Favela como padrão de pobreza: como o Birmingham Mail se enganou

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Rio On Watch

No dia 22 de julho, um dos jornais locais mais lidos no Reino Unido publicou um artigo comparando uma acomodação estudantil superlotada em Birmingham com as “periferias do Terceiro Mundo”. Políticos locais comentaram que um dos distritos de Birmingham começava a parecer com uma “favela brasileira”. A área em questão foi também descrita como “abarrotada” e “coberta de lixo” como “quintais da Amazônia”. Apesar de a maioria dos jornalistas de língua inglesa que estavam no Brasil durante a intensa exposição midiática da Copa do Mundo terem traduzido a palavra “favela” para “slum”, esse tipo de jornalismo preguiçoso é especialmente surpreendente vindo do Birmingham Mail. Birmingham tem sua própria e original história habitacional: durante a Revolução Industrial, muitas das comunidades de trabalhadores da cidade viviam em complexos minúsculos e miseráveis, o que ainda existia nos centros urbanos da cidade em plena década de 1960.

Apesar do fato de Birmingham ter sua própria história obscura de cortiços, seus políticos escolheram usar o termo “favela” para descrever acomodações estudantis superlotadas. Seus jornalistas, por sua vez, escolheram propagar esses comentários que perpetuam o profundo e danoso estigma da favela. Esse é um grande exemplo da infiltração do estigma na representação midiática internacional das favelas. Favelas não são “slums” porque elas não incluem por definição as características dos assentamentos temporários, condições de vida cerceadas e insegurança no fornecimento de água. Elas muitas vezes começam nessas condições, mas vêm se tornando, ao longo das décadas e gerações, comunidades com numerosas qualidades. Na realidade, a caracterização que une todas as favelas é muito simples. Favelas são:

  1. Bairros que surgem de uma necessidade por moradia que não é satisfeita pelo mercado ou setor privado.
  2. Fundadas e desenvolvidas sem regulamentação externa ou do governo.
  3. Fundadas e desenvolvidas pelos seus moradores (sem planejamento centralizado ou externo).
  4. Continuamente em evolução em relação à própria cultura e acesso à recursos, empregos, conhecimento e a cidade.

O termo “favela” não tem conotação negativa inerente. A negatividade atribuída a essas comunidades é frequentemente imposta por pessoas de fora com pouco ou nenhum conhecimento sobre a vida na favela. Essas percepções influenciam políticas de planejamento urbano excludentes. Muitos moradores de favelas estão lutando contra as remoções de suas casas e vêm batalhando pelo reconhecimento formal de seus direitos à moradia por décadas. Comparar o termo “favela” à palavra “slum” nega o vasto número de qualidades das comunidades, o papel histórico das favelas na construção da cidade do Rio de Janeiro e outras cidades pelo Brasil, e o seu potencial de contribuir para um modelo sustentável de desenvolvimento urbano futuro. É essencial lutar pelo fim do estigma da favela com o intuito de reconhecer a eficiência criada pelo estilo de desenvolvimento das mesmas.

Esses bairros de construções baixas porém com alta densidade populacional encorajam a troca ao invés do isolamento. Devido aos recursos financeiros limitados, os moradores vêm historicamente trabalhando coletivamente a fim de garantir melhorias, desde as necessidades básicas até moradias. Até 2050, um terço da população mundial estará morando em assentamentos urbanos informais. Ao contrário do que o Birmingham Mail e os políticos da sua cidade sugerem, favelas oferecem insights importantes para estratégias de inclusão cidadã no século 21. Birmingham teria sorte em acolher a primeira favela inglesa.

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