo indígena isolado na base da fundação do rio Xinane, o que exigirá, segundo ele, uma resposta do governo brasileiro na proteção da integridade física e cultural da etnia. A Funai também pediu ajuda ao Itamaraty para intermediar a participação do governo peruano nas ações.
Segundo a Funai, na base do Xinane agora vivem 24 índios do recente contato. Na aldeia Simpatia moram 70 ashaninka. Fernando Kampa diz que com os novos vizinhos, o cotidiano mudou na aldeia.
“Daqui da aldeia são duas horas de viagem até a base do Xinane. Na base estão morando 24 índios. Vou lá sempre e falo com eles sem problemas. No grupo tem homens, seis mulheres e oito crianças. Duas mulheres são novas e as outras aparentam de idade, mais de 40 anos. Tem uma mulher está grávida”, disse Fernando Kampa à agencia Amazônia Real.
O líder da aldeia Simpatia afirma que todos na comunidade Ashaninka estão preocupados com uma possível escassez de comida já que o inverno se aproxima e os produtos das roças têm servido também ao “povo do rio Xinane”.
Nesses dois meses do primeiro contato, ele disse que percebe que o “povo rio Xinane” não quer voltar mais para a aldeia no território peruano, onde vive o restante da tribo.
“Eles dizem que estão brigando com outros povos. É por isso que apaceram aqui (na aldeia Simpatia). E vão morar na base do Xinane mesmo”, disse Fernando Kampa, que acredita que o novo grupo de índios isolados, que apareceu na aldeia ashaninka no dia 18 de agosto, tem uma relação não amistosa com os índios já contatados. “Acho que agora vai aparecer outros índios, como apareceu esse povo que está cismado, eles devem ter vindo procurar eles”.
A agência Amazônia Real entrevistou outro personagem decisivo para o contato com o “povo do rio Xinane”, o indígena Jaminawa, José Correia da Silva, 59 anos, o Tonumã. Ele, que é funcionário da Funai em Sena Madureira (AC), foi o intérprete dos primeiros diálogos entre os índios e servidores da fundação.
Zé Correia Tonumã, como é mais conhecido entre as lideranças indígenas, confirmou que o “povo do rio Xinane” não quer voltar para a aldeia no território peruano. “Pela forma que eu vi lá e pela conversa que eu tive lá, eles não vão voltar mais para a aldeia deles. De jeito nenhum. Eles têm uma briga interna com outros povos que falam a mesma língua e que vivem ao redor. É um problema interno e grande”, afirmou o intérprete Jaminawa.
O médico Douglas Rodrigues, do Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), foi convidado pela Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) para colaborar com a assistência à saúde dos índios recém contatados do Xinane. Ele também confirmou que os índios relataram a existência de brigas internas e perseguições por não-indígenas.
“Eles (o povo do Xinane) estão, sim, com muito medo e disseram que há muito tempo vem procurando os ‘parentes’ no Envira para fugirem desse massacre em curso na região da fronteira. Relatam também muitas mortes por doenças como febre, tosse e diarreia. Ao que tudo indica, é um grupo de sobreviventes. Seu isolamento nada tem de voluntário, como dizem alguns documentos oficiais”, afirmou.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por Elaíze Farias.