Três sociedades de mineração em quatro têm sua sede no Canadá. Porque ? O Canadá é um verdadeiro paraiso para estas empresas : elas podem especular sobre as jazidas do mundo inteiro se beneficiando de proteção em caso de crimes ambientais e de violações de direitos humanos. Uma realidade muito distante da imagem simpática que temos do país. Entrevista com Alain Deneault*, co-autor do livro “Paradis sous terre” (Paraiso debaixo da terra)
Por Alain Deneault*, em Basta**
75% das sociedades mineradoras têm sua sede no Canadá. Por quê?
Alain Deneault*: Lá é mais fácil especular sobre o valor suposto de uma jazida. É possível avaliar não só as “reservas” que uma mina contem, isto é, o que é de fato possível de extrair, como todos os recursos presentes na mina e que seria eventualmente possível explorar. Assim, na bolsa de valores de Toronto, se pode valorizar uma riqueza real, mas também o recurso presumido ou esperado : uma riqueza maior que a que foi avaliada pelos geólogos, em função da evolução das técnicas ou dos custos de exploração. A bolsa de Toronto sempre foi muito especulativa, até o escândalo Bre-X, uma sociedade canadense que super avaliou artificialmente as reservas esperadas de suas minas de ouro, antes de ir à falência em 1997, provocando a perda de 4,7 bilhões de euro para seus acionistas.
A industria da mineração dispõe assim de muito dinheiro oriundo dos fundos de pensão, das companhias de seguros e dos bancos. Entre 2007 e 2011, 220 bilhões de dólares canadenses de títulos foram vendidos. O governo criou programas fiscais para incitar e facilitar investimentos no setor da mineração. Um verdadeiro pipe-line alimenta financeiramente projetos de mineração no mundo, da Zâmbia à Romênia, quer estes projetos tenham riscos ou não.
O que é o que você chama de “free mining”?
É a maneira muito singular em Quebec e no Canadá de administrar o acesso aos recursos do subsolo. Trata-se literalmente de tomar posse dos direitos do subsolo de um território dado clicando num site do Ministério dos Recursos Naturais. Com isso, é possível efetuar perfurações sem a autorização dos proprietários destes territórios. A lei sobre as minas oferece muitas vantagens às mineradoras. Ela permite o que chamamos de “claiming” : reivindicar legalmente uma parte do subsolo e obter direitos superiores aos dos proprietários, com inclusive a possibilidade de desapropriação. Ativistas de Quebec mostraram o absurdo da lei reivindicando os direitos de exploração num jardim público no coração da cidade de Montreal.
Como o Canadá apoia as mineradoras fora de suas fronteiras ?
O Canadá se beneficia de uma imagem internacional que inspira confiança. Mas é um país forjado pelo setor da mineração. Uma verdadeira diplomacia de complacência existe. Os diplomatas canadenses exercem pressões sobre as autoridades locais dos países onde mineradoras têm interesses para facilitar a adopção de códigos inspirados pelo código canadense. Estas pressões podem também ser o pedido de expropriação das populações civis vivendo nas jazidas. E se os problemas são importantes demais – tensões, revoltas, poluições ou ONGs curiosas demais – o Canadá oferece às mineradoras assistência jurídica. Um grupo de juristas da Universidade de Oxford (Oxford Pro Bono Publico) estima que o Canadá é um país anormalmente difícil para processar na justiça uma empresa atuando no exterior.
Mas não é o país onde a lei não foi cumprida que deve processar uma empresa criminal?
Seria esquecer a corrupção e os efeitos nos países do sul das políticas devastadoras do FMI e do Banco mundial, o que a Canadá sempre apoiou. Sabemos que o sistema judiciário congolês por exemplo não dá a possibilidade de processar uma sociedade no país. Uma sociedade canadense, Talisman Energy, teria sido processada por sua implicação na guerra civil no Sudão se ela não tivesse deixado este país africano, justamente para escapar de um julgamento. Mas era porque era cotada na bolsa de Nova Iorque. Isto não teria sido possível no Canadá. O Canadá se deu oficialmente como mandato a luta contra a corrupção. Mas, segundo um relatório da OCDE, uma só sociedade teve problema em dez anos. Na bolsa de Toronto, uma mineradora é obrigada a divulgar uma informação só se esta informação pode afetar o valor da ação…
As mineradoras canadenses foram implicadas nas guerras civis na República Democrática do Congo (RDC). Por que nunca foram incomodadas?
O livro Paradis sous terre (Paraiso debaixo da terra), assim como Noir Canada, que escrivi junto com Delphine Abadie e William Sacher, que inclusive foi processado na justiça pela multi-nacional Barrick Gold, tratam amplamente deste assunto. No começo de 1990, o poder de Mobutu enfraquece. A ditadura não tem mais o apoio francês e belga. O Banco Mundial pressionou para que o Zaire – hoje RDC – abrisse suas sociedades públicas ao capital privado. É necessário lembrar que a RDC é o único país do mundo onde todos os elementos da tabela periódica estão presentes no subsolo (a tabela periódica indica todos os elementos químicos, inclusive os elementos metálicos, da prata ao zinco). As riquezas minerais deste país são fenomenais! Quando a guerra civil se inicia, tudo é bom para a Barrick Gold, que adquire uma concessão de 82,000 km2 (quatro vezes o tamanho do estado de Sergipe).
O problema é que as mineradoras assinam contratos com os beligerantes. Para alimentar sua guerra para acessar ao poder, Laurent Désiré Kabila distribui concessões. Contratos inverossímeis são assinados com filiais em paraísos fiscais. Num relatório, a ONU cita nove sociedades canadenses que não respeitaram os princípios da OCDE, critérios éticos mínimos. O Canadá tem então uma enorme responsabilidade moral. A ONU pediu ao governo canadense para investigar estas sociedades porque os peritos da ONU não tinham os meios judiciários ou financeiros para o fazer. Mas, até agora, nenhuma comissão parlamentar – como foi o caso na França para seu papel no Ruanda – foi criada.
Como você explica esta omertà?
A palavra é bem escolhida. No Conselho consultativo internacional da Barrick Gold, líder mundial da extração de ouro, há Georges Bush Senior, o antigo presidente da Bundesbank, Karl Otto Pölh e Paul Desmarais, que possui um império midiático. Outros impérios midiáticos canadenses são controlados por investidores no setor mineral. A imprensa não fala então das peripécias do setor das mineradoras. Os canadenses estão mantidos na ignorância. Mas é o dinheiro deles que serve às mineradoras das quais eles se tornaram de fato acionistas. Quando se evoca a situação de um ponto de vista crítico, os canadenses estão sensibilizados frequentemente mais como investidores na poupança do que como cidadãos. É muito fácil processar cidadãos ou intelectuais por difamação, ao contrário dos Estados Unidos onde são protegidos pela emenda sobre a liberdade de expressão. No Canadá, na hierarquia dos valores jurídicos, a fama passa antes da liberdade de expressão.
Porque esta onipresença do setor das mineradoras no Canadá?
O Canadá não é nem uma nação nem uma república, mas uma colônia que tem instituições especiais para explorar os recursos naturais. Hoje, o gás de xisto, o petróleo oriundo das areias betuminosas ou as minas de amianto são uma herança colonial. Nosso país ainda não é uma república mas continua sendo uma monarquia constitucional. A soberana é Elizabeth II. e o primeiro ministro age como um governador. As pessoas não se consideram cidadãos de uma república, mas como pessoas que têm direitos individuais garantidos pelo estado, cuja função é um contrato de seguro mínimo. Eles não se sentem ligados às decisões que não são percebidas como sendo tomadas em seu nome. O peso das mineradoras revela o Canadá como ele realmente é : uma colônia criada ao serviço de grandes oligopólios.
A França esta reformando seu código mineral. E a exploração mineral está de volta na Europa com o gás de xisto ou projetos de novas minas, como na Romênia. Qual é seu conselho para evitar a desregulação neste setor?
A Europa importa a maior parte de seus minerais. Se ela decidir retomar a extração, é provável que empresas canadenses estarão presentes. A questão do direito do subsolo não deve ser pensado em detrimento do direito à propriedade fundiária. É preciso diferenciar os tipos de exploração: extrair ouro, urânio ou diamante não tem as mesmas consequências nem a mesma pertinência que o cobre ou o ferro. O ouro, é uma loucur : centenas de litros de água por segundo com o uso de produtos químicos tóxicos que provocam o aparecimento do arsênico. Quanto aos royalties, se se julga sensato permitir certas explorações, devem ser previstos assim que os minerais são extraídos para que isso não seja aplicado só ao lucros. Senão é como dizer para a empresa “pegue meu ouro ou meu cobre, e se você tiver lucros na hora da venda, eu terei direito a uma porcentagem.” Isso não seria sério! Felizmente, na Europa a reação é mais rápida em caso de deslize. Gostaria de lembrar que na Argentina Barrick Gold quis dinamitar uma geleira em alta montanha!
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*Alain Deneault é doutor em filosofia. Ele ensina o pensamento crítico na Universidade de Montreal. Ele é co-autor de Paradis sous terre, comment le Canada est devenu une plaque tournante de l’industrie minière mondiale (Paraiso debaixo da terra, como o Canadá se tornou o ponto chave da indústria mineradora mundial).
**Traduzida do francês e enviada para Combate Racismo Ambiental por Stéphan Bry.