Carta do 1º Encontro dos Povos e Comunidades Tradicionais do Ceará

1 encontro cearáNós, camponeses, indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadores artesanais, pastorais e organismos do campo e parceiros, reunimo-nos no 1º Encontro das Comunidades e Povos Tradicionais do Ceará, nos dias 17 e 18 de outubro, em Fortaleza, refletindo seriamente em torno da temática: Territórios do Bem Viver: na luta das comunidades tradicionais do Ceará, desafios e perspectivas.

Carregado de símbolos, cantos, danças, elementos de nossas culturas ancestrais e pelo entusiasmo que é característico dos nossos povos, este momento é histórico em nossas lutas. Por isso, não podíamos deixar de expressar a toda sociedade nossa indignação diante da conjuntura política atual.

Sobre nossos territórios avança o “deus” capital, expulsando famílias, destruindo casas e roças, poluindo águas e cercando terras, acabando com nossa saúde e impedindo a reprodução de nossas culturas. Os servos deste “deus” são os governos e as empresas, que buscam o lucro a todo custo. A estes, reafirmamos com maior vigor ainda: não vamos desistir da luta! Tirem suas patas de nossos territórios!

Denunciamos o modelo capitalista de (des)envolvimento assassino, que não nos respeita e nos expropria de terras nas quais vivemos há centenas de anos, onde nos reproduzimos e fortalecemos nossos modos de vida. Repudiamos os projetos de morte que avançam sobre o Ceará: as minerações, o agronegócio, a carcinicultura, as eólicas, o turismo predatório e especulação imobiliária, o Complexo Industrial e Portuário do Pecém, a privatização das águas da União para projetos de aquicultura, as cisternas plástico, dentre outros. São projetos destruidores do meio ambiente. A partir do momento em que estes projetos são impostos aos nossos territórios, somos impedidos de continuar produzindo, pois suas instalações avançam e destroem as áreas onde plantamos nossos roçados, criamos nossos animais, realizamos nosso extrativismo e pescamos.  Sem terra e sem casa, como vamos viver? Forçados a migrar, como vamos garantir a permanência de nossa identidade? Defendemos um projeto que seja construído a partir de nossas bases.

Estamos numa das maiores secas dos últimos 40 anos. Repudiamos a política hídrica do Ceará, que privilegia os grandes projetos de desenvolvimento. Em tempos de seca, falta água para suprir as necessidades humanas e animais, mas não falta água para projetos do agrohidronegócio e outras infraestruturas.

Indigna-nos a constatação de que a atual gestão nacional que chegou ao poder com um discurso de “governo dos trabalhadores” abandonou a Reforma Agrária e, pior ainda, realiza a reforma agrária que o agronegócio quer, expropriando nossas áreas e entregando ao bel prazer de grandes corporações capitalistas. No Ceará, em 2013, até este momento, somente um imóvel foi desapropriado, depois de muitos anos de luta.

Repudiamos, ainda, projetos de Lei que ameaçam nossos povos, principalmente:

  • A PEC 215: se aprovada, dará poderes aos deputados e senadores para eles, e somente eles, criarem ou até mesmo reverterem demarcações já homologadas. Esta é uma clara ameaça aos povos indígenas, quilombolas e extrativistas.
  • A PEC 237: que permite a união conceder terras ao agronegócio.
  • O PL 1610/96: sobre o novo Código de Mineração, que possibilita um maior avanço das empresas sobre nossos territórios, permite a mineração em terras indígenas e não está sendo discutido com a sociedade.

Exigimos a aprovação, sem alteração no conceito de trabalho escravo, da PEC 438, que prevê a expropriação de terras onde for flagrado trabalho análogo à escravidão e sua destinação para reforma agrária ou uso social urbano, sem indenização do proprietário.

Apoiamos e estamos engajados na Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras, com o objetivo da criação de uma lei de iniciativa popular que regulamente os direitos tradicionais das comunidades pesqueiras. Convocamos toda a sociedade cearense a assinar o abaixo-assinado desta campanha.

Sabemos bem o que queremos e o que é bom e viável para os nossos territórios. Não aceitamos nenhuma prática que destrua nossa soberania e patrimônio cultural e continuaremos lutando, como povos e comunidades tradicionais, por nosso reconhecimento pelo Estado e pela sociedade, por nossas vidas e de nossos parentes, conscientes de que o Bem Viver passa pela garantia urgente de todos os nossos direitos.

Fortaleza, 18 de outubro de 2013

Assinam:

Ana Maria Eugênio da Silva – quilombola – Quixadá

Assis Memória – CEBI CE

Antônio Ferreira da silva – Indígena Anacé

Antônio Lindomar Rodrigues Andrade – CPT

Antônio Lopes de sousa – quilombola – Quixadá

Arlene Freire de Almeida – CEBI

Camila Batista – CPP

Cícero Luíz da Silva – quilombola – CEQUIRCE – Horizonte

Cosme Alves Bruno – camponês – Iracema

Claudiano Sobral – CPT

Eugênio Bezerra dos Santos – pescador

Fabyane Lima dos Santos – extrativista – Crato

Francisco Reginaldo da Silva – MST

Francisco Edinelson dos Santos – camponês – Itatira

Francisco Célio de sousa Parente – Indígena Tremembé

Francisco Soares de Sousa – pescador

Fernando Marques Ventura – extrativista – Crato

Geralda Miranda – CIMI

Jeane Freitas – Cáritas Regional

Josiane de Souza Horta – CIMI

José Gladson da Conceição Silva – camponês – Assentamento Agroverde

Joaquim Olavo Gomes da Silva – camponês – Independência

Margarida Maques da Hora – extrativista – Crato

Maria José Silva de Castro – extrativista – Itaiçaba

Maria da Silva Santos – pescadora – Aracati

Maria Onete Cardoso da Silva – quilombola – Monsenhor Tabosa

Manoel Libânio de Souza – CPT

Manoel Barbosa dos Santos – pescador

Ormezita Barbosa de Paulo – CPP

Raimundo Nonato de Souza – camponês – Santa Quitéria

Thiago Valentim Pinto Andrade – CPT

Valdelice Fernandes Morais – Indígena Anacé – Caucaia

Wilson de souza Lima – CEBI

Comissão Pastoral da Terra (CPT)

Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP)

Conselho Indigenista Missionário (CIMI)

Cáritas Brasileira Regional Ceará

Centro de Estudos Bíblicos (CEBI)

Agência de Notícias Esperança (AnotE)

Associação das Trabalhadoras Rurais na Agricultura Familia – Crato (ATRAF)

Associação dos Povos Indígenas do Norte e Nordeste (APOINME)

Coordenação Estadual Quilombola Rural do Ceará (CEQUIRCE)

Coordenação Nacional de Quilombolas (CONAQ)

Colônia de Pescadores Z06 – São Gonçalo do Amarante

Laboratório de Estudos Agrários e Territoriais (LEAT)

Movimento dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais Sem Terra (MST)

Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP)

Pastoral da Juventude Rural (PJR)

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Raquel Rigotto.

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