Por Raquel Rolnik
Na noite da última quarta-feira (21), a população do Recife foi surpreendida com a notícia, nas redes sociais, da demolição dos armazéns do Cais José Estelita, no centro da cidade. Esta área, de mais de 100 mil m², pertencia à Rede Ferroviária Federal e foi arrematada à União por um grupo de empresas em leilão realizado em 2008. O consórcio formado por Moura Dubeux, Queiroz Galvão e GL Empreendimentos pretende implementar um megaprojeto imobiliário na área, o chamado projeto Novo Recife, que prevê a construção de torres residenciais e comerciais, totalizando 14 prédios com cerca de 40 andares.
Por todos os seus impactos – sociais, ambientais, na paisagem e no patrimônio histórico e cultural –, o projeto tem sido alvo de críticas de grupos e organizações da sociedade civil contrários à sua implementação. Para se ter uma ideia, ainda correm na Justiça cinco ações judiciais contra o projeto.
Ao tomarem conhecimento da demolição, integrantes do grupo Direitos Urbanos ocuparam a área e lá estão acampados até agora. O primeiro a chegar ao local, o Sérgio, relatou no Facebook que sofreu agressões físicas por parte de seguranças das empresas e registrou queixa na delegacia. Isso mais parece coisa de senhor de engenho…
Ontem, moradores da comunidade do Coque, que fica bem próxima ao local e certamente será afetada pelos impactos do empreendimento, se somaram à ocupação. À tarde, a construtora Moura Dubeux divulgou nota na qual afirma que o processo de demolição tem como objetivo “iniciar as ações mitigadoras acordadas com os órgãos públicos” e que “obedece a todos os trâmites legais”. O Iphan, por sua vez, embargou a demolição, cobrando a apresentação de documentos que comprovem o atendimento a exigências feitas pelo órgão.
Os manifestantes divulgaram nota (veja abaixo) na qual reivindicam a suspensão imediata do alvará de demolição e a abertura de canal de diálogo paritário onde seja possível discutir o projeto. Além de exigir a abertura de uma discussão pública sobre o projeto, o grupo apresenta propostas para a área, como a “garantia da destinação de ao menos 30% do projeto para habitações populares; e a requalificação e revitalização do Cais Estelita orientada pelo uso misto do espaço, que atenda às diversas camadas sociais com seus equipamentos artísticos e culturais, em seus estabelecimentos comerciais e conjuntos de habitações.”
Para além das questões legais envolvidas neste e em outros tantos casos semelhantes Brasil afora, o que está acontecendo no Recife mostra mais uma vez como os moradores de nossas cidades estão cansados de transformações urbanísticas que ignoram solenemente a perspectiva dos cidadãos, suas relações históricas e afetivas com o lugar, suas propostas de transformação da cidade. Não há transparência, não há canais de diálogo, não há chance alguma de se discutir megaprojetos que afetam a paisagem e a vida de tanta gente.
A notícia da demolição na noite de ontem surpreendeu muitas pessoas. Mas, pensando bem, não estranha uma demolição na calada da noite quando absolutamente tudo acontece, também, às escuras. O que os ocupantes do Estelita – e muitos outros no Brasil – estão reivindicando é, simplesmente, que nossas cidades sejam planejadas e construídas às claras, com a participação ativa de todos.
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NOTA DOS OCUPANTES SOBRE O #OCUPEESTELITA
Nós, #ocupantes do Estelita, recebemos a feliz notícia de que o Iphan embargou a demolição das edificações do Cais José Estelita, executada pelas empresas do Consórcio Novo Recife desde a última madrugada.
Porém, o conhecimento de que se trata de ato provisório, com validade de cinco dias, somado ao testemunho da tamanha ausência de escrúpulos e incivilidade por parte das construtoras, fez com que decidíssemos conjuntamente que o #OcupeEstelita prosseguirá por tempo indeterminado. Em outras palavras, não desocuparemos o local até que as reivindicações da seguinte pauta sejam atendidas de forma satisfatória:
- Audiência pública para rediscussão do projeto para o espaço;
- Garantia da destinação de, ao menos, 30% do projeto para habitações populares;
- Requalificação e revitalização do Cais Estelita orientada pelo uso misto do espaço, que atenda às diversas camadas sociais com seus esquipamentos artísticos e culturais, em seus estabelecimentos comerciais e conjuntos de habitações.