Rogério Sottili conversou com parentes e amigos do rapaz de 17 anos. Para ele, PM responde por mortalidade ‘absurda’, mas mortes nos últimos dias não são reação a agressão de coronel durante protesto
por Tadeu Breda, da RBA
São Paulo – O secretário de Direitos Humanos e Cidadania da cidade de São Paulo, Rogério Sottili, acredita que a morte de dois jovens na periferia da capital nos últimos domingo (27) e terça-feira (29) é a demonstração de que a Polícia Militar atua de forma violenta, comprovação de que é preciso promover mudanças em sua estrutura e nas maneiras de investigar abusos cometidos pela corporação.”Há uma mortalidade absurda”, diz.
Ele levanta dúvida sobre a versão da PM a respeito da morte do jovem Douglas Rodrigues, de 17 anos, no último domingo, no Jaçanã. Depois de ir ao local dos fatos e de conversar com amigos e parentes do rapaz, Sottili diz que o disparo promovido pelo policial durante uma abordagem foi intencional.
O secretário entende, porém, que o fato não guarda relação com as agressões sofridas pelo coronel da PM Reynaldo Simões Rossi na sexta-feira (25), durante manifestação convocada pelo Movimento Passe Livre (MPL) pela tarifa zero nos transporte público em São Paulo. As agressões vieram de manifestantes mascarados.
“Um país que conquistou a democracia com muito sangue e muita luta dos movimentos sociais organizados não pode tolerar nenhum tipo de violência. E o que aconteceu não é fruto de uma violência produzida pelos movimentos sociais organizados que querem ver um Brasil melhor. Por isso, deve ser repudiado”, condenou Sottili.
O secretário elogiou a postura do oficial, um dos comandantes da Polícia Militar no centro da cidade, palco de vários conflitos e episódios de repressão desde os protestos de junho.
“A resposta do coronel, quando estava sendo agredido, pedindo para sua tropa não aceitar provocação, configura atitude de um policial que entende o lugar em que está. Eu prefiro acreditar que [a morte de jovens na periferia] não é uma resposta às atitudes de alguns irresponsáveis que agrediram o policial naquela oportunidade.”
Como a prefeitura vê o assassinato de dois jovens na periferia, pelas mãos da polícia, poucos dias depois de lançar o Juventude Viva?
Este é um retrato de um país e de uma cidade onde os indicadores de homicídios contra a juventude negra são elevadíssimos. O Plano Juventude Viva veio justamente para dar uma resposta a isso, e o Estado deve assumir sua responsabilidade e construir respostas com políticas públicas para reverter este quadro. Infelizmente, a morte do Douglas ocorreu, e infelizmente ocorreu a morte de outro menino na tarde de terça-feira, e vão ocorrer outras mortes, como deve ter ocorrido semana passada. Há uma mortalidade absurda.
Eu acho que, como secretário de Direitos Humanos, além de ficar completamente indignado, tenho que me solidarizar com a família e me colocar ao lado dela para buscar Justiça. Visitei a mãe do Douglas e conversei com ela. Eles me contaram tudo. O irmãozinho que estava junto do Douglas na hora do assassinato, na hora da morte, ele me relatou a situação. Escutei o relato de um vizinho, confirmado pelo menino que também estava no local e também por outras pessoas. Não teve nada de homicídio culposo: o policial teria atirado com a porta do carro ainda fechada.
Douglas trabalhava, estudava, tinha uma relação com a comunidade, extremamente alegre, familiar, nunca tinha tido nenhuma passagem pela polícia. Ele estava com os documentos no bolso, ou seja, não houve abordagem nenhuma, não pediram documento dele, ele estava com o cartão de crédito da mãe. Agora, o Douglas é mais um nas estatísticas dos que estão sendo assassinados. Cabe a nós, como Estado, responder a isso com política pública, e o Juventude Viva é parte da resposta. Temos que enfrentar isso de forma agressiva, de forma determinada.
Mas o Poder Legislativo também tem sua responsabilidade. Está no Congresso, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 4.471, de 2012, que trata dos “autos de resistência”. A impunidade dos agentes do Estado é muito forte. Os autos de resistência são uma garantia, e facilitam a ação algumas vezes irresponsável dos representantes do Estado.
O senhor acredita que essas duas mortes, e principalmente a do Douglas, no domingo, têm relação com a agressão sofrida pelo coronel da PM na última sexta-feira?
Eu prefiro acreditar que não. Acho que a agressão que o coronel sofreu na sexta-feira, ela tem de ser repudiada e lamentada. Um país que conquistou a democracia com muito sangue e muita luta dos movimentos sociais organizados não pode tolerar nenhum tipo de violência. E o que aconteceu não é fruto de uma violência produzida pelos movimentos sociais organizados que querem ver um Brasil melhor. Por isso, deve ser repudiado. A resposta do coronel, quando estava sendo agredido, pedindo para sua tropa não aceitar provocação, configura atitude de um policial que entende o lugar em que está. Eu prefiro acreditar que não é uma resposta às atitudes de alguns irresponsáveis que agrediram o policial naquela oportunidade.
O senhor acha que essa discussão relativa aos black blocs, ao vandalismo (que são discussões que têm ecoado inclusive no governo federal, com o ministro da Justiça, e aqui no governo do estado) tem jogado uma cortina de fumaça sobre a discussão sobre a violência policial?
Eu acho que sim. Acho que ela não ajuda, ela produz um cenário que ninguém quer assistir. Acho que a manifestação, a mobilização social, ela é fundamental e imprescindível para qualquer regime democrático que precisa fazer avançar as suas conquistas e as suas demandas. O poder público, por mais comprometido que seja, se não tiver as mobilizações sociais, nem sempre corresponde às necessidades da população. Então, é extremamente legítimo.
Mas o que está acontecendo é que (o vandalismo) coloca uma cortina de fumaça sobre esse movimento social que pretende aprofundar a democracia. E coloca uma cortina de fumaça sobre a violência dos agentes de Estado – que nós todos condenamos e queremos mudar. Precisamos fazer uma rediscussão, de forma global, e acho que os movimentos sociais organizados, sérios, responsáveis, que estão legitimamente se mobilizando, deveriam se manifestar e também lutar contra essas mobilizações (de vandalismo).
Acho que isso deve ser uma responsabilidade da sociedade civil, porque defender a democracia é um dever de todo o povo brasileiro, de todos os movimentos sociais, que são os principais responsáveis pela conquista dessa democracia. Acho que deveria haver manifestações sociais que ajudassem a diferenciar e dizer que nós não queremos (vandalismo), que somos contra. Não adianta só se manifestar com notas: tem que se manifestar nas ruas pedindo o fim da violência nas manifestações, violência de qualquer um dos lados, seja a violência por agentes de Estado, seja pelos anarquistas, pelos mascarados ou quem quer que seja.
Esse quebra-quebra empreendido pelos black blocs não pode ser uma maneira de responder a essa sucessiva quebra da lei pela Polícia Militar? Não pode ser vista como um cansaço da maneira que jovens sem tradição nos movimentos sociais encontraram para responder à injustiça cotidiana?
Eu tenho dificuldade de entender dessa forma. Está muito mal compreendido o movimento, a manifestação, mal compreendido desde o início. Eles não têm uma trajetória de luta social no movimento organizado. Quem tem não esconde a cara, não depreda. O Brasil está vivendo um outro patamar, veja bem, nossa democracia é jovem, é recente, e isso não ajuda. Não acho que seja um movimento produzido por uma manifestação de insatisfação contra a violência policial ou contra o que quer que seja. Pode até ser, pode ter até envolvimento de outros jovens que entram na vala deste movimento, mas tenho dificuldade de entender assim.
Acho que, fora da política, fora da presença física das pessoas, identificadas, não acredito que a democracia será fortalecida. O Brasil nunca esteve tão bem na sua história, seja do ponto de vista da democracia, seja do ponto de vista das conquistas políticas, econômicas e sociais. Nós precisamos melhorar muito, porque a demanda ainda é muito reprimida, e acho que as manifestações têm de aprofundar isso. Não acho que o movimento dos mascarados representa uma preocupação, uma indignação, ou um avanço da democracia.
Mas eles vêm crescendo.
É, tem acontecido sistematicamente, eu não sei te dizer o quanto isso cresce, porque, às vezes, na mobilização de 10 mil pessoas, ela tem um efeito, aí vem 50 pessoas e já provocam uma quebradeira em determinada situação e um caos na cidade. É evidente que isso tem um impacto importante. Eu não sei se está crescendo, pelo menos em números não acredito muito que cresça, mas em quantidade de ações, é verdade. Acho que é uma preocupação que devemos estar todos atentos: movimento social, sociedade civil e Estado.
A Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania tem lançado mão de alguma estratégia para tentar compreender e se aproximar desses jovens que ingressam nas manifestações como black blocs?
Nós estamos organizando um seminário que vai discutir as mobilizações do mundo, inclusive com a presença de algumas figuras internacionais, para analisar o que está acontecendo. Mas não temos nenhuma estratégia de aproximação com este movimento, não.
Sei que não é atribuição da prefeitura, mas o senhor tem percebido que existe alguma falta de controle do governo do estado em relação à Polícia Militar?
O secretário de Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, é uma pessoa extremamente aberta ao diálogo, e tenho mantido uma excelente relação com ele. Quando preciso de alguma questão, tenho ligado para ele. Aconteceu uma situação em relação à população de rua, liguei para ele e ele foi extremamente atencioso. Espero que ele tenha sucesso à frente da sua pasta para fazer seu trabalho junto à polícia do estado de São Paulo, no sentido de que não ocorra o que vem ocorrendo nos últimos anos.
Em que contexto a desmilitarização da PM, que é uma pauta antiga, se insere neste contexto do Juventude Viva?
Acho fundamental. Nós temos que trabalhar na perspectiva da desmilitarização da PM, não há outro caminho. O mundo caminha para a desmilitarização, não é possível nós trabalharmos numa perspectiva de uma polícia armada, temos que construir uma polícia cidadã, onde as pessoas veem a polícia como segurança, companhia, parceria, cuidado. Agora, evidente que isso é um processo, vamos discutir isso, fazer uma ampla discussão que passe pela Câmara, mas vamos abrir um amplo debate. Eu não acredito que uma polícia armada seja eficaz e mude a realidade da violência no país. O Estado precisa cumprir seu papel de poder público com políticas públicas.
A solução é política pública para todos os locais da cidade, a polícia deve ser inserida num processo de reconstrução de cidadania, não num processo de repressão. Se vai levar um, dez, vinte anos, não sei, mas o quanto antes conseguirmos avançarmos e construirmos a desmilitarização, será um caminho importantíssimo para vermos um país finalmente diferente. Sei que isso é um processo que deve ser construído com muito debate.
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Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.