Funai – Lideranças dos povos indígenas do Vale do Javari, no Amazonas, realizaram, na terça-feira (1º), na sede da Funai, em Brasília, uma reunião com representantes da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Os indígenas tomaram conhecimento da intenção de exploração de petróleo e gás durante a realização de pesquisas na região e pediram explicações sobre os objetivos dos procedimentos realizados.
Segundo o chefe de gabinete da Diretoria Geral da ANP, Sílvio Jablonski, as pesquisas têm como objetivo produzir um levantamento das potencialidades do local para a exploração de gás natural, em área localizada fora da terra indígena. Ele explicou que os blocos que estão sendo ofertados para leilão na 12ª Rodada de Licitações não se sobrepõem às Terras Indígenas e em alguns casos foi aceita a recomendação da Funai de excluir parte dos Blocos em áreas de referência de índios isolados.
No entanto, as lideranças indígenas disseram não concordar com empreendimentos que causem impactos às suas terras e aos seus povos, e relembraram o histórico de atuação da Petrobrás na área, durante as décadas de 70 e 80, quando rios foram poluídos, resíduos e lixo foram deixados nas matas, malocas e cemitérios foram destruídos e vários indígenas foram mortos contaminados por doenças transmitidas pelos trabalhadores.
“Estamos aqui para não deixar isso acontecer outra vez. Queremos um território livre, sem empreendimentos e isso tem que ser respeitado”, disse Clóvis Marubo, da aldeia São Sebastião. “Não queremos que mexam na nossa caça, na nossa roça, que sujem as cabeceiras dos nossos rios onde tomamos água e não queremos o dinheiro de ninguém. Queremos nosso território e que parem com essas atividades”, complementou o cacique Mayuruna, da aldeia Lobo. Os indígenas também se sentem ameaçados pela exploração de petróleo que já ocorre em áreas indígenas no lado peruano, próximas à fronteira com o Brasil.
Outra preocupação é com relação aos riscos que qualquer atividade de exploração dos recursos naturais pode representar para os povos isolados que vivem na região. Segundo o coordenador geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai, Carlos Travassos, o Vale do Javari possui a maior concentração de povos isolados que se tem conhecimento. “Acidentes ambientais são colocados como algo que pode ser reparado, por meio da aplicação de uma multa, por exemplo, mas nessa região e para esses povos o impacto é irreversível. Qualquer contaminação pode significar uma grande catástrofe”, disse Travassos.
Demanda por diálogo
As lideranças reclamaram da falta de diálogo da ANP e da empresa Georadar, contratada para realizar as atividades de prospecção sísmica na região, com as comunidades indígenas. Afirmaram que não foram informadas sobre a realização dos estudos e sobre os objetivos das atividades de sobrevoo ocorridas sobre a terra indígena. Nesse sentido, os indígenas solicitaram a visita de representante da ANP às três aldeias: Maronal, Morada Nova e Lobo, para que esclareça o que está sendo planejado e as comunidades possam se manifestar sobre o assunto.
Solicitaram, ainda, a suspenção do leilão relativo aos lotes de exploração da bacia de gás na região, que deve acontecer no mês de novembro. O representante da ANP informou que não será possível modificar a data do leilão e aceitou o convite de enviar técnicos às aldeias para prestar esclarecimentos às comunidades.
As lideranças indígenas disseram ter acionado o Ministério Público Federal para que seus direitos sejam garantidos nesse processo. Em agosto deste ano, produziram a Carta aberta dos povos do Vale do Javari sobre a ameaça de projetos petroleiros no Brasil e Peru, em que denunciam os acontecimentos na região e reivindicam o direito de serem consultados sobre projetos que os afetem. No Brasil, a exploração de minérios, petróleo e gás em terras indígenas não é permitida, pois carece de regulamentação.
Na manhã da quinta-feira, 3, os indígenas estiveram reunidos, no Palácio do Itamaraty, com representantes da Funai, do Ministério das Relações Exteriores e da Embaixada do Peru. Eles expressaram a preocupação em relação à realização de atividades de prospecção e exploração de petróleo e gás natural no Peru afetarem seus territórios.
Organizações indígenas do Vale do Javari têm discutido e denunciado, em encontros binacionais, a incidência de lotes de exploração petrolífera em territórios tradicionais do povo Matsés que vive no Peru, desde 2008. Foram protocolados documentos pelas associações indígenas junto a instâncias governamentais daquele país e do Brasil. Desde então, as organizações têm buscado dialogar com os órgãos públicos de forma a sensibilizar os agentes governamentais para os riscos que essas atividades trazem ao meio ambiente, a seus modos de vida tradicionais e à integridade física e cultural dos povos indígenas isolados da região.
Estiveram presentes na reunião diplomatas do Itamaraty, que trabalham em setores de direitos humanos e da área política responsável pelas relações bilaterais com o Peru, além de representantes da Embaixada do Peru, da coordenação regional do Vale do Javari e de diversas áreas técnicas da Funai.