Xingu Vivo – No último sábado, 26, ficamos sabendo que o desembargador Antônio de Souza Prudente, do TRF1, tinha mandado, pela segunda vez, parar Belo Monte. Foi uma liminar que acatou a nona das 20 ações civis públicas do Ministério Público Federal, e que denunciava que inúmeras condicionantes da Licença Prévia da obra nunca foram cumpridas.
Muitos de nós comemoraram esta paralisação. Outros não. Não comemoraram porque não estão mais conosco, se perderam no mundo; muitos adoeceram do corpo, da cabeça e da alma; outros ficaram apáticos; alguns morreram.
Para nós, que há mais de 20 anos denunciamos a barragem do Xingu como um projeto assassino, não é fácil falar em “condicionantes”, uma espécie de vaselina para amenizar a brutalidade do estupro do nosso povo e do nosso rio. Mas entendemos que é dever do MPF fazer cumprir a lei, e a lei impôs aos empreendedores de Belo Monte – o governo e a Norte Energia – a adoção de uma série de medidas de mitigação e compensação de impactos.
Pois esta lei nunca foi cumprida. Não vamos desfiar rosários de desgraças porque encheríamos centenas de páginas com histórias de terror. Mas podemos afirmar que, do que foi imposto por lei, não recebemos saneamento, não recebemos escolas, não recebemos assentamentos e casas, não recebemos indenizações condizentes com o que nos tomaram; não temos peixes para pescar, não temos terras para plantar, e não regularizaram as áreas indígenas, parcela da nossa população especialmente protegida pela Constituição.
O Xingu apodreceu e nós, que tínhamos um dos mais belos rios do mundo, não temos água limpa para viver. Só para constar, segundo dados do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) informados ao Instituto Socioambiental, entre 2011 e 2012 o número de crianças indígenas abaixo ou muito abaixo do peso aumentou 53%. Em 2012, 92,2% das crianças menores de cinco anos sofreram de diarreia aguda. Já os casos de parasitoses intestinais aumentaram 244% entre 2011 e 2013. Por fim, em 2012, de cada 1000 crianças nascidas vivas, 90,9 morreram antes dos cinco anos.
Hoje, quarta feira, dia 30, o presidente do TRF1, desembargador Mário César Ribeiro, derrubou a liminar de seu colega Prudente e permitiu a continuidade das obras de Belo Monte. Não levou em conta o descumprimento da lei, que em primeiro lugar paralisou a usina. Novamente fez uso desse nefasto instrumento engendrado pelos ditadores militares, a Suspensão de Segurança, para satisfazer o governo federal e sua Advocacia Geral.
A Mário Cesar Ribeiro, aos diretores da Norte Energia e da AGU, e aos caciques do governo federal, conjuramos que as mortes de nossas crianças lhes tirem o sono. Conjuramos que os lamentos de nossa gente lhes tirem a paz. Conjuramos que a agonia de cada pescador sem peixe, de cada agricultor sem terra, de cada família que perdeu um dos seus para as doenças, as drogas, a violência, a faca e a bala, lhes tire o sossego.
Tirem seus sorrisos do caminho, que queremos passar com a nossa dor.
Altamira, 30 outubro de 2012