O Brasil tem hoje 5570 municípios. Quase 2 mil deles foram criados depois da Constituinte de 1988, que delegou às assembleias legislativas estaduais a decisão sobre sua criação. Em 1996, uma emenda constitucional brecou o processo de multiplicação de novas municipalidades ao exigir que uma lei regulamentasse critérios mínimos para que cidades se desmembrassem de outras, constituindo uma administração própria. Depois de 16 anos de debates difíceis, foi aprovada ontem no Senado a tal da regulamentação.
O projeto aprovado no Senado, que agora será encaminhado para sanção da presidenta Dilma Rousseff, prevê, entre outras coisas, a realização de Estudo de Viabilidade Municipal, consulta prévia à população local, um número mínimo de habitantes, variando de acordo com cada região, e uma avaliação da “viabilidade econômica” a ser feita pelas assembleias legislativas.
Não foi por acaso a dificuldade de estabelecer critérios: se por um lado cada novo município significa a constituição de uma nova unidade política, com impactos na geografia do controle político-territorial, e a maior parte dos municípios brasileiros (novos, velhos, a serem criados etc) tem baixíssima autonomia e capacidade de gestão; do lado dos municípios que “perdem” territórios isso significa quase sempre perder recursos, já que a maior fonte de receita é o fundo de participação dos municípios, que é proporcional à população.
Porém, esse é só um lado da questão: em áreas do país antes pouco povoadas, onde hoje se está intensificando a ocupação, a presença de estruturas administrativas é raridade no território. Em alguns municípios da região amazônica, por exemplo, a população pode levar dias dentro de um barco para chegar à sede administrativa e ter acesso a determinados serviços públicos.
Mas será que este problema – real – se resolve com a criação de novos municípios? Na verdade, um dos problemas do federalismo brasileiro é que um município como Altamira (AM), com população espalhada em um território do tamanho da Bélgica, tem as mesmas competências e atribuições de São Paulo, com seus quase 12 milhões de habitantes… Ou de Borá (SP), com menos de 1000 moradores… Ou seja, chamamos de município realidades sócio-econômico-territoriais muito distintas.
O fato é que a realidade econômica, ambiental, urbana etc do nosso país é regional, não é municipal. E não temos estruturas de gestão territorial regionais…
O problema é que nosso sistema federativo subdesenvolvido prevê apenas uma única categoria de município, além dos estados e da União. Uma pequena cidade amazônica ou uma metrópole, tanto faz. Ou é tudo, ou é nada. Podíamos ter unidades administrativas menores, mas com diferentes estruturas, atribuições e competências. Do mesmo modo, carecemos de estruturas regionais.
Se por um lado é positiva a aprovação de uma lei que institui critérios, já que sequer tínhamos isso antes, por outro temos que ter clareza de que isso não resolverá o problema.
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*Urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada.