No momento em que escrevemos esta carta, milhares de indígenas já deixaram suas aldeias e estão a caminho de Brasília para participar da Mobilização Nacional Indígena, que acontece entre os próximos dias 30 de setembro e 05 de outubro. Tantos outros organizam ações em diversas regiões do país e já realizam manifestações (como os Mbya em SP, Terena em MS, estudantes indígenas no TO etc.).
Estamos a poucos dias da comemoração dos 25 anos da Constituição Federal de 1988, que reconhece – nos artigos 231 e 232 – os povos indígenas em sua diferença e garante o direito às terras que ocupam, com sua posse permanente e usufruto exclusivo. No entanto, há muito pouco para se comemorar. Depois da desestruturação do Código Florestal, a Frente Parlamentar do Agronegócio – que atualmente hegemoniza a política nacional – parece ter elegido a data justamente para desferir o mais grave golpe à Constituição de que se tem notícia nos últimos anos. Isto acontece com a conivência do poder Executivo (sob o Governo que menos homologou Terras Indígenas desde a Constituição de 88 e pouco dialogou com os povos indígenas). Outros direitos também estão sendo sumariamente ignorados – caso da obrigatoriedade de consulta para execução de obras como as hidrelétricas nas bacias do Xingu e do Tapajós. Em suma, nestes últimos anos, testemunhamos a crescente insegurança jurídica no que se refere às minorias étnicas do país (no limite, tendendo ao etnocídio) – o que, no caso do Rio de Janeiro, foi exemplificado pela violenta expulsão dos indígenas da Aldeia Maracanã, no antigo Museu do Índio, ocorrida em março deste ano.
Não era de se esperar que as conquistas democráticas retrocedessem a ponto de estabelecer as condições para o que vemos hoje em dia: um verdadeiro ataque inconstitucional aos povos indígenas e demais povos tradicionais. Neste sentido, os paralelos com os anos de ditadura militar (1964-1985) são evidentes. Há alguns anos, tramitam no Congresso projetos de lei que atentam contra os direitos adquiridos pelos povos tradicionais. São projetos que desarticulam os procedimentos de demarcação e acabam com o princípio de usufruto exclusivo dos indígenas de suas terras – parâmetros que foram estabelecidos na Constituição de 1988 como resultado das lutas indígenas. Tais propostas de mudanças têm como objetivo: transferir a aprovação de Terras Indígenas (TIs) para o Congresso, bem com a “revisão”/confirmação das TIs já aprovadas (PEC 215/00); transferir a aprovação das TIs para o Senado e delimitar uma porcentagem máxima da superfície dos estados para TIs ou unidades de conservação (PEC 038/99); permitir o uso de TIs por produtores rurais (PEC 237/13); explorar recursos minerais em TIs (PL 1610/96); estabelecer regras de demarcação e alterar a interpretação sobre “interesse público” na permissão de empreendimentos nas TIs (PLP 227/12); permitir empreendimentos considerados “estratégicos” ou de “interesse público” sem consulta aos diretamente envolvidos, estabelecer certas diretrizes para a demarcação, com possibilidade de revisão das TIs e o “congelamento” das demarcações ou ampliações (Portaria 303/AGU).
Há 25 anos, antropólogos tiveram participação ativa na conquista dos direitos constitucionais dos povos indígenas, e também em discussões anteriores, como a (falsa) “emancipação dos índios”, em 1978, posicionando-se contra o decreto de emancipação, uma manobra da ditadura militar visando justamente transformar terras indígenas em terras privadas e, assim, vendáveis. Agora é preciso que voltemos a nos manifestar com veemência para que não percamos os direitos constitucionais conquistados em 1988. Por isso, nós – estudantes dos programas de pós-graduação em Antropologia do Museu Nacional (PPGAS-MN, UFRJ), da Universidade Federal Fluminense (PPGA, UFF) e do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (PPGSA-IFCS, UFRJ), bem como do Programa de Arqueologia do Museu Nacional (PPGArq-MN, UFRJ) – manifestamos nosso apoio integral à atual Mobilização Nacional Indígena e convocamos todos os colegas e professores, bem como as associações vinculadas aos povos tradicionais e aos direitos humanos a também se manifestarem e a aderirem às diversas ações planejadas em todo o país durante este período. Antropólogos, indigenistas e artistas publicavam, em 1988, nota na qual afirmavam: “queremos os índios no futuro do Brasil”. A situação, hoje, talvez seja um tanto mais delicada, pois ou teremos os índios no futuro do Brasil, ou não teremos futuro.
- Discentes de antropologia do PPGAS-MN, UFRJ
- Discentes de antropologia do PPGA, UFF
- Discentes de antropologia do PPGSA-IFCS, UFRJ
- Discentes de arqueologia do PPGArq-MN, UFRJ
Rio de Janeiro, 30 de setembro de 2013