Entre 300 mil e 400 mil famílias sobrevivem do babaçu. A quebra nunca foi regulamentada, porém.
Rafael Gregorio, da Carta Capital, em Maranhão da Gente
De segunda a quinta, Arlene Muniz, 43 anos, sai de casa cedo e vai a pé a um posto de gasolina na Avenida Santos-Dumont, no centro de Codó. No interior do Maranhão e a três horas a sudeste de São Luís, a cidade integra a região chamada Zona dos Cocais. Entre 7 e 7h40, um caminhão da prefeitura passa pelo posto cheio de mulheres em direção à zona rural do município. Arlene é uma quebradora de cocos de babaçu, atividade tradicional cada vez menos exercida.
As viagens podem durar horas, a maior parte em trechos de terra batida, e as condições são semelhantes àquelas dos paus de arara. Uma vez no campo, o trabalho endurece. Sentadas no chão, as mulheres prendem entre as pernas um machado, seguram sobre sua lâmina o coco e, com a outra mão, golpeiam-no com um porrete. Na ida, carregam até 5 litros de água e, na volta, até 10 quilos de coco.
Quebradeiras habilidosas partem dez cocos por minuto. O objetivo é separar a amêndoa, da qual se extrai, entre outros, um óleo industrial. “Monto a barraca lá pelas 10, começo a quebrar e paro às 4 da tarde”, explica Arlene, que lamenta as altas temperaturas locais, não raro acima de 40 graus no verão. Completam o equipamento um facão, um litro e uma panela. Não há botas, luvas ou proteção contra sol, chuva, mosquitos e ferimentos.
O babaçu é uma palmeira típica do bioma da Mata dos Cocais. Suas árvores chegam a 20 metros e, segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário, delas foram catalogados mais de 60 subprodutos, de alimentos a materiais de limpeza e cosméticos. Também há pesquisas sobre o uso no biodiesel. Como não existem alternativas químicas ou mecânicas para separar a amêndoa sem perda da qualidade, segue vivo um sistema braçal e arcaico. Além do Maranhão, quebrar coco é também costume no Pará, Tocantins e Piauí, embora a espécie exista em mais de 13 milhões de hectares distribuídos em 279 municípios de 11 estados.
Entre 300 mil e 400 mil famílias sobrevivem do babaçu. A quebra nunca foi regulamentada, porém. Não há direitos trabalhistas ou previdenciários além dos reservados à população rural. Mesmo assim, permeia biografias na região. “A atividade foi realizada quase sempre por mulheres, graças à divisão do trabalho”, explica a socióloga Regina Teixeira da Rocha, que estuda a rede do babaçu.
Outros fatores explicam o enraizamento: altas taxas de analfabetismo e evasão escolar, agravadas no caso das mulheres, e miséria. Codó tem um dos piores IDHs do Brasil entre cidades com mais de 100 mil habitantes, de 0,595, e no Maranhão imperam indicadores sociais vergonhosos: apenas 6% dos municípios têm coleta de esgoto, ante uma média na Região Norte de 13%, a mais baixa do País.
Essa vulnerabilidade fundamentou um projeto de lei do deputado federal Domingos Dutra (SDD/MA), com “a motivação de garantir às quebradeiras o acesso às matas, pois hoje elas são violentadas por fazendeiros e pistoleiros, além de obrigar o Estado a aproveitar o babaçu e proteger o ambiente”. Apresentado em 2007 e aprovado pela Comissão de Meio Ambiente no ano seguinte, o projeto está parado. “Um colega pediu que fosse distribuído também para a Comissão de Agricultura, mas a composição política mudou, houve certo enfraquecimento das quebradeiras. Espero uma nova conjuntura”, afirma Dutra.
O saco com 1 quilo de coco quebrado vale entre 1,50 e 2 reais, e é nesse estágio que a maior parte das mulheres vende o trabalho, principalmente para intermediários. Também é comum o escambo: cocos são trocados por um frango no vizinho ou por comida no mercado local.
Outras mulheres aprenderam a tirar mais do babaçu. É o caso da Associação Comunitária das Trabalhadoras no Beneficiamento do Babaçu. Fundada em 1986, a associação reúne 180 sócias e 8 sócios. “Nosso engajamento vem de cedo. A mocidade de todas nós foi na quebra do coco”, diz Áurea Maria da Silva, presidente. A sede, comprada em 1999 com recursos e doações, foi reformada em 2012 com o apoio da ONG Plan International. Com sedes em São Luís e em Codó, a instituição inglesa garante o acesso das crianças à educação, protege meninas da exploração sexual e fortalece as cadeias produtivas locais. “Ajudamos a associação a tirar a atividade do caráter artesanal”, afirma Gabriel Veras Guimarães Barbosa, gerente da unidade de programas da Plan em Codó.
Além dos 25 mil reais investidos na obra, doados pela Nivea, a assistência deu-se na conscientização. Em vez de apenas quebrarem frutos, as associadas passaram a vender itens elaborados. Cortaram os intermediários e agregaram valor, como no caso do azeite de babaçu, comercializado a 15 reais o litro. As mulheres dividem os ganhos, entre 300 e 400 reais ao mês para cada uma.
[Enviado por Edmilson Pinheiro para o GT CRA]