RJ – Estradinha e Indiana, moradores resistem na luta por moradia

Sem laudo e sem projeto, prefeitura do Rio de Janeiro tentou remover ilegalmente as duas comunidades
Sem laudo e sem projeto, prefeitura do Rio de Janeiro tentou remover ilegalmente as duas comunidades (Foto: Pablo Vergara)

Vivian Virissimo, do Rio de Janeiro (RJ), Brasil de Fato

A vice-presidenta da Associação de Moradores da Estradinha, Irmã Fátima, não consegue esquecer a primeira reunião que participou com o prefeito Eduardo Paes (PM-DB). “Ele disse que seria um ‘prazer’ remover os moradores da Estradinha. Naquele exato momento, uma dona de casa morreu e nasceu uma guerreira”, conta a liderança comunitária.

Essa reunião aconteceu no início de 2010 e, desde então, a comunidade resiste para permanecer na área, localizada em Botafogo.

Sem qualquer projeto para intervenção na comunidade ou laudo técnico conclusivo, a Secretaria de Habitação iniciou o processo de remoções com o argumento que toda a área seria de risco. Centenas de casas foram destruídas e os entulhos das construções continuam lá até hoje.

Outra comunidade, a Indiana, na Tijuca, passou por um processo parecido. Também sem projeto e sem laudo, todos foram ameaçados de remoção.

Com isso, famílias aceitaram a proposta de mudar de endereço. No caso da Indiana, as casas foram trocadas por apartamentos do Minha Casa, Minha Vida, em Triagem, na zona oeste. Na Estradinha, os moradores receberam indenizações.

Com as desocupações, a prefeitura começou a demolir e deixou muito entulho pelo caminho. Por este motivo, somado à ausência de projeto e de laudo, a defensora pública Maria Lúcia de Pontes ingressou com uma ação civil pública para impedir demolições e para obrigar a prefeitura a recolher os entulhos.

A Justiça aceitou este pedido em 2010. Na Indiana, a retirada foi imediata. Na Estradinha, a prefeitura só começou neste mês. Para Maria Lúcia, essas situações mostram que o município não tem política de habitação para os mais pobres.

“Nos dois casos, não teve nenhuma tentativa de regularizar a situação para dar a posse às famílias que já moravam ali. Ao contrário, a política foi remover para áreas muito longe” , criticou.

Depois de viver o temor de serem destruídas, as comunidades Indiana e Estradinha são exemplos de resistências vitoriosas na cidade do Rio. No final do mês passado, o prefeito recuou e prometeu verbalmente que as duas não serão mais removidas.

Moradores impediram remoção da Indiana

Dona Clarisse Afonso de Carvalho, de 79 anos, é umas das principais referências na Indiana. Primeira moradora, ela já foi presidenta da Associação de Moradores. “Aqui era um matagal. Cheguei com seis filhos da Paraíba e com o meu marido. Passei o maior aperto no início”, lembra. Ao lembrar os tempos em que sua família sofria com ameaças de despejo, Dona Clarisse enche os olhos de lágrimas.

“Eles chegaram botando terror, dizendo que iam passar trator por cima. Eu só me pegava com Deus. Eu sou analfabeta, mas não sou boba, sei que tenho direitos e aí a gente correu para a Justiça”, contou a moradora.

Depois que o ex-secretário de Habitação, Jorge Bittar, começou a pressionar os moradores para se mudarem para Triagem, uma comissão formada por dez pessoas começou a se articular e entrou em contato com a Defensoria Pública. Segundo a defensora Maria Lúcia, nada justifica a intervenção imediata da forma que aconteceu.

Estradinha quer reconstrução e obras de contenção

Desde 2010, a comunidade enfrenta graves problemas de saúde em função dos entulhos acumulados. Um laudo produzido pelo pesquisador Alexandre Pessoa, da Fiocruz, atestou a situação de insalubridade e serviu de base para a ação civil pública. Mesmo assim, só neste mês, os entulhos começaram a ser recolhi-dos. “Aqui tem muita cobra e lacraia. Quando chove, prolifera o mosquito da dengue”, descreve Irmã Fátima.

A defensora Maria Lúcia lamenta que a liminar de 2010 ainda não tenha sido totalmente cumprida. “Pedimos para aplicar a multa na conta do prefeito, o Ministério Público (MP) opinou favoravelmente e a juíza mandou intimar Eduardo Paes recentemente. De certa maneira, essa decisão influenciou na negociação que a prefeitura abriu nas comunidades”, destacou.

Agora, os moradores da Estradinha lutam pelo projeto de reconstrução da comunidade e por obras de contenção em áreas de risco. “Sabemos que prefeitos mudam com o tempo. Hoje faz sol, amanhã chove. O que funciona mesmo é a união de todas as comunidades que estão em processo de remoção. A guerra está só começando”, lembrou Irmã Fátima.

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Se a sua comunidade for ameaçada de remoção:

1. Procure organizar um coletivo, com autonomia, formado por pessoas que estão na mesma situação.

2. Procure grupos de apoio.

3. Uma das organizações que presta assessoria jurídica é o Núcleo de Terras da Defensoria Pública. Telefone: 129

Fonte: Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (Najup – Luisa Mahin)

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