Quatro professores da rede estadual estão afastados de suas funções de ensino, respondendo processo administrativo, pelo simples fato de que se colocaram junto à comunidade do sul da ilha, em Florianópolis, na defesa de uma escola capaz de abrigar alunos e professores com um mínimo de qualidade.
A história começa na Escola João Gonçalves Pinheiro, que fica no bairro Rio Tavares, desde há muitos anos sucateada e em precárias condições. Infiltrações, esgoto à céu aberto, estrutura desmoronando, falta de espaço para novos alunos e consequente falta de vagas. A situação gerou lutas na comunidade e o governo prometeu uma escola nova, que deveria ter sido concluída em 2010. Não foi. O prédio custou a subir e quando subiu veio com um problema adicional. A escola nova ficaria colada ao terminal de ônibus do Rio Tavares. É que quando o projeto foi criado ali não havia o terminal e ninguém poderia prever que as janelas das salas de aula ficariam voltadas para as plataformas. Os argumentos foram levantados, mas ninguém foi ouvido. Não houve mudança no projeto e a escola começou a ser erguida conforme o projeto original. Tudo bem, esse seria um problema para ser pensado no futuro.
Mas, as coisas começaram a demorar. A obra seguia lentamente e nada de terminar. Por outro lado, o velho colégio se deteriorava, a ponto de ser praticamente um perigo estar ali dentro. Pais, alunos e professores começaram a se mobilizar. Fizeram reuniões, manifestos, protestos, exigindo que o governo apressasse o andar das obras, visto que o tempo passava e nada de prédio novo. Passaram-se quatro ano anos e nada, No final de 2013, a movimentação voltou a crescer dentro da escola. Novas reuniões, assembleias, manifestos. Ou o governo terminava a escola ou as atividades na João Gonçalves Pinheiro iriam parar.
Quando o ano letivo de 2014 começou a nova escola não estava pronta. Mais uma vez os pais e reuniram e decidiram que não enviariam os filhos para a escola velha. Ou o governo entregava o prédio, ou teria que arcar com o ônus de impedir – por absoluta falta de condições – o ensino de mais de 600 crianças e adolescentes. Os professores da escola, que participaram de todo o processo, concordaram em acatar a decisão da comunidade que se fez representar maciçamente nas reuniões. E é aí nesse ponto que começa a ação autoritária do governo de Raimundo Colombo, bem como do Ministério Público.
Rebelião de pais e alunos
Com a decisão dos pais em não enviar os filhos para a escola o ano letivo não começou na Escola João Gonçalves Pinheiro, provocando a reação do governo. Mas, em vez de dar aos alunos e pais a segurança de um espaço capaz de viabilizar o ensino com qualidade, a Secretaria de Educação pediu a intervenção do Ministério Público. Esse, em vez de exigir do governo a escola – que já atrasava em quatro anos – ameaçou os pais. Caso não enviassem os filhos para a escola, seriam processados. Não bastasse isso, o governo estadual decidiu destituir a direção da escola, que compartilhava da decisão dos pais, e nomeou dois interventores.
Só esses fatos já seriam dignos de repúdio, uma vez que as famílias e os professores estavam querendo garantir o cumprimento da promessa feita pelo governo, bem como proteger os alunos. Mas as coisas ainda ficaram piores. Tão logo chegaram os interventores, eles decidiram por “cortar a cabeça” dos professores que seguiam denunciando o golpe dado na democracia escolar e comunitária. Assim, enquadraram quatro deles em um processo administrativo e proibiram os mesmos de darem aula até que o processo termine. “O que nós estávamos fazendo era dar consequência a uma decisão da comunidade. Não foi coisa da nossa cabeça. Os pais se reuniram várias vezes, discutiram muito. Teve assembleia com até 300 pais, foi muito representativo. Eles não queriam que os filhos seguissem em risco na escola velha. Essa decisão tinha de ser respeitada. Mas, o governo preferiu punir os professores que estavam apenas lutando por melhorias e por mais vagas. Um golpe na democracia”, argumenta o professor Eduardo Perondi, um dos processados. “Na verdade, eles quiseram desmobilizar as pessoas para que ninguém mais reclamasse do autoritarismo instalado ali”.
Só que, como sempre acontece, os poderosos negam, acusam, prendem, punem e, depois, acabam tendo de fazer exatamente aquilo que as pessoas em luta demandaram. E foi assim que, finalmente aconteceu a mudança para a nova escola, ainda que o prédio não esteja totalmente pronto. Por outro lado, seguem atuando os interventores e seguem processados os professores. A nova escola já apresenta suas debilidades. As salas de aula estão voltadas para o terminal de ônibus e os alunos enfrentam o barulho, a poluição e a falta de atenção. Eduardo acredita que esses problemas terão consequências no processo pedagógico, mas avalia que devem ser enfrentados no debate democrático, na parceria com os pais. A comunidade mostrou que está preocupada com o ensino dos filhos e é certo que continuarão a acompanhar. A escola nova, por si só, não garante o bom ensino. E, essa, em particular, tem sido um bom exemplo para mostrar como atua o poder instituído, como a comunidade não é respeitada nas suas decisões. De certa forma, é pedagógico.
Os professores, processados por lutarem pelo direitos dos alunos esperam que a comunidade esteja junto no acompanhamento do processo e que, igualmente, não aceite esse ato arbitrário e fora de propósito. Justamente no ano em que se lembra os 50 anos do início do tenebroso período do regime militar, marcado pelo autoritarismo, violência e completa falta de democracia, é quase um despropósito que esses educadores sejam afastados de suas atividades justamente por acompanharem uma decisão democrática dos pais dos alunos.
E essas são as histórias que se escondem atrás dos muros das escolas estaduais, sem que a imprensa comercial divulgue uma linha. Basta que a comunidade se levante em luta, que professores se aliem aos desejos de pais e alunos por uma escola digna, que lá vem o estado, aplastando tudo. A educação segue sendo um privilégio de poucos… Aos empobrecidos, sobram as migalhas, a violência, o autoritarismo e abafamento das ilusões.
Ouça a entrevista com o professor AQUI.