“Respeitar o modo de vida dos povos das Florestas não significa preservá-los como se fossem itens de um museu vivo. Respeitar estes povos é antes de tudo reconhecer que não se tratam de Florestas tropicais habitadas por um número “x” de pobres, e sim, se tratam de Territórios construídos, habitados, significados por uma diversidade enorme de povos. Diversidade que é também destes Territórios, porque não são uma área homogeneamente verde como mostram os mapas de monitoramento”.
Por Núbia Vieira, para Combate Racismo Ambiental
A Amazônia é alvo de inúmeras interpretações. Existem diversos grupos, instituições e corporações pensando vias para a sua existência. Nessas leituras, os povos, a floresta e os rios são constantemente (in) significados conforme o interesse contextual.
Se, por um lado, o PAC e as grandes obras de estrutura, desde os anos 70 vêm invadindo e retalhando os Territórios dos povos que aqui viviam e vivem, por outro, há “projetos” que vão a caminho de enxergar o modo de vida desses povos e à preservação da Natureza.
Para cada ambiguidade imposta à Amazônia, poderá existir uma prática resposta, acompanhada de grandes especialistas, financiamento internacional e expectativas de bons rendimentos financeiros e geopolíticos no futuro.
E desta forma, as duas grandes respostas que se apresentam, ao mesmo tempo em que parecem ambíguas, possuem em sua raiz, os mesmo financiadores e organicidade intelectual. Se, a mais aparente resposta do governo para o desenvolvimento da Amazônia tem sido as grandes obras, e cita-se, sobretudo as Hidroelétricas (Belo Monte – Rio Xingu, Jirau e Santo Antônio – Rio Madeira, Complexo Tapajós – Rios Tapajós) por outro, a proposta que confronta ou converge a esta agenda é a da Economia verde.
Nos argumentos utilizados pelos defensores e promotores da Economia Verde a alternativa à devastação da natureza é exatamente inseri-la na cadeia de mercado,lhe empregando significado financeiro global. Para esses grupos que atuam na lógica da Economia Verde, não há outra forma para “salvar” as florestas se não, a sua financeirização. Umas das formas para isso tem sido o expoente mercado de carbono, tão sonhado pelo capital financeiro e, sobretudo pelos Estados Unidos. Defendido e exaltado na Rio +20 como uma fonte “sustentável” de recurso para a boa governança das Florestas tropicais é abraçado também por ONGs sócio – ambientalistas financiadas, entre outras fontes, por capital privado e pela Agência dos Estados Unidos de Desenvolvimento Internacional – USAID.
O tema das Mudanças Climáticas que é insurgente do desenvolvimento econômico adotado pelo mundo ocidental, tem sido alvo de constante busca por soluções tanto por sociedade civil, quanto por governos, empresas e os grandes blocos econômicos. No entanto, as soluções buscadas se restringem à matriz da idealização capitalista. Ou seja, ao invés da notável mudança no clima gerar a reflexão sobre a raiz do problema, que é a forma de desenvolvimento, as repostas ao problema são sim, encaixadas na estrutura do desenvolvimento capitalista. E é desta forma que a compensação por redução nas emissões de carbono ou a compensação pelas emissões evitadas foram laboriosamente proposta e têm alçado êxito em resposta às mudanças climáticas.
Sabe-se que as Florestas Tropicais encontram-se nos países mais pobres, e sabe-se também que estas florestas, as mais conservadas, são na verdade Territórios de povos e comunidades tradicionais. Não há natureza que seja “intocada”, os povos latino-americanos, por exemplo, desenvolveram em sua concepção, estreita relação com a natureza gerando até os dias atuais focos de resistência e de desenvolvimento local.Pois bem, são exatamente estas as áreas miradas pela economia verde, através de Programas de Pagamento por Serviço Ambiental – PSA e REDD – Redução das emissões por desmatamento e degradação florestal. O argumento é de desenvolvimento econômico aliado à preservação da Floresta e do modo de vida de seus habitantes. E ainda, costumam argumentar que 90% dos cerca de 1,2 bilhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza dependem dos recursos florestais para sobreviverem, portanto o mercado de carbono não só pode ser uma alternativa à contenção de desmatamento e assim a redução de emissões, mas também mostra-se como ótima alternativa de melhoria da qualidade de vida desses bilhões de pobres.
Neste sentido vale o questionamento do que é pobreza, o que é viver abaixo da linha de pobreza e a quem se aplicam estas avaliações. Classificar as populações das florestas como “abaixo da linha de pobreza” pode ser bastante generalista e etnocentrista. Do ponto de vista de que essas populações que possuem outra forma de relacionar com a natureza têm como reflexo, formas distintas de desenvolvimento que na maioria das vezes não possuem critérios semelhantes à economia de mercado e, portanto não podem ser classificadas de mesmo modo e genericamente dentro da classificação da economia de mercado.
Outra questão: ao mencionar a relação dos povos com a Floresta, apesar do discurso de que tratam – se de populações detentoras dos saberes associados à conservação, manejo e uso da biodiversidade, implicam à elas a condição de passividade no que se refere ao destino e significado global de seus Territórios.
Em 2010 o governo do estado do Acre assinou o acordo Califórnia – Chiapas – Acre. O acordo envolve iniciativas de REDD gerando créditos de carbono que os governos do Acre e de Chiapas – México deverão vende-los à Califórnia e possivelmente a empresas interessadas. Ou seja, o Acre e Chiapas desenvolvem ações de redução de desmatamento e queimadas, por exemplo, isso gera créditos de carbono. A Califórnia, que através de seu complexo de indústrias e modo de vida de seus habitantes, emite gases que provocam o efeito estufa acima da média poderá continuar emitindo esses gases compensando financeiramente regiões da América Latina. E assim, as consequências da poluição exagerada na Califórnia continua a provocar vítimas locais, seja pelo alto índice de câncer ou pelo alto índice de abortos espontâneos registrados naquele estado americano.
Já no Acre e em Chiapas as medidas dos governos serão de impor o “desenvolvimento sustentável” que poderá culminar na limitação dos modos de produzir e viver das populações locais. No Acre, por exemplo, foi instituído o programa Fogo Zero provavelmente uma iniciativa que casa com o propósito de redução de emissão de CO2. Mesmo sabendo que as populações tradicionais locais que vivem na floresta e da floresta utilizam historicamente o fogo como forma de preparo de suas roças. A alternativa foi a inserção das famílias em programa de transferência de renda.
E neste ponto o manejo tradicional das populações locais que é antes utilizado como marketing para vender a ideia de comercialização de carbono, posteriormente é limitado em nome da redução de emissões de gases. Ou seja, o modo de vida tradicional, aquele tão referendado como responsável pela conservação das florestas tropicais passa a ser substituído por programas de transferência de renda que não atendem às necessidades reais das famílias, podendo provocar cortes culturais e de identidade, já que a forma de produzir e o que se colhe da terra são geradores de identidade e transmissibilidade cultural. E ainda, geram dependência de produtos externos, cujo valor da renda não atenderá plenamente estas novas necessidades.
Trata-se, portanto, de uma incorporação dessas populações tradicionais à economia de mercado, em que elas, tratadas e vistas como “pobres” são exploradas no seu patrimônio maior que são seu meio e modo de vida. E se antes estas populações alçavam certa independência em relação à economia de mercado, uma vez queserá exatamente a sua essência e capacidade de ser independente o item comercial, passarão por um processo de “marginalização interno”. Não será apenas nas periferias das cidades, onde a economia de mercado é quem dá as cartas, que estas populações da Floresta serão marginalizadas, mas sim na própria Floresta, onde a economia verde as vê como fantoches culturais e a natureza que as rodeia um interessante negócio para a acumulação de capital e geração de um capital fictício pronto para alimentar a especulação no mercado internacional.
A USAID – United States Agency for International Development, Agência dos Estados Unidos para desenvolvimento internacional, é hoje um dos maiores financiadores de ONGs promotoras da economia verde na Amazônia. É grande interessada na implantação de REDD no Brasil e também financia trabalhos com focos socioambientais que identificam e valorizam os manejos tradicionais da Floresta pelas populações locais (indígenas, extrativistas). Ela também é corresponsável por um sistema de monitoramento das Florestas Tropicais do Mundo, trata-se da ferramenta: Global Forest Watch, um mapa que monitora o estado de preservação das Florestas Tropicais, resultado de uma parceria entre USAID, empresas transnacionais, ONGs, governos e a empresa Google. Para isso alegam a importância deste sistema de monitoramento, já que são milhões de pessoas pobres que dependem das florestas para sua sobrevivência e subsistência, assinalam ainda que dentro deste montante, 60 milhões são de populações indígenas. Estão com isso: “contribuindo na proteção das Florestas e salvaguardando o lar desses milhões de pobres”.
No dia 1° de maio de 2013, dia internacional do Trabalhador, o Presidente Evo Morales sob a menção de “nacionalização da dignidade do povo Boliviano” expulsou a USAID de seu país como uma forma de rechaçar o intervencionismo norte americano na política interna da Bolívia. O intervencionismo alegado por Evo Morales ocorreu, sobretudo, através do financiamento e envolvimento da USAID em ONGs que impulsionavam ações de desmobilização do governo Evo.
Também em 2013 a USAID se retirou do Equador, depois que o governo deixou de renovar novos acordos e as atividades desenvolvidas pela agência através das ONGs apoiadas eram “preocupantes” na visão do governo.
Em documento revelado pelo site WikeLeakes, é exposto os planos da USAID para acabar com o chavismo. A estratégia estava também em infiltrar no trabalho com a base do governo e dividir os chavistas.
A USAID é apontada como mentora de programas de esterilização em massa nos anos de 1980 e 1990 em países da América Latina, tais como Peru e Brasil. Voltado como alternativa à redução da pobreza, no Brasil foram milhares de mulheres esterilizadas, a maioria, negras e pobres. No Peru a esterilização em massa em regiões mais pobres deflagrou redução demográfica e queda na economia interna.
A intervenção e interesse da USAID na questão ambiental Brasileira/Amazônica não é segredo e nem tabu. E ainda que governos e ONGs financiadas por esta agência aleguem autonomia na gestão e execução dos recursos, não se pode negar que a agenda estabelecida para a questão ambiental do Brasil/da Amazônia é bastante alinhada e harmoniosa à linha de desenvolvimento internacional referente a Meio Ambiente e Mudança Global do Clima estabelecido pela Agência Norte Americana e grandes grupos financeiros representados também pelos Bancos internacionais.
A ideologia da Economia Verde tem gerado uma forte concepção, abrigada por agências do governo brasileiro e ONGs, de caminho irrefutável à gestão e proteção das áreas protegidas da Amazônia. Como que se ao falar de gestão e proteção de áreas não houvesse outro caminho a propor, se não o que seja alinhado ao da Economia Verde. A velha máxima de “usá-la para não perdê-la” ou lhe conceder significado econômico global para resguardar a sua sobrevivência tal qual é.
Respeitar o modo de vida dos povos das Florestas não significa preservá-los como se fossem itens de um museu vivo. Respeitar estes povos é antes de tudo reconhecer que não se tratam de Florestas tropicais habitadas por um número “x” de pobres, e sim, se tratam de Territórios construídos, habitados, significados por uma diversidade enorme de povos. Diversidade que é também destes Territórios, porque não são uma área homogeneamente verde como mostram os mapas de monitoramento.
Inserir os saberes acumulados pelos povos da Amazônia e seus Territórios na Economia de mercado não pode ser visto como o caminho para a garantia de sua sobrevivência. Estes povos conquistaram direitos, inclusive ao Território e seu uso pleno, e são esses direitos que precisam ser resguardados. Além disso, o desenvolvimento local deve partir das comunidades com políticas públicas que o apoie e a garantia dos direitos essenciais – de saúde e educação por exemplo. Os saberes acumulados devem ser perpetuados através da sua prática cotidiana e transmissibilidade a novas gerações e não impossibilitada a sua prática e por isso em contrapartida, registrados e eternizados em publicações que na maioria das vezes sequer se voltam a estes povos. A economia tradicional não tem seu cerne na oportunidade do consumo, como a economia de mercado.
O que ensinam esta gente é que o que querem é ter seus direitos assegurados, assistência à saúde de qualidade ali onde vivem, educação de qualidade em todos os níveis, acesso à cidade e aos mercados locais para a comercialização de seus produtos e direito pleno sobre o usufruto de seu Território. Nada que já não esteja assegurado por leis e que nem sempre acontece.
A voz da Amazônia não é branca, não fala inglês, não domina monitoramentos de satélite e nem termos como “desenvolvimento sustentável”. A voz da Amazônia é composta por inúmeras vozes, com diversas línguas, jeitos e sabedorias. E é esta a voz que precisa ser ouvida no que diz respeito aos Territórios que habitam e dão vida.
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