Protestos no Brasil: despreparo e abusos por parte do Estado

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Mateus Ramos – Adital

O ano de 2013, em especial os meses próximos à Copa das Confederações, ocorridas em junho, foram marcantes para o cenário político brasileiro. As ruas do país ficaram tomadas em vários estados por pessoas que tentavam exercer seu papel de cidadãos e exigirem direitos, muitas vezes esquecidos pelos governantes. Desde os “Caras Pintadas”, em 1992, o Brasil não via um movimento tão massivo e que uniu a população de forma tão plural, como os ocorridos no ano passado.

A organização Artigo 19, entidade internacional de direitos humanos com sede no Reino Unido, divulga números inéditos dos movimentos ocorridos e constata a fragilidade brasileira na proteção dos direitos de manifestação e de liberdade de expressão das pessoas. Ao todo, segundo a organização, foram 696 protestos de rua, sendo 15 com mais de 50 mil manifestantes; nessas manifestações foram detidas mais de 2.600 pessoas.

Outro aspecto observado é o despreparo das forças policiais, especialmente a militar, na forma de lidar com as manifestações. “A ação da Polícia Militar não se dá de modo a garantir a dignidade das pessoas e a integridade do patrimônio público e privado; pelo contrário, ela instiga a violência e o conflito. O que presenciei nesses eventos é que com a ação da Polícia a violência e a barbárie se generalizam”, relata em nota pública, Pedro Guimarães Lins Machado, fotógrafo, vítima da violência da polícia enquanto trabalhava nas manifestações.

A Artigo 19 relata que, em números gerais, dos 696 protestos, 16 tiveram mais de 10 pessoas feridas, além de oito mortes em decorrência do emprego desproporcional dos aparatos erroneamente chamados de “armas não letais”, que estariam longe de serem o que o nome sugere. Elas causam ferimentos graves, mutilações e podem, sim, levar à morte, como afirma uma reportagem da revista Galileu. Deveriam ser chamadas de “armas menos-letais”.

Contudo, não foram apenas as “armas menos letais” usadas em meio às manifestações; foram relatados e contabilizados o uso, por 10 vezes, de armas de fogo, ou seja, armas letais.

Uma das violações aos direitos dos manifestantes mais relatada foi a ausência de identificação por parte de muitos policiais. Segundo a ONU (Organização das Nações Unidas), a identificação visível nos uniformes dos policiais é de extrema importância para a responsabilização de culpados no caso de violações a direitos humanos. Alguns policiais chegam a dizer que o motivo de esconderem a identificação é pelo fato de muitos manifestantes estarem usando máscaras. “Se eles podem esconder os rostos, também podemos esconder quem somos.”, afirmou um integrante da polícia, que não se identificou.

“O discurso policial calcado na ordem está funcionando de forma binária, transformando todo manifestante ali presente num inimigo do Estado, inclusive, de forma sádica, rindo da vulnerabilidade civil.”, desabafa o fotógrafo no relatório da Artigo 19.

2014_05_protestos_policiais-sem-identificacao_relatorioAbusos contra jornalistas

Durante os protestos de 2013, não foram apenas os manifestantes vítimas das ações violentas e prisões arbitrárias por parte dos agentes do Estado. A polícia também cometeu violações contra profissionais de comunicação que cobriam os protestos por todo o Brasil, principalmente os que não faziam parte das grandes empresas midiáticas brasileiras. Muitas vezes, o foco eram as mídias alternativas.

O trabalho de denúncia que muitos jornalistas chamados “alternativos”, por fazerem parte de jornais digitais e fazendo transmissões ao vivo e sem interrupções pela Internet, tornaram esses profissionais quase inimigos dos policiais. As ações violentas e as prisões sem razões aparentes eram formas de bloquear o debate público, já que impediam que as informações sobre a atuação policial ou mesmo sobre a dinâmica dos protestos chegassem à população através dos veículos de comunicação.

Ao todo foram 117 jornalistas agredidos e feridos, muitas vezes de forma grave, como foi o caso do fotógrafo Sergio Silva, da agência Futura Press, que perdeu a visão no olho esquerdo após ser atingido por uma bala de borracha. “Essas armas não vão trazer nenhum bem para a sociedade. Não vão trazer nenhum tipo de paz e não vão acalmar as pessoas. O resultado é esse que aconteceu comigo. Um trauma para o resto da vida. Uma família prejudicada. É uma dor que eu desejo que o policial que me acertou nunca sinta na vida dele. É uma dor insuportável. É vontade de morrer ali para não sentir mais a dor”, declarou Sérgio no relatório.

Além do elevado número de jornalistas feridos, 10 foram presos, mesmo portando identificações provando que estavam trabalhando, como foi o caso do repórter Francis Juliano, do Bahia Notícias (BN), detido após questionar aos policiais o motivo de eles estarem espancando um fotógrafo. Segundo uma reportagem do BN, divulgada na época da prisão, além de deter o jornalista, os policiais gritavam que “o BN não tem direito de fazer interrogatório porque quem manda ali é a PM”.

Segundo Frank La Rue, relator da ONU para o direito e a liberdade de expressão e opinião, “no contexto de manifestações e situações de conflito social, o trabalho de jornalistas e comunicadores e o livre fluxo de informações através dos meios de comunicação alternativos como as redes sociais digitais, é fundamental para manter a população informada sobre os acontecimentos, pois cumpre um papel importante de reportar a atuação do Estado e da Força Pública ante as manifestações, prevenindo o uso desproporcional da força e o abuso de autoridade”.

Relatório digital

A “Artigo 19” lança nesta segunda-feira, 02 de junho, o site “Protestos no Brasil 2013”, uma versão digital do relatório homônimo, que busca fazer um registro sobre a série de violações ocorridas durante os protestos de todo o ano passado. Nesse site poderão ser encontrados dados sobre as manifestações ocorridas no ano passado, como estatísticas, infográficos e até depoimentos de pessoas que participaram dos protestos espalhados pelo Brasil.

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