Índios da tribo Xukuru-Kariri buscam retomada de 7.073 hectares. Processo foi suspenso em agosto deste ano pelo Ministério da Justiça
Há mais de 20 anos, uma disputa de terras tem tirado o sossego de uma cidade de cerca de 70 mil habitantes localizada no Agreste alagoano. De um lado, indígenas que vivem no local há centenas de anos. Do outro, produtores rurais que possuem escritura e documentação de terras adquiridas por herança de família ou compradas comprovadamente por documento legítimo.
Em Palmeira dos Índios, a convivência entre os índios da tribo Xukuru-Kariri e outros moradores sempre foi considerada pacífica, mas o processo de demarcação de terras trouxe conflitos e levantou discussões acaloradas a respeito do tema.
Fundada em 1835, a cidade abriga oito aldeias distribuídas na zona rural. A população indígena foi estimada em mais de três mil índios, cerca de 600 famílias. A maioria vive nas aldeias, e divide 1,3 mil hectares de terras regularizadas. Outra parte pode ser encontrada fora das áreas rurais, tradicionalmente habitadas por índios e descendentes, residindo na periferia da cidade.
No dia 20 de outubro de 2008, foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) o relatório de identificação e delimitação da terra indígena Xukuru-Kariri. Ele foi homologado pelo Ministério da Justiça em 15 de dezembro de 2010. De acordo com o relatório, a área apresenta uma superfície de 7.073 hectares, que abrange 463 propriedades já existentes entre casas e fazendas.
A demarcação atinge desde imóveis com área abaixo de um hectare até latifúndios com 200 hectares. A maior parte das pessoas possui de 10 a 20 hectares. Os produtores que possuem terras em áreas delimitadas no relatório disseram que estão preocupados com o processo de retomada.
Eles argumentam que só receberão as benfeitorias (pagamento de indenizações da referida terra) e que o valor é muito inferior ao da venda de qualquer propriedade rural. “O dinheiro que oferecem não dá para comprar nem uma casa pequena para minha família morar. Se eu realmente tiver que deixar minha casa, não vou saber para onde ir”, preocupa-se o agricultor José Luiz Silva.
Desde que o relatório foi homologado, os índios promovem assembleias na área conhecida como Fazenda Canto. A última delas aconteceu no começo deste mês. Na ocasião, grupos debateram a retomada de terras e a ocupação do solo de maneira que todos os indígenas da tribo Xukuru-Kariri tenha quantidade suficiente para ser utilizada nas suas atividades produtivas.
A índia Raquel Xukuru-Kariri, que vive na área conhecida como Fazenda Canto, conta que os 7.073 hectares que foram delimitados são necessários porque o espaço que os índios utilizam atualmente é muito pequeno e não permite que eles tenham condições de produzir e sustentar as famílias. Segundo Raquel, não há espaço para construir casas e a restrição do espaço nas matas prejudica a coleta de sementes e artefatos para produção do artesanato indígena, comprometendo a economia da tribo.
“O índio retira da terra o seu alimento, remédio, material para construção de casas e dos enfeites para os rituais religiosos. Também é importante lembrar das áreas de reserva que devem ser preservadas”, afirma.
Possível conflito preocupa envolvidos
Diante da possível retomada de terras, produtores e índios afirmam que temem um confronto na região. Alguns agricultores afirmam que não vão deixar suas terras. Já os indígenas garantem que toda a área que for determinada a retomada será ocupada.
Um integrante da tribo, que não quis se identificar, disse que o maior medo é que eles fiquem desamparados no caso de acontecer a retomada de posse. “Se a área for oficialmente dos índios, vamos precisar de apoio para reaver as terras”, expõe.
O cacique Vicente Celestino, da tribo Waconã Kariri Xukuru, da Serra da Capela, diz que os índios querem que a situação seja resolvida de forma pacífica. Ele contou que a “luta” das tribos para a demarcação das terras é antiga. “Desde criança que eu participo das discussões a respeito das terras. Acredito que seria melhor até que tivéssemos chegado a um acordo para uma área menor do que ficar nessa disputa tão longa”, ressalta.
Mas a opinião do cacique é diferente da de outros integrantes da tribo. Para Raquel Xukuru Kariri, a área delimitada já foi reduzida e não pode ser menor que os 7.073 hectares. “A terra é tradicionalmente indígena e deve ser entregue aos índios, assim como diz a Constituição”, complementa.
‘Questão de tempo‘
A Fundação Nacional do Índios (Funai) é responsável por demarcar, assegurar e proteger as terras indígenas. A fundação foi a responsável por aprovar e publicar o relatório final demarcando a área em Palmeira dos Índios. Após a publicação, o processo passou por algumas etapas.
Segundo o coordenador regional da Funai em Alagoas, Frederico Vieira Campos, foi concluída a demarcação física da área. Depois, equipes técnicas estiveram na região para fazer o levantamento e avaliação das benfeitorias, mas, por decisão do governo federal, esse trabalho foi suspenso. Isso aconteceu em agosto deste ano. Apensar da decisão, o coordenador disse acreditar que a demarcação vai acontecer. “É só uma questão de tempo”, afirma.
Campos explica que o processo de demarcação de terra indígena foi iniciado após a Constituição de 1988 e passou por algumas modificações. Foram feitos cinco estudos de identificação das terras pertencentes aos índios da tribo Xukuru-Kariri por equipes técnicas coordenadas por antropólogos. Cinco grupos de pesquisadores diferentes e cinco Grupos Técnicos (GT’s) foram realizados até o relatório final.
“O primeiro levantamento da Funai dava conta de 36 mil hectares. Essa área se refere à que consta em um Alvará Régio de 23 de novembro de 1700, que concedeu ‘uma légua em quadro’ para a sustentação da tribo Xukuru-Kariri. Isso foi confirmado por uma Carta Régia, ordenando a execução. Mas entendendo que parte da área ficava na região central do município, ela foi reduzida”, explica Campos.
Apesar de ficar responsável pelo processo de demarcação, a Funai só age, segundo o coordenador, após a reinvindicação de um grupo. “Quando o pleito é registrado no Sistema de Terras Indígenas da Funai em Brasília, a coordenação-geral de identificação vai criar o Grupo Técnico para que eles façam os estudos da área. Esse trabalho conta com engenheiros agrônomos, antropólogos, topógrafos, entre outros”.
Campos esclarece ainda que, depois de publicado o relatório, existe um prazo para contestação. “Qualquer pessoa que vive dentro dos limites pode apresentar contestação. Depois disso, a Funai avalia se isso procede. No caso de Palmeira dos Índios, foram feitas algumas, mas documentos mostraram que elas não eram consistentes”.