Negros já são um terço dos universitários

Formado em Contabilidade, Eduardo Diniz abriu escritório com um sócio em BH e já tem filial em Juiz de Fora
Formado em Contabilidade, Eduardo Diniz abriu escritório com um sócio em BH e já tem filial em Juiz de Fora

Em dez anos, total de negros nas faculdades foi de 10,2% para 35,8%, mas maioria é branca. Mais afrodescendentes se tornam empresários

Paulo Henrique Lobato – Estado de Minas

Redenção (CE), São Cristóvão (SE) e Belo Horizonte Filho de um pedreiro e uma faxineira, Eduardo Silva Diniz, de 31 anos, faz questão de refletir: “Desigualdade e preconceito existem em qualquer lugar, mas cada um desenha o próprio destino. Ninguém pode se sentir menor do que o outro. O problema é que nem todos correm atrás dos sonhos”. Dedicado, o rapaz começou a trabalhar na adolescência: “Foram 11 anos numa empresa de contabilidade”. Em 2008, ele se formou na mesma área, numa faculdade particular em Belo Horizonte, e abriu o próprio escritório em sociedade com um amigo. Há dois anos, a dupla abriu uma filial em Juiz de Fora, na Zona da Mata.

Eduardo é um dos 2,5 milhões de empreendedores afrodescendentes que surgiram no Brasil de 2001 a 2011, segundo o último balanço do Sebrae Nacional. Em razão disso, a taxa de empreendedorismo entre os negros donos de micro e pequenas empresas avançou, no período, de 43% para 49%. A dos brancos está em 50%. Parte da nova realidade se deve ao maior acesso dos pretos e pardos ao ensino superior: o percentual de vagas no terceiro grau ocupadas por negros saltou, em igual intervalo, de 10,2% para 35,8%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O acesso dos afrodescendentes à educação e como o ensino estimula o progresso no país é o tema da terceira reportagem da série “A real abolição”, que o Estado de Minas publica desde quarta-feira. O avanço de indicadores econômicos nos últimos anos contribuiu para o salto no número de matrículas de pretos e pardos no terceiro grau, mas o passaporte de milhares de estudantes para a graduação se deve à lei que instituiu as cotas raciais nas universidades e institutos federais.

Ainda assim, há bem mais brancos que afrodescendentes na maioria das instituições públicas de ensino superior. Na faculdade em que estuda direito, por exemplo, a assistente administrativa Marta Santos é a única negra da classe. “O pior preconceito é o velado”, disse a futura bacharela, que mora em Aracaju e trabalha na vizinha cidade de São Cristóvão (SE), a quarta cidade mais antiga do Brasil, fundada em 1590.

Longe de lá, em Redenção (CE), a 70 quilômetros de Fortaleza, no sopé do Maciço de Baturité, há uma instituição em que oito em cada 10 matrículas foram feitas por afrodescendentes. Trata-se da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), inaugurada em 2011. O governo federal não decidiu instalar a Unilab em Redenção por acaso: a cidade, que hoje conta com 26,5 mil moradores, ostenta o símbolo de ter sido a primeira do Brasil a abolir a escravidão.

Em 1883, cinco anos antes de a princesa Isabel assinar a Lei Áurea (13 de maio de 1888), o movimento abolicionista erradicou a escravidão na então Vila do Acarape. “Cerca de 80% dos nossos matriculados são negros. Temos 1.352 estudantes na graduação: 1.053 são do Brasil, 26 de Angola, 39 de Cabo Verde, 135 da Guiné-Bissau, cinco de Moçambique, 23 de São Tomé e Príncipe e 71 do Timor Leste”, disse Fernando Afonso, vice-reitor. A Unilab oferece oito cursos – engenharia de energia, enfermagem, ciências da natureza e matemática, administração pública (presencial e a distância), letras e humanidade e agronomia.

Até 2016 o curso de medicina será implantado. A estudante de ciências da natureza e matemática Flávia Reis dos Santos, de 19, é natural de Dili, no Timor Leste. Mesmo tendo nascido longe do Brasil, ela fez questão de pesquisar a história do fim da escravidão em Redenção, cidade que ela aprendeu a amar desde o primeiro semestre de 2013, quando se mudou para o município. “Gosto de vir à capela de Santa Rita para rezar e refletir”, conta a garota, que será a primeira da família, de seis irmãos, a formar o curso superior.

“Meu pai é agricultor e minha mãe dona de casa”, acrescentou a jovem. Orgulhosa do próprio esforço, ela planeja se formar e ajudar a sociedade a construir um futuro melhor. É o que já faz a mineira Nilma Lino Gomes, a primeira reitora negra de uma universidade federal brasileira. Pós-doutora em sociologia pela Universidade de Coimbra e ex-coordenadora do Programa de Ensino, Pesquisa e Extensão Ações Afirmativas na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), hoje ela comanda a Unilab.

Disparidade 

Apesar dos avanços em busca da igualdade entre as raças no país, indicadores mostram que a disparidade envolvendo o ensino entre empreendedores brancos e negros ainda é grande. De um lado, o Sebrae constatou que os anos de estudos entre os empreendedores afrodescendentes subiram bem mais do que os dos brancos de 2001 a 2011: 41% contra 17%. De outro, a pesquisa apurou que os brancos empreendedores ainda têm mais anos de estudos que seus colegas negros.

No mesmo período, a média de anos de estudos dos brancos passou de 7,2 anos para 8,5 anos e a dos negros, de 4,4 anos para 6,2 anos. Além disso, apenas 6% dos afrodescendetes que são donos do próprio negócio chegaram à faculdade. Mas a estatística tende a melhorar a favor da raça nas próximas pesquisas. Pelo menos é o que sugere o último balanço de inscrições no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), considerado o passaporte para várias instituições de ensino superior.

A quantidade de alunos que se declararam pretos ou pardos na edição deste ano subiu 30% em relação à de 2012. Naquele ano, quase 3,1 milhões de inscritos se declararam negros. Neste ano, pouco mais de quatro milhões de pessoas fizeram o mesmo.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

Deixe um comentário

O comentário deve ter seu nome e sobrenome. O e-mail é necessário, mas não será publicado.