Um dos objetivos é saber se a incidência de câncer no município estaria de fato relacionada com a liberação de substâncias tóxicas durante o processo de mineração
Ministério Público Federal em Minas Gerais
O Ministério Público Federal em Minas Gerais (MPF/MG) encaminhou à Kinross Brasil Mineração SA diversos questionamentos acerca do processo de extração de ouro e prata em seu complexo minerário instalado no município de Paracatu e das consequências para o meio ambiente e para a saúde da população da cidade. No total, mais de 37 quesitos – todos eles desdobrados em vários questionamentos – foram encaminhados à mineradora.
Em vistoria realizada nos dias 02 e 03 de outubro na mina e nas demais instalações da Kinross, o procurador da República José Ricardo Teixeira Alves e técnicos do MPF/MG detectaram que um dos problemas ambientais resultantes do processo de produção de ouro da mineradora é o uso de cianeto, substância que, segundo informações da própria empresa, é altamente perigosa. O cianeto, em contato com determinados ácidos, libera um gás tóxico que, se ingerido ou inalado, pode ser fatal.
De acordo com os peritos do MPF/MG, um dos critérios do Código Internacional de Gestão de Cianetos, do qual a empresa é participante, é não permitir que os níveis de cianetos dissociáveis por ácidos que saem da unidade de processamento para a área de armazenamento de rejeitos seja superior a 50 partes por milhão. “É preciso saber então de que maneira a empresa está destruindo o cianeto utilizado no processo de produção”, afirma o procurador José Ricardo Teixeira Alves.
Ele conta que, durante a vistoria, técnicos da empresa informaram que a solução contendo cianeto, que não é totalmente destruída após o processo de produção, vem sendo armazenada nas barragens de rejeitos, que são revestidas com lona PEAD e argila férrica, um material que encurta o tempo de vida da barragem e ocasiona pressão elevada sobre o solo ou maciço.
“A nossa preocupação é que, ao longo dos anos, essas barragens possam romper, e o vazamento do material tóxico contido nos tanques possa atingir o lençol freático através da percolação nas trincas e nas fraturas das rochas que se encontram abaixo da camada impermeável”, explica o procurador da República.
Por isso, a empresa deverá informar ao MPF/MG a quantidade de rejeitos e de material estéril produzida anualmente, o processo de descarte da água gerada no rejeito do beneficiamento e da hidrometalurgia, além de esclarecer quantas análises mensais, das águas superficiais e subterrâneas situadas na área de influência do empreendimento, são efetuadas, por quais parâmetros e quais os resultados obtidos até o momento.
Contaminação por metais pesados – Outro problema ambiental gerado pela produção de ouro da mineradora é a liberação de enorme quantidade de arsênio e de outros materiais tóxicos.
Para o MPF/MG, o risco de essas substâncias contaminarem águas superficiais, como as águas de chuvas, por exemplo, e essas atingirem os córregos, brejos, cisternas e poços tubulares no entorno da mina, não pode ser ignorado.
Em 2012, pesquisadores do Laboratório Labiotec, de Uberlândia/MG, constataram a contaminação de um brejo abaixo da barragem e de uma cisterna na região do ribeirão Santa Rita por materiais pesados provenientes das águas da barragem de rejeitos da Kinross. A situação foi considerada extremamente grave, pois a contaminação por metais pesados provoca, entre outros, cegueira, destruição do sistema imunológico e do sistema nervoso central.
Na mesma linha, a investigação pretende detectar se realmente houve aumento da incidência de câncer na região e, em caso positivo, se haveria influência da mineração.
Estudos apontam para um alto número de pacientes com câncer em Paracatu, fora do padrão para cidades de mesmo porte [cerca de 90 mil habitantes]. Em novembro do ano passado, noticiou-se que mais de 400 paracatuenses encontravam-se em tratamento no Hospital do Câncer, em Barretos/SP, e, segundo os médicos, esse número vem aumentando.
O procurador da República diz que “é preciso investigar se essa incidência está condizente com a realidade ou se ela realmente discrepa do padrão, além das reais causas para o número de pacientes portadores de câncer, ou de outras doenças, resultantes ou não da contaminação por substâncias utilizadas ou geradas durante ou no final do processo de produção do ouro”.
Rios secando – “Há notícias ainda sobre a ocorrência de outros danos ambientais, como fontes de água – lagoas, açudes e poços artesianos – que estão secando”, lembra o procurador. “Esses relatos são preocupantes, porque é preciso saber se as frentes de lavra podem vir, no futuro, a afetar o abastecimento de água da cidade de Paracatu, que está situada a montante da mineração”.
Por sinal, uma das principais frentes de lavra da Kinross, instalada a cerca de 60 metros abaixo do nível do córrego Rico, provocou a diminuição na vazão desse córrego devido ao rebaixamento do lençol freático. “Nesse caso, a dúvida é se as nascentes serão totalmente bloqueadas pela lavra, com toda a água do córrego Rico sendo usada pelo empreendimento, ou se a empresa está tomando providências para normalizar a vazão de um curso d’água importante para a região”, afirma José Ricardo.
O complexo minerário da Kinross, localizado próximo à zona urbana, tem avançado em direção a alguns bairros de Paracatu, com notícias de demolição de casas, ruas com rede de água e luz e até de equipamentos públicos, para ampliação da lavra.
Por isso, segundo o MPF/MG, é preciso ter acesso a informações que comprovem o alcance efetivo do projeto, bem como analisar detidamente o próprio processo de licenciamento ambiental para saber se todos esses efeitos foram previstos, quais foram as medidas compensatórias planejadas e se elas vêm sendo cumpridas pela mineradora.
A Kinross Gold Corporation, que incorporou a antiga Rio Paracatu Mineração, é uma empresa global com sede no Canadá. A expansão da mina, situada a dois quilômetros ao norte da cidade de Paracatu, é um megaempreendimento que triplicou a produção anual de ouro da empresa.