Por Egon Heck, na Revista Missões
Sentei para escrever um texto sobre os acontecimentos que fervilharam no centro do poder. Seria possivelmente um escrito indignado, irado, com suspiros de esperança na luta pelos direitos humanos.
Ao me deparar com a carta de Yvy Katu uma incontida emoção eclodiu. Lembrei-me dos inúmeros momentos da participação em rituais, rodas de conversa, ou na agradável companhia no rancho de Rosalino e Lourença ou ainda nas Aty Guasu ali realizadas, carregadas de tensão e esperança. Em todos esses momentos o assunto central das conversas sempre girava em torno da luta pela terra e seus desdobramentos. Afinal de contas faziam dez anos que o governo federal reconhecia a terra indígena e nada acontecia em termos de solução da questão da liberação das terras para os Guarani.
Diante de mais esse grito , quase desesperado, dos Guarani, não é possível ficar parado e calado. De imediato me dispus a ajudar a dar visibilidade e entrar em sintonia com a alma Guarani, se manifestando em rituais profundos, de despedida, “começamos a realizar um raro ritual religioso nosso de despedida da vida da terra, essa é a nossa crença, um ato consciente de preparação da vida para a morte forçada pelas armas de fogo dos homens brancos, ou melhor, começamos a participar da cerimônia de aceitação e confirmação da saída forçada da alma do corpo e sua volta ao cosmo Guarani em função da morte forçada no campo da luta”. Com certeza o grande page (Nhanderu) líder religioso e lutador de seu povo Delosanto Centurion, que há poucos anos partiu, juntamente com o espírito dos guerreiros, estarão inspirando seu povo em mais um momento tão decisivo. Junto-me a todos, nessa encruzilhada crucial. É preciso muita reza e luta.
Diante da decisão de expulsão a decisão da Comunidade
Diante da 5ª decisão de reintegração de posse declaram “assim, claramente a justiça brasileira vai matar todos nós Guarani e Kaiowá. Mais uma ordem de despejo da Justiça Federal deixa evidente para nós que a Justiça do Brasil está autorizando o extermínio Guarani e Kaiowá, as violências, morte coletiva, sobretudo extinção e dizimação Guarani e Kaiowá do Brasil “. Diante da surdez e omissão do Estado brasileiro declaram “Avisamos também que não vamos sair mais de nossa terra YVY KATU, aqui morreremos todos juntos, aqui queremos ser enterrados todos. Essa é a nossa decisão definitiva que não mudamos nossa decisão. Já enviamos e reenviamos várias vezes ao Governo Federal e ao Ministro da Justiça, à Presidenta Dilma, ao Ministério Público Federal, ao Presidente do Supremo Tribunal Federal”. Com a decisão de resistir e lutar até a morte. E solicitam “pedimos ao Governo Dilma e Presidente do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa para mandar somente enterrar coletivamente todos nós aqui no tekoha YVY KATU. Nem vivos e nem mortos iremos sair daqui de nossa terra antiga. Com vida ainda, antecipamos os nossos pedidos à Justiça, esse nosso direito de ser sepultado ou enterrado aqui no YVY KATU, esse pedido exigimos à Justiça do Brasil.”
Pedem ainda à presidente Dilma e Justiça Federal, que decretou a expulsão e a morte coletiva para amparar as crianças, mulheres e idosos sobreviventes. Anunciam que estarão a partir de 12 deste mês em “ritual religioso de despedida da vida e da terra”. Terminam a carta reafirmando sua decisão de resistir ao despejo “e seremos mortos pela arma de fogo dos homens brancos ou policiais.” Convocam a sociedade nacional e internacional para acompanhar e assistir ao genocídio.
Na atividade da Comissão Indígena da Verdade e Justiça, no Fórum Mundial de Direitos Humanos, a liderança de Yvy Katu, Valdomiro Ortiz, em seu depoimento ressaltou a gravidade do momento para os Kaiowá Guarani e os Terena no Mato Grosso do sul e em especial a sua terra indígena Yvy Katu. Alerta semelhante foi feito pela liderança Kaiowá Guarani Tonico Benites.
* Egon Heck – Povo Guarani Grande Povo – Cimi, Brasilia 13 de dezembro de 2013.