Sem-Teto param SP. Mas o que querem?

MTSTCinco manifestações simultâneas reivindicam Direito à Cidade. Movimento soma-se a protestos contra Copa, mas tem pautas e formas de organização específicas e originais

Por Antonio Martins

A bandeira do Direito à Cidade – abraçada há alguns anos pelos coletivos da juventude politizada de classe média – está sendo erguida neste momento, em São Paulo, por aqueles que a reivindicam há muito. Milhares de famílias de sem-teto paralisaram em manifestações, a partir das 9 horas da manhã, cinco das grandes artérias viárias da cidade: entre elas as marginais dos rios Tietê e Pinheiros e a Radial Leste. Os bloqueios são iniciativa do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST)

As marchas são parte dos protestos contra as condições em que está organizada a Copa do Mundo de futebol. À tarde, haverá atos em dezenas de cidades brasileiras. Mas pelo menos duas características chamam atenção especial, na luta articulada pelo MTST. A primeira é a capacidade de despertar, para a ação política, quem é normalmente visto como um incômodo urbano ou, no máximo, um voto na urna a cada quatro anos.

Cerca de trinta mil pessoas – “quase todos pretos, ou quase pretos, de tão pobres” – ocuparam, a partir de novembro de 2013, um terreno abandonado à especulação nas proximidades da Represa de Guarapiranga, periferia sul da metrópole. Deram ao local o nome de Nova Palestina. Organizam-se em grupos de trabalho coletivo, que assumem responsabilidade pela alimentação, infra-estrutura (água e luz elétrica), limpeza e segurança. Reúnem-se em assembleias periódicas. [Leia reportagem de Isabel Harari e Roberto Oliveira]. Adotaram a mesma fórmula, há semanas, ao ocupar outro terreno vazio, agora em Itaquera, a cerca de quatro quilômetros do estádio em que será aberta a Copa.

Esta organização deu-lhes iniciativa política. Em 29 de abril, centenas deles manifestaram-se diante da Câmara Municipal, para exigir que o novo Plano Diretor da cidade previsse a criação de Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) destinadas à habitação popular, além de outros dispositivos com mesmo sentido. Foram vitoriosos: um dia depois, o Legislativo aprovava a medida, em primeira votação (o segundo voto ocorrerá até o final de maio).

Possuir pautas específicas é, precisamente, o segundo traço que distingue o MTST. Ao paralisarem a cidade hoje, os sem-teto apoiam as ações dos Comitês Populares da Copa, mas fazem três reivindicações práticas, precisas e com grande potencial de repercutir na cidade. Reivindicam o controle do preço dos aluguéis, cuja alta desgovernada atinge tanto os pobres como a classe média. Exigem o fim dos despejos forçados da população a pretexto de obras públicas. Apontam, inclusive, o meio concreto de fazê-lo: criando, na Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal, uma Comissão de Acompanhamento que aponte e paralise tais abusos.

Por fim, propõem três mudanças que, se adotadas, transformarão o programa Minha Casa, Minha Vida, eliminando seus aspectos associados à exclusão urbana e à especulação imobiliária. Querem melhor localização dos conjuntos habitacionais (normalmente relegados às periferias remotas); mais qualidade dos imóveis; melhores condições para que sejam construídos por cooperativas habitacionais, ao invés das empreiteiras privadas.

Interessada em desgastar o governo federal, a mídia tem inflado as manifestações contra a Copa. Mas tenta esvaziar o sentido profundo das lutas dos sem-teto. Demoniza-os, quando exigem o Direito à Cidade. As manchetes têm dito, frequentemente, que São Paulo “sofre” uma “onda de invasões” de imóveis. Em “Veja”, o blogueiro Ricardo Azevedo chegou a escrever que “Fernando Haddad agora é refém dos sem-teto”, quando o prefeito reuniu-se com o movimento e prometeu atender suas reivindicações.

Em outros momentos, como hoje, a tática é espetacularizar os sem-teto: fotografar suas manifestações, mas omitir sua pauta potente em favor do Direito à Cidade. Por isso, vale resgatá-la e difundi-la.

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