Elaíze Farias, Amazônia Real
A Defensoria Pública da União (DPU) vai entrar nesta segunda-feira (14) com um novo pedido de habeas corpus, desta vez no Superior Tribunal de Justiça (STJ), para soltar os cinco indígenas da etnia tenharim presos há mais de dois meses em Rondônia.
O habeas corpus será impetrado pelo defensor público federal de 1ª Categoria, Elzano Brum, que atua junto aos Tribunais Superiores, em Brasília. Segundo informações da assessoria de imprensa da DPU no Amazonas, o novo pedido para soltar os cinco índios não trará prejuízo do julgamento de mérito pelo Tribunal Regional Federal (TRF) do habeas corpus impetrado anteriormente. O primeiro habeas corpus foi negado pelo desembargador Hilton Queiroz.
No último dia 28 de março, a Justiça Federal do Amazonas converteu a prisão temporária em prisão preventiva, medida que pode manter os indígenas até o julgamento, caso o Ministério Público Federal ofereça denúncia.
Os indígenas Domiceno Tenharim, Gilson Tenharim, Gilvan Tenharim, Valdinar Tenharim e Simeão Tenharim cumprem prisões no Centro de Ressocialização do Vale do Guaporé, na zona rural de Porto Velho, desde o dia 30 de janeiro.
Os cinco indígenas são acusados pela Polícia Federal de homicídio, sequestro e ocultação de cadáver de Stef Pinheiro, Luciano Freire e Aldeney Salvador. Os três homens desapareceram em dezembro passado e, após buscas que duraram mais de um mês, seus corpos foram encontrados em área próxima da Terra Indígena Tenharim-Marmelos, no sul do Estado do Amazonas. O desaparecimento causou uma onda de revolta da população de Humaitá contra os indígenas. A revolta estendeu-se coletivamente à toda etnia tenharim.
Em entrevista exclusiva à agência Amazônia Real, Elzano Brum, que responde pelo 3º Ofício Regional Criminal, disse que o pedido de habeas corpus não trará elementos novos em relação ao primeiro já impetrado pela DPU no Amazonas, mas que o cerne será “o direito de qualquer cidadão, preferencialmente, responder o processo em liberdade”. Leia a seguir a entrevista de Elzano Brum:
O habeas corpus impetrado no STJ vai acrescentar novos elementos?
Essencialmente, não. O cerne do pedido, o direito de qualquer cidadão, preferencialmente, responder ao processo em liberdade, evitando a antecipação da pena, a presunção da culpa, o dano irreparável de se cumprir uma pena se indevida. Enfim, estas questões já levantadas continuam as mesmas. O que acontece agora é levar tais indagações a uma Corte mais elevada para uma nova apreciação.
O senhor tem informações sobre a cultura e a história dos índios tenharim?
Tenho as informações dos autos, de algumas entidades, dos colegas defensores no Amazonas, o que é muito importante, porque mais próximos e, da cobertura jornalística sobre os acontecimentos. Por outro lado, em outras atividades da vida, interagi com índios em Santa Catarina e no Amapá. Receio que haja uma similitude quanto aos dramas sociais destes e seus vizinhos, talvez se expressando mais agudamente nessa região do Amazonas.
De que forma esse conhecimento ajuda na elaboração do novo habeas corpus?
Sinceramente o pedido num habeas corpus é estreitíssimo. No caso, simplesmente, de o paciente responder em liberdade ou, então, cerceado da maneira menos gravosa que o sistema fechado, até ser julgado. Uma apreciação profunda do mérito, com esses elementos internos, precisará ocorrer no curso e julgamento da ação, se esta for proposta e contra quem, o que ainda não é consabido.
Tendo em vista se tratar de indígenas, o senhor vai recorrer a subsídios antropológicos?
Seguindo a resposta anterior, sim, mas não é a essência para este pedido. Inclusive, os colegas da DPU Amazonas que redigiram o pedido inicial (por enquanto, negado pelo Tribunal Regional), tomaram o cuidado de abordar e juntar parecer e informações nesse sentido, que serão repetidos no pedido de apreciação pelo STJ, até mesmo porque existem previsões legais específicas (indígenas), como o fato de tramitar na Justiça Federal e não Estadual, e do Estatuto do Índio (em especial, o artigo 56, já invocado pelos colegas do Amazonas). Mas para o habes corpus (um incidente no processo), tenho que estes aspectos apenas tangenciam o pedido; em outros momentos processuais, serão mais determinantes. E sempre bom esclarecer: todos os demais atos processuais continuarão a se desenvolver na primeira instância da Justiça Federal no Amazonas.
Qual o principal fato que move o novo pedido de habeas corpus?
O pedido é movido por um valor universal: qualquer cidadão deve responder em liberdade até ser julgado, salvo exceções muito estreitas. Isso para se evitar a condenação prévia, sem processo, uma privação que não se tem como devolver. Se a pessoa for absolvida ou até mesmo, numa consequência da avaliação do artigo 56 do Estatuto do Índio, sofrer uma mitigação da pena ou da culpabilidade. A Autoridade Primária entendeu que as circunstâncias da privação de liberdade estão presentes e são necessárias e isso tem que ser respeitado. Todavia, pode e deve ser contestado pela Defesa, quando esta entender que estas circunstâncias não são tão consistentes ou necessárias como expressadas.
Que avaliação o senhor faz da prisão dos indígenas?
Essa prisão sumária, num caso de repercussão, acaba sendo exibida simbolicamente como a punição propriamente dita, como satisfativa para a compreensível dor e revolta das vítimas. Mas não é assim. Escolhemos usufruirmos de algumas garantias quando somos processados pelo Estado, desde uma multa até situações mais graves como esta. Então precisamos aceitar que a pena vem no final do processo e isso tem que valer para todos e, também, que ela é individual, cada um é sentenciado exatamente pela sua ação; não se estende ao familiar, a filha, a esposa, a comunidade da pessoa. São cinco presos. Presume-me outros envolvidos. Então, estes cinco podem ser cinco culpados, cinco inocentes, quatro culpados e um inocente, um culpado e quatro inocentes. Não se visualiza elementos tão seguros a desautorizar nenhuma dessas hipóteses.
Após o acesso às informações acerca dos indígenas tenharim e dos episódios envolvendo a prisão, inclusive os conflitos recentes, que análise o senhor faz do caso?
Claro que é um caso muito difícil. Dos que põe a prova esses nossos valores. Por isso é tão importante: ou temos esses princípios ou não. E há uma armadilha, que é a sombra do contencioso e do estranhamento entre esses grupos, materializado inclusive, pelo incentivo e emprego de violência generalizada. Afinal, não se julgará os índios tenharim (e sim, individualmente, alguns membros que pertencem a uma aldeia desse grupo). Nem o conflito de índios X moradores da região. Nem o pedágio de suas terras, nem os equívocos dos Órgãos ou a omissão do Estado, conquanto tenham seus reflexos. Tenho que o fato aflorou toda sorte de ressentimento e diferenças latentes, mas a ação penal não tem esse papel, nem se prestará a tanto. Essa situação demandaria um longo processo de mediação, que estas partes deveriam protagonizar. Enfim, será preciso ter a pretensão da superação, do convívio. A maturidade de perceber que, quem neste momento se aproveita e aposta numa Faixa de Gaza amazônica, estará derrotando toda a região.