Os confrontos como pedagogia: a luta pelo direito à rua

Igor Vitorino da Silva*

O que estamos vendo? Essa deve ser a grande interrogação que marca nosso julgamento diante dos acontecimentos políticos que sacodem o país desde junho de 2013. Não há mais espaço para ingenuidades e para opiniões herméticas nesse tempo de debate político. Cada imagem e discurso precisam ser pensados dentro das redes políticas e sociais, como fabricações que envolvem disputas ideológicas e projetos de poder.

As mobilizações de junho colocaram um problema político na ordem do dia: as multidões nas ruas! Antes de discutir qualquer bandeira política ou proposta parece-me o que tem mais incomodado os políticos, as  instituições públicas e a mídia hegemônica é a presença de massas políticas nas ruas das cidades. Massas avessas a roteiros e prescrições políticas tradicionais.

Aceitam-se gritos disciplinados, faixas comuns e os gestos padronizados. Entretanto, teme-se qualquer coisa que desvie desse padrão, que imponha outra configuração política ao espaço público. O que supostamente deixa de ser “pacífico”, logo é visto como algo anormal que precisa ser corrigido, disciplinado ou eliminado.

Para isso, as autoridades públicas e as mídias hegemônicas anunciam quem manda, indicam o que é permitido e como tem que ser feito. E como fazem isso? Através das imagens dos confrontos e seus destroços, fazendo-as funcionarem como cenário pedagógico para o grande público, ensinando-lhe quais são os maus comportamentos e as atitudes que devem ser reprovadas.

Na realidade, a violência – tão corriqueira no Brasil, mas constantemente negada e difamada – é usada para dizer quem pode usá-la. E, novamente, é explicito que seu monopólio cabe aos fortes ou a quem está em seu nome. Assim, o horror com as vidraças e caixas eletrônicos quebrados, o lixo queimado, justificam os tiros da polícia e sua truculência, o famoso mal necessário.

Todos nós abominamos a violência, não queremos vê-la, acreditamos que ela seja atributo sempre do outro ou um exercício de proteção. Quem a sofre, a merece. Quem a executa, o faz por necessidade. É por isso que quem está em casa vendo os confrontos deseja ver mais e mais imagens de jovens mascarados praticando atos violentos para que, assim, não se sintam mal com as imagens da truculência e violência das autoridades públicas.

Na realidade, as cenas de confrontos inscrevem-se numa política de intimidação dos manifestantes com máscaras e sem máscaras e desmobilização de redes de solidariedade, a redução de sua capacidade de ebulição social e política, de seu poder de sedição. Cria-se um cenário de pavor, que poderia ser evitado pelas autoridades públicas, para reproduzir o imobilismo político por meio do medo e justificar as regras de exceção, consolidando o roubo do direito à rua, as restrições aos direitos civis e políticos dos cidadãos que ousam fazer ruído no consenso corporativo-financeiro que marca a política brasileira.

*Historiador e professor de Historia do Campus Nova Andradina/IFMS

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