Makaulaka Mehináku Awetí é o primeiro representante da etnia Mehináku a concluir pós-graduação. Trabalho inédito aprofunda estudo sobre língua indígena
Helen Lopes – Da Secretaria de Comunicação da UnB
Passados menos de trinta dias da morte do professor Aryon Dall’Igna Rodrigues, um dos fundadores da Universidade de Brasília e referência em linguística, o Laboratório de Línguas e Literaturas Indígenas (Lali/IL), que ele criou em 1999, recebeu a banca de mestrado do primeiro índio Mehináku – etnia do Alto Xingu (MT).
Makaulaka Mehináku Awetí defendeu, na semana passada, pesquisa sobre a língua Mehináku, uma das três faladas pela família linguística Aruak do Parque Indígena do Xingu. O trabalho inédito aprofunda a descrição gramatical da língua, que também está presente na região Norte do Brasil e em países como Bolívia, Peru e Venezuela.
“Entrar neste universo significou muito. Penso na minha aldeia, naqueles que abandonaram a sua própria língua. E de como valorizá-la. Esse passo vai nos ajudar a ter voz e a defender a nossa cultura”, disse Makaulaka, durante a defesa da dissertação.
Emocionada, a orientadora do estudo, Ana Suelly Arruda Câmara Cabral, recordou-se do empenho do professor Aryon Rodrigues para preservar e conhecer as línguas e a cultura indígena. “Cada pesquisa apresentada aqui representa a vitória de uma grande guerra. Os índios devem ser protagonistas dos estudos e não apenas fontes”, afirmou.
A coordenadora substituta de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação, Susana Grillo Guimarães, acompanhou a defesa e salientou a importância de os índios se tornarem pesquisadores. “É um processo que fortalece a própria cultura, pois todas as línguas indígenas estão em risco de extinção. Ao se apropriarem do conhecimento e ao trazê-lo para a universidade, eles criam embasamento para propor e acompanhar as políticas públicas”, declarou.
Professora de Makaulaka no curso de magistério e na graduação em Mato Grosso, Susana parabenizou o trabalho desenvolvido pelo Lali. “Sabemos que há um grande esforço para manter os estudantes de mestrado e doutorado com baixíssimo índice de desistência. Os indígenas são muito apegados às famílias, que muitas vezes acompanham os alunos. Isso envolve muito esforço individual e coletivo”.
TRAJETÓRIA DE SUPERAÇÃO – Na última sexta-feira, Makaulaka Mehináku Awetí, de 34 anos, acordou antes das 6 da manhã. Ao lado da mulher e dos filhos, pintou o corpo de urucum e jenipapo, colocou os ornamentos usados em celebrações especiais indígenas e se dirigiu à UnB para concluir uma das etapas mais importantes da sua vida.
Nascido na aldeia Xalapapühü, localizada a 7 km do antigo posto indígena Leonardo Villas Bôas (MT), em 1980, Makaulaka conta que o interesse pela escrita do “povo branco” começou na adolescência, quando teve contato com outros índios que sabiam ler e escrever em português. “Como não tinha papel nem lápis, recolhia pilhas velhas, tirava-lhes o toco preto e ia apontando para colocar na ponta de um pauzinho para ficar igual a um lápis”. Com esse instrumento, o indígena reproduzia em uma madeira as palavras que encontrava em embalagens usadas.
Aos 15 anos, soube de um curso de português que iria acontecer em um povoado. No entanto, como estava em período de reclusão, prática recorrente entre indígenas na adolescência, o pai o proibiu de ir à escola.
Foi aí que Makaulaka decidiu fugir da aldeia para ir atrás do sonho. Depois desse curso, ele retornou ao convívio da família. Então, com a anuência dos pais, frequentou a escola e ingressou na graduação em Ciências Sociais na Universidade Estadual do Mato Grosso.
“Lembrar essa história é viajar no tempo, recordar todo sofrimento, hoje superado, a humilhação que me fez aprender a ser humilde e respeitar os outros; aprender a lidar com atitudes ruins com bons argumentos. É o que me deu mais motivo de seguir em frente sempre com inteligência para não agredir as pessoas com minhas palavras grosseiras”, escreve Makaulaka na introdução do trabalho.
“Pensei em voltar para minha vida de tempos atrás, de viver a vida inteiramente de meu povo, viver isolado do mundo branco, mas não será mais possível, não posso desperdiçar tudo que conquistei na vida, apoio, confiança e respeito, que significa o reconhecimento por parte daqueles que conhecem quem sou eu”, completa Makaulaka, hoje professor em sua aldeia no Alto Xingu.
Muito muito comovente a historia de vida dele. Parabens pra ele, pra toda a familia e todos que o ajudaram a conquistar essa vitória.