Observação: as pequenas sínteses abaixo estão sendo feitas e enviadas por Pricylla (que não é jornalista, mas advogada) à medida em que as pessoas vão falando. O objetivo é socializar informação, mesmo que em doses homeopáticas. A ideia inicial era ir publicando-as apenas no facebook, deixando para o término um texto consolidado que ela escreverá. A reação no face mostrou, entretanto, a importância de já irmos compartilhando algumas informações sobre os depoimentos e as falas. Aí vão elas, pois. (Tania Pacheco)
Por Priscylla Joca, de Montreal, para Combate Racismo Ambiental
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Primeiro dia: 30 de maio de 2014. Violações de Direitos e impactos socioambientais das mineradoras canadenses sobre a Amética Latina
Jennifer Moore, Coordenadora para a América Latina da MiningWatch Canada:
“Há um processo de criminalização aos movimentos de resistência contra a indústria de mineração. As comunidades têm sido protagonistas em processos de resistência em toda a América Latina. Por exemplo, algumas comunidades, como estratégias de resistência, estão declarando territórios livres de mineração antes mesmo de que alguma empresa chegue a elas. Por outro lado, há criminalização e violência. Há um novo pacto entre as empresas e os Estados para silenciar e reprimir esses processos. Estamos assistindo a um aumento no número de defensores da terra e do meio ambiente que foram mortos nos últimos anos (2009-2013). No Brasil, desde 2002, 448 pessoas foram assim assassinadas. É importante percebermos que o processo de criminalização não é um evento isolado, e sim um processo que se inicia com a estigmatização das lutas territoriais e ambientais e envolve ataques físicos à integridade dos defensores”.
Lina Solano, da frente de Mulheres Defensoras da Pachamama do Equador:
“Há o imaginário de que a terra é uma mulher que somente pode ser penetrada por um mineiro barão”. Ao falar sobre os impactos da indústria de mineração sobre os direitos das mulheres, Solano destacou também que quando uma empresa de mineração, que tem mão de obra predominantemente masculina, chega a uma comunidade, a vida das mulheres se transforma completamente. As mulheres campesinas passam a vivenciar diversas violações de direitos. Contudo, elas estão na primeira linha de resistência contra as empresas, ainda que venham sofrendo repressão e criminalização por isso.
“Nós mulheres não temos uma papel de vítimas, passivas. Queremos pedir ao Tribunal que tomem conta dos impactos específicos que a mineração esta causando sobre as mulheres. As corporações querem que nós aceitemos. Isso para nós é inaceitável. Temos nossa cultura, tradição, formas de vida, meio ambiente que vem nos permitindo subsistir. Esses são nossos espaços de vida!”
José Luis Abarca, do México
“Nós outros seguiremos lutando desde Chiapas. Nossa luta não tem fronteiras!” (no final de seu depoimento em vídeo, no qual ele fala sobre o processo de violência causado pelos conflitos socioambientais ligados à indústria de mineração canadense instalada em sua região, o qual culminou com a morte de seu pai. O processo está arquivado).
Sergio Campusano, da comunidade indígena Diaguita Huascoaltinos, do Chile, sobre o direito à autodeterminação e ao consentimento informado:
“[Uma pessoa ligada a empresa de mineração me perguntou:] Quanto vale o lugar? Lhe disse muito emocionado que havia só uma coisa que ele podia dar à comunidade: que você se vá. Não queremos o dinheiro, nem antes, nem agora, nem nunca, queremos seguir cuidando para as outras gerações, porque assim como eu vou viver aqui, você também pode viver aqui e cuidar do lugar para os outros.
Aqui é lugar de resguardo para a humanidade, com um respeito único à natureza. Isso não se faz com dinheiro.
Não vim para essa vida para ser advogado, para ser antropólogo; vim apenas para a vida para uma só coisa: ser guardião da natureza nesse lugar. Esse é o meu papel e eu o tenho claro. Tanto que, se minha vida for necessária, minha vida será dada para defendê-lo!
A nossa autodeterminação não inclui nenhuma empresa que não respeita nossa decisão de ser um território indígena de preservação da natureza do lugar”.
Eric Castillo, da Guatemala:
Sobre violências que ocorreram em sua comunidade, San Rafael de Las Flores, provocados pelos conflitos socioambientais em torno da empresa de mineração Tahoe Resources Inc., diz que houve episódios graves em sua comunidade, nas quais ele chegou a receber um tiro.
Ele declara que “a dignidade não tem preço”, e que eles não querem dinheiro e sim Justiça!
Segundo dia, 31 de maio: como o Canadá vem, por meio de diversos mecanismos,apoiando a indústria de mineração
Stephen Brown, Universidade de Ottawa, sobre a utilização de fundos de ajuda pública ao desenvolvimento para a promoção de interesses comerciais:
“Os fundos para as ONGs canadenses têm se reduzido. Algumas estão sem subvenção e, ao mesmo tempo, tem se reservado um fundo para as organizações que trabalham com [projetos ligados a responsabilidade social] das empresas de mineração. (…) O objetivo é melhorar a imagem dessas empresas, as ONGs [que atuam junto ao setor de mineração] dizem que estão trabalhando para mitigar e minimizar os danos. Na verdade estão trabalhando para distrair a atenção dos danos e violações causados pelas empresas”.
Pedro Landa, Honduras, sobre o processo de aprovação do código mineiro em Honduras no ano de 2013:
“Não existia condições no país para aprovar o código mineiro. Era necessário um governo ditatorial para impor a aprovação desse código”.
Ana María Suarez Frando, Consorcio ETO, sobre a responsabilidade do Estado de origem e as inversões em Direito Internacional:
“Apesar do projeto de Direitos Humanos do pós guerra, em realidade nos marcos jurídicos internacionais há uma fragmentação entre os direitos econômicos e comerciais e os direitos humanos. Não obstante, as Nações Unidas têm tentado responder a isso.
Os Estados não se limitam aos territórios mas podem influir para além dele. Há bastante normas que servem para identificar a responsabilidade dos estados de origem, inclusive os princípios gerais de DHs, como o respeito à dignidade humana, à não discriminação e à igualdade.
Qual é o alcance das obrigações extraterritoriais? Na jurisprudência da Corte Interamericana se diz que há esse alcance onde o Estado tem autoridade e controle específico e nos casos de ação e omissão que tem efeitos previsíveis. Quando se pode atribuir a responsabilidade ao Estado? Quando as empresas atuam por instruções ou sob a direção do Estado.
Destaca-se que as obrigações entre os Estados (de origem e os que sediam as empresas) são paralelas. Existe para todos os Estados a obrigação de evitar ações que causem danos. O Estado deve fazer avaliação prévia de impactos e violações aos direitos humanos, o que deveria incluir a participação pública. Os Estados deveriam privilegiar os direitos humanos e não os interesses comerciais”.
Jenifer Moore, sobre as práticas das embaixadas canadenses no caso de Chicomuselo, México, envolvendo o assassinato de uma liderança comunitária:
“Os conflitos ocorreram principalmente em 2009 e envolveram o assassinato de uma pessoa da comunidade. A embaixada sabia dos conflitos desde antes do assassinato. Encontramos diversos problemas. Destaca-se que o Canada é signatário de convênios de DHs. Tem portanto suas obrigações. A missão das Relações Exteriores do Canadá é de proteger os recursos naturais e promover os valores de DHs que são adotados pelo Canadá.
Nas palavras da empresa de mineração (Blackfire), na fase de instalação da mina o apoio da embaixada era essencial. Na fase de monitoramento da atuação da mina, a embaixada passou a mediar conflitos, mas que tipos de mediação foi feita? Em julho de 2009, uma delegação que incluiu o líder comunitário assassinado foi à embaixada, mostrando provas de violações de direitos humanos e ambientais (há fotos e vídeos disso). A embaixada recebeu 1.400 carta de vários países demonstrando preocupação com a vida de Mariano Abarca (liderança assassinada).
Em outubro de 2009 (um mês antes do assassinato), dois funcionários da embaixada foram a Chiapas e não encontraram com a comunidade. Foram apenas à mina para averiguar os impactos ambientais e dialogaram com o governo local sobre tributos cobrados das empresas.
Havia forte interesse da mídia de dar cobertura apôs o assassinato. A embaixada tinha que estar preparada para dar declarações às mídias.
O que percebemos é que a embaixada estava mais preocupada com a relação diplomática com México do que com a investigação imparcial do assassinato. Continuaram sem falar com a comunidade e seus representantes, mesmo após o assassinato. Ao mesmo tempo, após o assassinato, a embaixada respondeu à empresa de mineração evolvida no conflito para atuar em interesses comerciais da mesma. Entregamos esse informe à Embaixada Canadense no ano passado, onde a comunidade pôde expressar seu desejo de justiça nesse caso.
A embaixada respondeu apenas que ‘esperamos que as empresas canadenses respeitem as leis locais e os direitos humanos e implementem programas de Responsabilidade Social Empresarial’.
A embaixada, em seu apoio incondicional à Blackfire, tem servido como incentivo a esse tipo de comportamento dessas empresas, e as embaixadas não vêm cumprindo com seus próprios compromissos em promover os direitos humanos”.
Encerrando essa parte, Alain Deneoult, co-autor do livro Paradis sous terre, que analisa, entre outros aspectos, a proteção às empresas de mineração no Canadá, fala via skype para o TPP Canadá sobre os mecanismos de apoio econômicos, incentivos fiscais e a estrutura da bolsa de Toronto voltada à atividade mineira.
O próximo bloco será sobre Acesso à Justiça: