Tire a máscara. Identifique-se

Repórter NINJA é agredido por PMs nessa tarde enquanto transmitia ao vivo e fotografava ação policial em São Paulo. Paulo Ishizuka, de 23 anos, recebeu cacetadas pelo corpo e na cabeça até ser liberado.  "Estava filmando os policias batendo em um homem ao lado da catedral e assim que me viram vieram pelas minhas costas, me derrubaram no chão e começaram a me bater" relata. Seus equipamentos foram danificados pelos policiais. Foto: Rodrigo Zaim
Repórter NINJA é agredido por PMs na tarde de sábado, 7 de setembro, enquanto transmitia ao vivo e fotografava ação policial em São Paulo. Paulo Ishizuka, de 23 anos, recebeu cacetadas pelo corpo e na cabeça até ser liberado. “Estava filmando os policias batendo em um homem ao lado da catedral e assim que me viram vieram pelas minhas costas, me derrubaram no chão e começaram a me bater” relata. Seus equipamentos foram danificados pelos policiais. Foto: Rodrigo Zaim

“Permaneçamos nas ruas, de cara limpa ou mascarados, exigindo a responsabi-lização do Estado pelos seus crimes”

Por Sandra Helena Souza*, em O Povo

Foi aquele verso do Pessoa: “quando quis tirar a máscara estava apegada a cara”, ou outro desconforto, o fato é que nunca gostei de máscaras, mesmo ciente de seu quase obrigatório uso social. À parte isso o debate que se trava hoje no Brasil em torno de mascarados não nos deve iludir. Ao exigir que os jovens deponham as máscaras mundialmente célebres do protagonista de V de Vingança, suas negras balas clavas, camisas enroladas à cabeça, ou até meu keffiyeh palestino usado, com vinagre, em junho último, para suportar o gás, o Estado brasileiro, involuntariamente, põe a nu o enigmático rosto de nossa democracia.

Ao identificar com celeridade exemplar o endereço dos administradores do BlackBlocRJ no Facebook, já lhes trazendo mandados de busca e apreensão de equipamentos eletrônicos, no mesmo Estado em que Amarildo continua desaparecido e não se responsabiliza o Bope pelos nove mortos da Maré, onde policiais atuam sem identificação em contenção de protestos civis (nossa guarda municipal não fugiu à regra) no puro arbítrio e flagrante inconstitucionalidade, sem que se ouça falar de punições por excessos, abuso de autoridade e sadismo, com apoio da justiça e dos parlamentos, o Estado nos dá uma chance ímpar de nos decifrarmos.

Não deve haver muitos favelados entre os BBs, a não ser os que já pertencem ao ‘movimento’: eles sabem que serão executados sumariamente. Foram dez mil mortos em ‘autos de resistência’ nos últimos 10 anos só no Rio. Alguns intelectuais denunciam o embrião de um Estado de Exceção com a CEIV do governo carioca. Não creio: ele apenas dá mostras de estar se democratizando, descendo o morro. No asfalto a exceção sempre se ‘oficializa’. Assim, mesmo sem concordar com o método Black Bloc, admito que, a despeito de suas próprias intenções anarquistas que ainda me soam profundamente obscuras, eles acabaram encurralando nossa democracia, desmascarando sua insustentável fragilidade.

Mas assim como sua juventude não lhes desculpa erros políticos dramáticos, nossa maturidade tampouco. A democracia está em transe quando o símbolo da luta é o rosto coberto. Mas é o que tem pra hoje. Permaneçamos nas ruas, de cara limpa ou mascarados, exigindo a responsabilização do Estado pelos seus crimes de ontem e hoje. Os restos da ditadura são calcificações metastáticas que exigem uma radicalização democrática incisiva. Esses mortos, pobres e sem rosto, precisam descansar.

PS: Escrevo sem ter visto o alvorecer do dia da pátria.

*Professora de Filosofia e Ética da Universidade de Fortaleza e articulista mensal do O POVO.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Rodrigo de Medeiros.

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