Ela entrou na universidade pelo sistema de cotas para indígenas. Wilses de Sousa Tapajós diz que vai se inscrever no Mais Médicos.
Jesana de Jesus, do G1 TO
Wilses de Sousa Tapajós, de 44 anos, é a primeira indígena a se formar no curso de medicina da Universidade Federal do Tocantins (UFT). A colação de grau aconteceu na última sexta-feira (23). A indígena faz parte da primeira turma do curso de medicina da universidade, que iniciou no ano de 2007. Ela ingressou na universidade através do sistema de cotas para indígenas.
Nos seis anos de faculdade, Wilses conta que superou desafios, teve que conciliar estudo, trabalho e família. No dia da colação, um dia antes do seu aniversário, ela recebeu o diploma das mãos do cacique da sua aldeia, Francisco Clodovaldo Tapajós, que também é irmão dela. A família dela, que é do Pará, veio para o Tocantins para comemorar a conquista.
Na década de 90, Wilses já havia se formado em enfermagem pela Universidade Estadual do Pará. Atuou na profissão e se mudou para Araguaína, norte do Tocantins, depois de ser aprovada em concurso público para a função, em 1998. Nove anos depois, se mudou para Palmas, depois de passar no vestibular do curso de medicina da UFT. A universidade foi a primeira da região norte a adotar o sistema de cotas para indígenas, em 2006.
Wilses, que fez o ensino primário em uma escola pública na aldeia Caridade, localizada no território indígena Cobra Grande, em Santarém (PA), diz que não teve dificuldades com a língua portuguesa ao entrar na universidade. A grande dificuldade foi aprender o conteúdo do curso. “Eu ‘apanhei’ na parte básica de conteúdo de biologia. Todos os colegas já tinham conhecimento sobre o assunto porque estudaram em escolas boas. Mas, eu não. Houve momentos que cheguei a pensar: Será que estou no lugar certo?”, desabafa.
A médica conta que conseguiu se adaptar com a ajuda dos colegas já que os seis anos de faculdade não foram fáceis. Wilses passava o dia inteiro na universidade e à noite fazia plantão em um hospital público de Palmas. Ainda durante a graduação, ela resolveu fazer um curso de pós-graduação. Por dois anos, fez o curso on line voltado à saúde indígena. E se durante o dia ela não tinha tempo para se dedicar à pós-graduação, resolveu estudar de madrugada. “Eu comecei a tomar remédio controlado, tive que ir ao psiquiatra, cheguei a usar antidepressivo porque eram muitas as responsabilidades. Tinha a faculdade, a especialização, o trabalho e a família”, relata Wilses que é casada e tem três filhos.
Agora formada, ela olha para trás com orgulho e diz que quer usar a medicina para contribuir com o povo indígena. “O meu desejo de contribuir com a saúde indígena é grande. Vejo alguns indígenas que entram na universidade e se perdem na multidão. Depois de formados não contribuem com seus povos.”
Wilses diz que vai se inscrever no Programa Mais Médicos do governo federal. O desejo dela é ser selecionada para o Tocantins e atuar em um Distrito Sanitário Especial Indígena. “Quanto ao programa tenho duas visões. Só médicos não resolvem o problema, precisamos ter apoio e infraestrutura. Mas acredito que é bom para o médico conhecer a realidade do interior, adquirir experiência. Não vejo como um castigo”, finaliza a índia.