Pelo viés de Maiara Marinho*
Sabemos que desde os tempos mais remotos existem forças para combater àqueles muitos cidadãos oprimidos. Pode-se dizer que essa ação é feita para ameaçar e manter a população pobre, apática para que o combate às injustiças que sofrem não seja feito. Essa opressão é necessária, pois a lógica do sistema capitalista prevê o trabalhador como máquina para sustentar uma minoria rica. Para manter essa lógica em funcionamento, a polícia surge para calar, esconder e criminalizar os pobres.
O momento mais violento que os brasileiros viveram nas últimas décadas foi a Ditadura Militar. Em 1970, houve a fusão da Polícia Civil e da Força Pública para a criação da Polícia Militar de São Paulo, a ROTA (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar). E, como o próprio nome sugere, se mostrou notável e indiferente. Causou medo e receio na população marginalizada. E quando uso a palavra marginalizada é no sentido literário dela. Falo sobre a precariedade habitacional, sobre viver nos cantos das cidades, escondidos, esquecidos.
As políticas públicas existentes no Brasil têm por finalidade manter o comodismo e é delicado culpar o indivíduo, pois ele é fruto de uma estrutura social que o tem como mecanismo de desenvolvimento de poucos grupos pertencentes à elite. É claro que políticas públicas – se assim quiserem àqueles que detêm o poder que as constroem – poderiam resolver muitos problemas sociais, dentre eles a marginalidade de muitos cidadãos e cidadãs.
O professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Cristiano Engelke, graduado em Ciências Sociais e mestre em Ciência Política, acredita que “o erro maior [das políticas públicas] seja não conseguir atacar a causa principal, que é a concentração de riquezas”, pois embora nos últimos anos as classes baixas tenham ascendido economicamente – segundo o professor – ainda há desigualdades. “Enquanto não houver distribuição de renda – o que é fundamental – acho que não se conseguirá fazer a mudança necessária. Eu acredito que esse seja o maior erro, de resto são políticas que vêm sendo tentadas, algumas dando certo outras não. Acredito que até há uma evolução nesse sentido, mas o principal, que é atacar a redistribuição da renda, passando por, fundamentalmente, uma reforma tributária para que quem ganha mais realmente pague mais [impostos]”, complementa Cristiano.
Para toda causa há uma consequência. A violência humana é consequência da exclusão, do preconceito e da exploração das classes mais altas com a classe baixa. Moradores de favelas e periferias encontram dificuldades em serem empregados, pois não têm – muitas vezes – o estereótipo preconceituoso e seleto que a sociedade aceita. Com isso, tentam sobreviver com a miséria oferecida pelos governos. É claro que a criminalidade, em alguns casos, é o caminho – ainda que pareça loucura – mais lúcido. E como quem não soubesse do que se trata, a justiça julga essas pessoas sem considerar a realidade em que vivem. Ao perguntar para o professor Cristiano se existe algum amparo da justiça ao julgar um cidadão por ser pobre, ele diz que “o princípio do nosso Direito é excludente, classista […] com certeza nós temos um sistema jurídico que é desigual. Infelizmente eu não vejo em curto prazo uma possibilidade de mudança, ainda que haja problemas gritantes. Para mim, é inadmissível, por exemplo, foros privilegiados para algumas categorias. Acho que uma democratização do judiciário é cada vez mais necessária.”
Não é somente a ROTA que oprime com sua truculência, mas todas as outras polícias, pois elas estão a serviço do Estado e o Estado está a serviço do capital. No entanto, aos pobres ninguém faz política social e econômica. Apenas em época de campanha eleitoral comprando sua esperança, com promessas possíveis que, em muitos casos, não são cumpridas. Com isso, fica fácil perceber o motivo, mesmo que injustificável, de tanta opressão militar.
O Estado, por servir ao capital, precisa que uma grande parcela da população se sinta fragilizada e sirva de mão-de-obra barata. Se não fosse assim, não seria um sistema capitalista. Para isso, o Estado usa como mecanismo de desenvolvimento do sistema a polícia. Para o professor Cristiano, “a própria esquerda, como um equívoco, associa diretamente violência à pobreza. […] Pois, o problema em criminalizar a pobreza é ver isso só quando a violência atinge a classe média e alta. Se for uma violência que fica restrita à periferia não passa a ser um tema relevante a ser discutido”.
É possível perceber que a UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) é um assunto pouco discutido nas universidades e na grande mídia, principalmente. Pois se trata de uma política restrita às favelas. Segundo o governo do Rio de Janeiro, o projeto UPP é excelente e vai modificar a vida dos moradores das grandes favelas do estado. Mas, a indisposição quanto às práticas militares totalmente injustas nas favelas não deixa crer que a UPP levará segurança para a vida dos moradores. Levando em consideração, também, que não houve preparo significativo da polícia para que sua ação nas comunidades não espelhasse o despreparo que mostram nas ruas.
O projeto prevê educação, cultura e postos de saúde dentro das favelas. Poderia ser uma tentativa de exclusão urbana definitiva dos moradores? Se não há vagas nas universidades e escolas é por que há um erro na maneira de governar. É como se uma cidade fosse criada para separar os pobres dos ricos. Sem, com isso, dar oportunidade às classes mais altas de se desfazerem dos seus preconceitos excludentes e conhecerem a história e a cultura dos outros.
Havendo essa separação, os pobres continuam explorados. Continuarão sendo mão-de-obra barata, sustentando a vaidade – no seu mais podre conceito – das classes altas. Nada mais eficiente e aceitável do que misturar as classes, as cores e as sexualidades. Para que o respeito se torne cotidiano, e as experiências, aprendizados. A evolução vinda da convivência com a diferença, para que a sociedade se torne igual e justa. Para que seja uma escolha da população e deixe de ser uma utopia. Mas que outras utopias façam-se presentes.
Segundo o linguista Noam Chomsky, em uma das suas observações críticas à mídia, uma das estratégias midiáticas para que os seus desejos sejam aceitos pelo público sem que eles percebam os contras da situação foi denominada por ele de “problema-reação-solução”. Explica ele: “Cria-se um problema [aumento da criminalidade nas favelas e periferias], uma ‘situação’ prevista para causar certa reação no público [estatísticas das problemáticas dessa causa social] a fim de que este seja o mandante das medidas que desejam ser aceitas. Por exemplo: […] criar uma crise econômica para forçar a aceitação, como um mal menor, do retrocesso dos direitos sociais e o desmantelamento dos serviços públicos”.
O professor de Jornalismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Fábio Cruz afirma que “no geral, a imagem padrão que a mídia passa é daquele homem branco, de classe média que segue determinados comportamentos, determinados padrões de vida e, nesse sentido, esse ser branco de classe média está atrelado a setores hegemônicos da sociedade. Por outro lado, há setores considerados contra hegemônicos que seriam aquelas pessoas menos favorecidas. E nesse sentido, a mídia muitas vezes trabalha utilizando algumas ferramentas, como, por exemplo, a satanização desses setores contra dominantes da sociedade, de resistência, menos favorecidos”.
A má qualidade da educação no país que – além de ter como educadores pessoas que fazem distinção dos alunos de maneira pouco estimulante – tem como lógica a mecanização da educação e não oferece grandes reflexões e oportunidades de esclarecer as dúvidas em relação aos problemas sociais. Atrelado a isso, há veículos de comunicação dispostos a separar o “certo do errado” e especificar quem representa o lado aceitável e quem representado o lado oposto. “Então, em geral, a mídia trabalha da seguinte maneira: ela reforça uma visão de mundo em que o padrão é aquele ser de classe média, geralmente branco. Em detrimento disso, as pessoas que não se encaixam nesse padrão, são excluídas […] são tratadas como seres que não tem razão de ser”, complementa o professor.
Embora alguns veículos de comunicação se esforcem para que a massa da população não identifique de que lado está, é possível perceber qual causa defendem se observados com um pouco de criticidade. Pois, suas menções são claras e objetivas. Palavras aparentemente inofensivas que colocadas estrategicamente em frases longas para que o seu discurso se torne o discurso das massas. Segundo o professor Fábio, “a mídia, nos seus discursos, reforça estereótipos”, acrescenta afirmando que o sensacionalismo midiático “une dois percursos diferentes como se fosse uma coisa só” e exemplifica: “algum membro da FIFA havia falado outro dia que o aumento do preço dos ingressos nos jogos aqui no Brasil é importante por que diminui os riscos de roubo, de assalto dentro dos estádios”.
Segundo esse raciocínio, todo pobre é ladrão. Ratificado sem interpelações contrárias, esse pensamento pode naturalmente ser adotado pelo telespectador. A generalização que a mídia tradicional faz, causando falta de representatividade política, leva os cidadãos acreditarem que somente com ações duras e repressivas os problemas sociais podem ser resolvidos. Trata-se de uma atitude para atender a interesses exclusivos a uma camada da população. Os mesmos interesses burgueses ligados aos partidos políticos reacionários, violentos e conservadores.
Outra estratégia dos veículos de comunicação convencionais é lançar números nas notícias sem exemplificar a causa deles na vida da população. Fazendo isso, a mensagem é recebida como um alerta sem que se saiba a relevância dela. “Muitas vezes a mídia fornece números sem contextualizar e sem dizer o que está sendo feito. […] Isso é uma tendência da mídia. Ela não trabalha com os ‘comos’ e os ‘porques’. Quando ela lança mão de números, sem contextualizar, informações distorcidas e superficiais acarretam em determinados direcionamentos.” afirma Fábio.
A criminalização da pobreza é feita por grupos reconhecidos economicamente de acordo com seus interesses pessoais e políticos. A partir dessa ação tem-se uma grande parcela da população sem a oportunidade de mobilidade social. Isto é, para que haja ricos necessariamente deve haver pobres e é preciso um número significativo de pobres para manter um número pequeno de famílias com bens quase incontáveis.
Para isso, as condições de vida do morador da favela e de periferias devem ser precárias para evitar que tenha ascensão social. Portanto, são oprimidos para não reivindicarem e estereotipados para causarem desconfiança. Não são criminosos. São vítimas de um sistema mecanizador e armamentista. Galeano certa vez, nos perguntou: “Hoje é o dia contra a pobreza. A pobreza não explode como as bombas, nem ecoa como os tiros. Dos pobres, sabemos tudo: em que não trabalham, o que não comem, quanto não pesam, quanto não medem, o que não pensam, em quem não votam, em que não creem. Só nos falta saber por que os pobres são pobres. Será por que sua nudez nos veste e sua fome nos dá de comer?”.
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*Maiara é estudante de jornalismo na Universidade Federal de Pelotas (UFPel)