Não eram bombas? Ah, mas se estão presos é porque são culpados de algo…, por Leonardo Sakamoto

Leonardo Sakamoto

Relatórios do grupo antibombas da polícia de São Paulo e do Instituto de Criminalística apontam que Fábio Hideki Harano e Rafael Lusvarghi, presos há 43 dias acusados de porte de explosivos, incitação ao crime, associação criminosa, não carregavam produtos explosivos ou incendiários durante manifestação durante a Copa do Mundo. Uma das razões para prisão dos dois foi exatamente a posse desse tipo de artefato. 

A Secretaria de Segurança Pública afirma que as denúncias “não se baseiam apenas em objetos encontrados com ambos”, segundo reportagem de Giba Bergamim Jr, da Folha de S. Paulo. Mas não mostra que provas são essas. Pelo contrário, usa o argumento de que há um processo contra eles – sendo que é exatamente a fundamentação desse processo que está sendo questionada. É tão surreal que se Kafka tivesse nascido na São Paulo de hoje, não teria feito tanto sucesso.

Olha, o racional agora seria rever o processo e soltar os dois. Mas São Paulo não é racional. Então, não me admiraria se ambos forem acusados de transformar explosivos em substância inertes à distância com a ajuda de Harry Potter com a orientação de Severus Snape. O Rio não elencou Bakunin como suspeito? Por que São Paulo não pode indiciar Harry Potter?

Agora, vamos ser sinceros: parte de vocês queria tanto que alguém pagasse por conta dos congestionamentos causados pelas manifestações ou pelo ataque às vitrines de lojas e de concessionárias de veículos que não se importa se todas as provas são confiáveis ou não. Para muitos de vocês, aliás, não importa se ambos são culpados ou inocentes de qualquer coisa. Eles têm que pagar simplesmente porque alguém tem que pagar em nome de todas as tentativas de subverter a ordem.

Afinal, por que as pessoas têm que protestar? Por que elas não podem sofrem em silêncio e ranger os dentes de forma patética como eu?

Saiba que existem várias formas de linchamento. E você, que comemora uma prisão com provas discutíveis, está cometendo uma delas.

Pois qual a diferença disso e da história de um homem que foi espancado até a morte e teve a casa incendiada e o bar destruído após ser acusado de ter sido o responsável pela morte de uma adolescente no interior de São Paulo? A turba idiota não quis saber e rolou, ladeira abaixo, uma bola de neve de rumores, fofocas e maldizeres, decidindo que ele era culpado. Ao final, questionado pela barbárie, um dos participantes da loucura declarou: “Se a gente fez, ele deve. Alguma coisa ele deve”. A investigação posterior, contudo, não apontou uma pessoa como a responsável pelo assassinato da adolescente.

Para muitos, decisões sem embasamento são lindas desde que sejam sumárias e rápidas, executadas pelas mãos da população ou pelas do próprio Estado. Não querem Justiça, querem vingança. Contra o que? Sei lá, só vingança.

Do meu ponto de vista, Justiça divina não existe e o universo não conspira a favor ou contra nada. Por isso, desejo tanto que nossa polícia e nossa Justiça funcione aqui e agora. Daí a importância de momentos como este. Para que possamos corrigir os rumos de um Estado que prende e uma população que condena mesmo sem provas.

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