A Coordenação Regional do Alto Purus, com atuação prevista na Portaria 1.733, de 27 de dezembro de 2012, a qual define o Regimento Interno da Fundação Nacional do Índio, vem a público prestar esclarecimentos sobre as informações contidas no discurso do pastor e deputado estadual Denílson Segóvia (PEN), conforme divulgado pela imprensa local no dia 17 de outubro de 2013.
Nos sites Ac24Horas e A gazeta do Acre, sob os respectivos títulos “Cultura indígena é desprezada em discurso fundamentalista de Denílson Segóvia” e “Denílson Segóvia denuncia limitação de missionários pela Funai em aldeias”, houve a divulgação de que o deputado em questão teria defendido, na tribuna, a evangelização dos povos indígenas do Acre, justificando para tanto o atraso representado pelo infanticídio, pela pajelança e pedofilia que em seu entendimento perfazem e representam a própria cultura indígena.
Também no site da Assembleia Legislativa do Acre – ALEAC, o discurso foi divulgado sob o título “Denilson Segóvia defende o fim da pajelança e incentivo ao evangelho em aldeias do Alto Purus”. Na matéria publicada sobre o pronunciamento (disponibilizado na íntegra aqui), pode-se constatar uma postura discriminatória que ataca e deslegitima as práticas culturais tradicionais do povo Kaxinawá do Alto Purus, defendendo e incentivando a adoção de novas práticas religiosas em detrimento das crenças tradicionais, as quais em seu entendimento não lhes servem mais, pois “o maior beneficio do evangelho é a quebra das culturas antigas, caídas e destruidoras da moral”. Segundo o deputado, somente a partir dessa substituição os indígenas podem explorar a terra de modo racional. O deputado questiona ainda a atuação de antropólogos desta instituição, os quais, em sua fala, “estariam proibindo os missionários de subir às aldeias por muito tempo”, sugerindo que os mesmos profissionais levem o atraso (representado pela cultura indígena) para longe do Estado do Acre.
Cabe esclarecer que a FUNAI é o órgão indigenista oficial do estado brasileiro e sua missão institucional é garantir e proteger os direitos dos povos indígenas, conforme legislação vigente. Deste modo, destacamos o Art. 231 da Constituição Federal de 1988, no qual são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Ademais, consta no Art. 215 da mesma CF/88 que são assegurados direitos específicos aos povos indígenas, nos quais se prevê a valorização de suas manifestações culturais. Cabe destacar ainda que no Estatuto do Índio (Lei 6.001), de 1973, está previsto em seu Capítulo II, Art. 58, que se constitui crime “escarnecer de cerimônia, rito, uso, costume ou tradição culturais indígenas, vilipendiá-los ou perturbar, de qualquer modo a sua prática”. Além disso, a legislação prevê ainda que as terras indígenas são de usufruto exclusivo dos povos indígenas, sendo destinada única e exclusivamente à sua reprodução social, física e cultural.
Os povos indígenas, assim como todo cidadão brasileiro, tem o direito de escolher suas formas próprias de cultos e crenças, mas tal aceite não deve caracterizar-se em uma imposição religiosa em detrimento das demais.A presença de missionários residindo nas aldeias acarreta em um constrangimento para a livre manifestação das outras opções culturais, incluindo as formas rituais tradicionais. Além disso, a residência dos missionários fere os princípios legais acima expostos no tocante ao usufruto exclusivo das riquezas das terras indígenas, as quais devem ser destinadas exclusivamente às famílias indígenas.
Ressaltamos que os índios tem autonomia para convidar missionários para visitarem as suas aldeias, conquanto tais visitas não configurem vinculação de residência. Para tanto, destacamos o Art. 2º da Portaria 1.733/2012, que ressalta que é dever da Funai, atuar na implementação de políticas públicas que busquem garantir o direito originário, a inalienabilidade e a indisponibilidade das terras que tradicionalmente ocupam e o usufruto exclusivo das riquezas nelas existentes, dentre outros princípios constitucionais. Em observação a estas diretrizes informamos sobre a ilegalidade da permanência de missionários residindo no interior das terras indígenas, seja do Acre, sul do Amazonas ou noroeste de Rondônia – região sob nossa jurisdição – ou em qualquer outro território indígena no país, regularizado ou não.
Nos abstemos de discorrer sobre o conteúdo carregado de preconceitos e estigmas presente na fala do referido Deputado e, por meio desta Nota Pública, objetivamos prestar esclarecimento e informar à sociedade de modo geral a respeito dos direitos dos povos indígenas garantidos constitucionalmente. Enfatizamos que nossa atuação segue uma legislação específica, que preza pela garantia, respeito e defesa de direitos humanos fundamentais, no caso, direitos indígenas, dentre os quais se inclui o direito as suas práticas culturais tradicionais. Por fim, colocamo-nos à disposição para prestar maiores esclarecimentos à população de modo geral sobre as atividades que vem sendo desenvolvidas por esta Coordenação Regional, visando valorizar e fortalecer a cultura indígena de modo geral.