Amazônia sob ataque: além dos mega projetos, a economia verde e os REDDs, sob as bênçãos da USAID

Índios guerreiros da tribo Munduruku navegam pelo rio das Tropas, um dos afluente dos rios Tapajós e Amazonas, em busca de minas de ouro e mineiros ilegais em seu território. Ao invés de esperar por uma decisão judicial para iniciar o processo que tiraria mineiros das terras indígenas, a tribo decidiu resolver o assunto por si só e expulsou os garimpeiros Lunae Parracho/Reuters
Índios guerreiros da tribo Munduruku navegam pelo rio das Tropas, um dos afluente dos rios Tapajós e Amazonas, em busca de minas de ouro e mineiros ilegais em seu território. Foto: Lunae Parracho/Reuters

“Respeitar o modo de vida dos povos das Florestas não significa preservá-los como se fossem itens de um museu vivo. Respeitar estes povos é antes de tudo reconhecer que não se tratam de Florestas tropicais habitadas por um número “x” de pobres, e sim, se tratam de Territórios construídos, habitados, significados por uma diversidade enorme de povos. Diversidade que é também destes Territórios, porque não são uma área homogeneamente verde como mostram os mapas de monitoramento”.

Por Núbia Vieira, para Combate Racismo Ambiental

A Amazônia é alvo de inúmeras interpretações. Existem diversos grupos, instituições e corporações pensando vias para a sua existência. Nessas leituras, os povos, a floresta e os rios são constantemente (in) significados conforme o interesse contextual.

Se, por um lado, o PAC e as grandes obras de estrutura, desde os anos 70 vêm invadindo e retalhando os Territórios dos povos que aqui viviam e vivem, por outro, há “projetos” que vão a caminho de enxergar o modo de vida desses povos e à preservação da Natureza.

Para cada ambiguidade imposta à Amazônia, poderá existir uma prática resposta, acompanhada de grandes especialistas, financiamento internacional e expectativas de bons rendimentos financeiros e geopolíticos no futuro.

E desta forma, as duas grandes respostas que se apresentam, ao mesmo tempo em que parecem ambíguas, possuem em sua raiz, os mesmo financiadores e organicidade intelectual. Se, a mais aparente resposta do governo para o desenvolvimento da Amazônia tem sido as grandes obras, e cita-se, sobretudo as Hidroelétricas (Belo Monte – Rio Xingu, Jirau e Santo Antônio – Rio Madeira, Complexo Tapajós – Rios Tapajós) por outro, a proposta que confronta ou converge a esta agenda é a da Economia verde.

Nos argumentos utilizados pelos defensores e promotores da Economia Verde a alternativa à devastação da natureza é exatamente inseri-la na cadeia de mercado,lhe empregando significado financeiro global. Para esses grupos que atuam na lógica da Economia Verde, não há outra forma para “salvar” as florestas se não, a sua financeirização.  Umas das formas para isso tem sido o expoente mercado de carbono, tão sonhado pelo capital financeiro e, sobretudo pelos Estados Unidos. Defendido e exaltado na Rio +20 como uma fonte “sustentável” de recurso para a boa governança das Florestas tropicais é abraçado também por ONGs sócio – ambientalistas financiadas, entre outras fontes, por capital privado e pela Agência dos Estados Unidos de Desenvolvimento Internacional – USAID.

O tema das Mudanças Climáticas que é insurgente do desenvolvimento econômico adotado pelo mundo ocidental, tem sido alvo de constante busca por soluções tanto por sociedade civil, quanto por governos, empresas e os grandes blocos econômicos. No entanto, as soluções buscadas se restringem à matriz da idealização capitalista. Ou seja, ao invés da notável mudança no clima gerar a reflexão sobre a raiz do problema, que é a forma de desenvolvimento, as repostas ao problema são sim, encaixadas na estrutura do desenvolvimento capitalista. E é desta forma que a compensação por redução nas emissões de carbono ou a compensação pelas emissões evitadas foram laboriosamente proposta e têm alçado êxito em resposta às mudanças climáticas.

Sabe-se que as Florestas Tropicais encontram-se nos países mais pobres, e sabe-se também que estas florestas, as mais conservadas, são na verdade Territórios de povos e comunidades tradicionais. Não há natureza que seja “intocada”, os povos latino-americanos, por exemplo, desenvolveram em sua concepção, estreita relação com a natureza gerando até os dias atuais focos de resistência e de desenvolvimento local.Pois bem, são exatamente estas as áreas miradas pela economia verde, através de Programas de Pagamento por Serviço Ambiental – PSA e REDD – Redução das emissões por desmatamento e degradação florestal. O argumento é de desenvolvimento econômico aliado à preservação da Floresta e do modo de vida de seus habitantes. E ainda, costumam argumentar que 90% dos cerca de 1,2 bilhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza dependem dos recursos florestais para sobreviverem, portanto o mercado de carbono não só pode ser uma alternativa à contenção de desmatamento e assim a redução de emissões, mas também mostra-se como ótima alternativa de melhoria da qualidade de vida desses bilhões de pobres.

Índios da tribo Munduruku cercam um mineiro ilegal que foi detido pelo grupo de guerreiros na busca de minas de ouro ilegais na Amazônia, Lunae Parracho, Reuters
Índios Munduruku cercam um mineiro ilegal detido pelo grupo de guerreiros na busca de minas de ouro ilegais na Amazônia. Foto: Lunae Parracho, Reuters

Neste sentido vale o questionamento do que é pobreza, o que é viver abaixo da linha de pobreza e a quem se aplicam estas avaliações. Classificar as populações das florestas como “abaixo da linha de pobreza” pode ser bastante generalista e etnocentrista. Do ponto de vista de que essas populações que possuem outra forma de relacionar com a natureza têm como reflexo, formas distintas de desenvolvimento que na maioria das vezes não possuem critérios semelhantes à economia de mercado e, portanto não podem ser classificadas de mesmo modo e genericamente dentro da classificação da economia de mercado.

Outra questão: ao mencionar a relação dos povos com a Floresta, apesar do discurso de que tratam – se de populações detentoras dos saberes associados à conservação, manejo e uso da biodiversidade, implicam à elas a condição de passividade no que se refere ao destino e significado global de seus Territórios.

Em 2010 o governo do estado do Acre assinou o acordo Califórnia – Chiapas – Acre. O acordo envolve iniciativas de REDD gerando créditos de carbono que os governos do Acre e de Chiapas – México deverão vende-los à Califórnia e possivelmente a empresas interessadas. Ou seja, o Acre e Chiapas desenvolvem ações de redução de desmatamento e queimadas, por exemplo, isso gera créditos de carbono. A Califórnia, que através de seu complexo de indústrias e modo de vida de seus habitantes, emite gases que provocam o efeito estufa acima da média poderá continuar emitindo esses gases compensando financeiramente regiões da América Latina. E assim, as consequências da poluição exagerada na Califórnia continua a provocar vítimas locais, seja pelo alto índice de câncer ou pelo alto índice de abortos espontâneos registrados naquele estado americano.

Já no Acre e em Chiapas as medidas dos governos serão de impor o “desenvolvimento sustentável” que poderá culminar na limitação dos modos de produzir e viver das populações locais. No Acre, por exemplo, foi instituído o programa Fogo Zero provavelmente uma iniciativa que casa com o propósito de redução de emissão de CO2. Mesmo sabendo que as populações tradicionais locais que vivem na floresta e da floresta utilizam historicamente o fogo como forma de preparo de suas roças. A alternativa foi a inserção das famílias em programa de transferência de renda.

E neste ponto o manejo tradicional das populações locais que é antes utilizado como marketing para vender a ideia de comercialização de carbono, posteriormente é limitado em nome da redução de emissões de gases. Ou seja, o modo de vida tradicional, aquele tão referendado como responsável pela conservação das florestas tropicais passa a ser substituído por programas de transferência de renda que não atendem às necessidades reais das famílias, podendo provocar cortes culturais e de identidade, já que a forma de produzir e o que se colhe da terra são geradores de identidade e transmissibilidade cultural. E ainda, geram dependência de produtos externos, cujo valor da renda não atenderá plenamente estas novas necessidades.

Trata-se, portanto, de uma incorporação dessas populações tradicionais à economia de mercado, em que elas, tratadas e vistas como “pobres” são exploradas no seu patrimônio maior que são seu meio e modo de vida. E se antes estas populações alçavam certa independência em relação à economia de mercado, uma vez queserá exatamente a sua essência e capacidade de ser independente o item comercial, passarão por um processo de “marginalização interno”. Não será apenas nas periferias das cidades, onde a economia de mercado é quem dá as cartas, que estas populações da Floresta serão marginalizadas, mas sim na própria Floresta, onde a economia verde as vê como fantoches culturais e a natureza que as rodeia um interessante negócio para a acumulação de capital e geração de um capital fictício pronto para alimentar a especulação no mercado internacional.

Índios acendem uma fogueira no local de uma mina ilegal de ouro que foi encontrada durante a busca por mineiros ilegais perto do rio das Tropas, um dos principais afluentes dos rios Tapajós e Amazonas. Lunae Parracho, Reuters
Índios acendem uma fogueira no local de uma mina ilegal de ouro que foi encontrada durante a busca no rio das Tropas, um dos principais afluentes dos rios Tapajós e Amazonas. Foto: Lunae Parracho, Reuters

A USAID – United States Agency for International Development, Agência dos Estados Unidos para desenvolvimento internacional, é hoje um dos maiores financiadores de ONGs promotoras da economia verde na Amazônia. É grande interessada na implantação de REDD no Brasil e também financia trabalhos com focos socioambientais que identificam e valorizam os manejos tradicionais da Floresta pelas populações locais (indígenas, extrativistas). Ela também é corresponsável por um sistema de monitoramento das Florestas Tropicais do Mundo, trata-se da ferramenta: Global Forest Watch, um mapa que monitora o estado de preservação das Florestas Tropicais, resultado de uma parceria entre USAID, empresas transnacionais, ONGs, governos e a empresa Google. Para isso alegam a importância deste sistema de monitoramento, já que são milhões de pessoas pobres que dependem das florestas para sua sobrevivência e subsistência, assinalam ainda que dentro deste montante, 60 milhões são de populações indígenas. Estão com isso: “contribuindo na proteção das Florestas e salvaguardando o lar desses milhões de pobres”.

No dia 1° de maio de 2013, dia internacional do Trabalhador, o Presidente Evo Morales sob a menção de “nacionalização da dignidade do povo Boliviano” expulsou a USAID de seu país como uma forma de rechaçar o intervencionismo norte americano na política interna da Bolívia. O intervencionismo alegado por Evo Morales ocorreu, sobretudo, através do financiamento e envolvimento da USAID em ONGs que impulsionavam ações de desmobilização do governo Evo.

Também em 2013 a USAID se retirou do Equador, depois que o governo deixou de renovar novos acordos e as atividades desenvolvidas pela agência através das ONGs apoiadas eram “preocupantes” na visão do governo.

Em documento revelado pelo site WikeLeakes, é exposto os planos da USAID para acabar com o chavismo. A estratégia estava também em infiltrar no trabalho com a base do governo e dividir os chavistas.

A USAID é apontada como mentora de programas de esterilização em massa nos anos de 1980 e 1990 em países da América Latina, tais como Peru e Brasil. Voltado como alternativa à redução da pobreza, no Brasil foram milhares de mulheres esterilizadas, a maioria, negras e pobres. No Peru a esterilização em massa em regiões mais pobres deflagrou redução demográfica e queda na economia interna.

A intervenção e interesse da USAID na questão ambiental Brasileira/Amazônica não é segredo e nem tabu. E ainda que governos e ONGs financiadas por esta agência aleguem autonomia na gestão e execução dos recursos, não se pode negar que a agenda estabelecida para a questão ambiental do Brasil/da Amazônia é bastante alinhada e harmoniosa à linha de desenvolvimento internacional referente a Meio Ambiente e Mudança Global do Clima estabelecido pela Agência Norte Americana e grandes grupos financeiros representados também pelos Bancos internacionais.

Índios guerreiros da tribo Munduruku procuram minas de ouro e mineiros ilegais em seu território, perto do rio das Tropas, um dos principais afluentes dos rios Tapajós e Amazonas. A tribo viu suas terras serem invadidas por garimpeiros em busca de ouro e resolveu tentou expulsá-los do local. Lunae Parracho, Reuters
Guerreiros Munduruku viram suas terras serem invadidas por garimpeiros em busca de ouro e resolveram expulsá-los do local. Foto: Lunae Parracho, Reuters

A ideologia da Economia Verde tem gerado uma forte concepção, abrigada por agências do governo brasileiro e ONGs, de caminho irrefutável à gestão e proteção das áreas protegidas da Amazônia. Como que se ao falar de gestão e proteção de áreas não houvesse outro caminho a propor, se não o que seja alinhado ao da Economia Verde. A velha máxima de “usá-la para não perdê-la” ou lhe conceder significado econômico global para resguardar a sua sobrevivência tal qual é.

Respeitar o modo de vida dos povos das Florestas não significa preservá-los como se fossem itens de um museu vivo. Respeitar estes povos é antes de tudo reconhecer que não se tratam de Florestas tropicais habitadas por um número “x” de pobres, e sim, se tratam de Territórios construídos, habitados, significados por uma diversidade enorme de povos. Diversidade que é também destes Territórios, porque não são uma área homogeneamente verde como mostram os mapas de monitoramento.

Inserir os saberes acumulados pelos povos da Amazônia e seus Territórios na Economia de mercado não pode ser visto como o caminho para a garantia de sua sobrevivência. Estes povos conquistaram direitos, inclusive ao Território e seu uso pleno, e são esses direitos que precisam ser resguardados. Além disso, o desenvolvimento local deve partir das comunidades com políticas públicas que o apoie e a garantia dos direitos essenciais – de saúde e educação por exemplo. Os saberes acumulados devem ser perpetuados através da sua prática cotidiana e transmissibilidade a novas gerações e não impossibilitada a sua prática e por isso em contrapartida, registrados e eternizados em publicações que na maioria das vezes sequer se voltam a estes povos. A economia  tradicional não tem seu cerne na oportunidade do consumo, como a economia de mercado.

O que ensinam esta gente é que o que querem é ter seus direitos assegurados, assistência à saúde de qualidade ali onde vivem, educação de qualidade em todos os níveis, acesso à cidade e aos mercados locais para a comercialização de seus produtos e direito pleno sobre o usufruto de seu Território. Nada que já não esteja assegurado por leis e que nem sempre acontece.

A voz da Amazônia não é branca, não fala inglês, não domina monitoramentos de satélite e nem termos como “desenvolvimento sustentável”. A voz da Amazônia é composta por inúmeras vozes, com diversas línguas, jeitos e sabedorias. E é esta a voz que precisa ser ouvida no que diz respeito aos Territórios que habitam e dão vida.

Leia também, de Núbia Vieira:

Impressões de uma revisita à Volta Grande do Xingu, onde se instalou um Belo (?) Monstro, em Altamira

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.