Dourados: Indígenas marcados para morrer valem 10% do preço de uma cabeça de gado PO

“cheguei agora da Terra Indigena Apyka’i… levei lona e algumas roupas… hoje eu vi que nós aqui no Mato Grosso Do Sul não somos vistos como ser humano… porque foram carro de bombeiro pra ajudar a Usina São Fernando, foi policiais, foi assistentes sociais pra ajudar a Usina

foi tudo quanto é tipo de socorro somente pra ajudar o Latifundiario da Usina   enquanto que tem muita criança, mulheres e anciãs que estão passando mal vendo suas casas pegar fogo; os Bombeiros passaram pelo acampamento e não parou pra ajudar… mas socorreram somente a Usina São Fernando que inclusive botou fogo “no lixo”como um dos funcionarios falou”. (Relato enviado por Valdelice Veron a Kuana Kamayurá)

Tania Pacheco – Combate Racismo Ambiental

Ontem um grande incêndio, aparentemente iniciado por uma queimada de refugo no canavial de uma usina, queimou hectares e mais hectares de terra entre as rodovias BR-463 e MS-379, quase chegando a Dourados. O Corpo de Bombeiros e a Polícia trabalharam durante todo o dia, mas o fogo atravessou a estrada, e bairros da cidade (os nomes são informados, mas não interessa aqui) chegaram a ficar sem luz pelo menos até o final da tarde, segundo os jornais locais.

Ainda segundo as notícias, um homem chamado Josias, originário de Pernambuco e que morava faz pouco às margens da BR-463, morreu carbonizado. Há fotos de um policial olhando uma lona que cobriria seu corpo. Também se sabe que uma caminhonete marca Strada foi encontrada batida de frente, não é dito em quê. Segundo outra matéria, nela viajariam dois padres de uma igreja católica de Dourados, que teriam perdido a direção em meio à fumaça e, com o acidente e a ameaça das chamas, optaram por abandoná-la, pegando carona em outro veículo.

Aparentemente, entretanto, a notícia mais dramática e que ocupa mais espaço no Dourados Agora (e é citada por outros) diz respeito aos prejuízos dos ‘produtores rurais’. Além dos ‘canaviais destruídos’, muitos bois teriam morrido, como é dito desde a manchete (Morto em incêndio era andarilho; produtor perdeu quase 40 bois). No corpo da matéria, há mais detalhes:

“No sítio de Walter Beloto cerca de 40 cabeças de boi morreram queimados. Nove deles eram de raça, elite PO.

Por telefone, ele disse ao Dourados Agora que toda a pastagem foi devastada. “Não sobrou nada de pasto. Somente três bois sobreviveram, ainda assim estão com os cascos queimados e andam cambaleando, nem sei se vão viver”, relatou. Outros sítios nas imediações também foram atingidos e a morte de animais é grande. “A casa do sítio só não foi atingida porque está na parte alta da propriedade”, explicou.

Na mesma notícia, há um pequeno parágrafo dedicado a outro tipo de seres:

“Às margens da BR-463 havia também dezenas de barracos de indígenas desaldeados. A maioria deles foi consumido [sic] pelas chamas”.

Só. Sem maiores detalhes. Mas algo a ser registrado, na medida em que, de todos os jornais online que consultei, foi o único a mencionar – ainda que tratando-os como “desaldeados”, sem identificar sua etnia e sem citar a a eles negada Terra Indigena Apyka’i. E – óbvio – numa secura burocrática que contrasta brutal e radicalmente com o informe feito por Valdelice Verón e reproduzido na abertura deste texto.

Em Mato Grosso do Sul, não interessa falar de mais esse sofrimento para Dona Damiana e os demais Guarani-Kaiowá que, acampados à margem da estrada bem em frente às terras que são suas por direito, receberam no início do mês a visita do Secretário Geral da Anistia Internacional, Salil Shetty, junto aos túmulos dos seus mortos (três deles crianças atropeladas na BR). Como não interessou, nesse mesmo dia 7 de agosto, ouvir as lideranças indígenas na coletiva marcada para a tarde, na Aldeia Jaguapiru.

Hoje, outro jornal online, o JL News, acrescenta um dado à notícia do Dourados Agora sobre o gado “de elite PO” morto: “conforme relatou o proprietário, cada cabeça vale mais de R$ 5 mil”.

Segundo denúncia feito ao Ministério Público Federal de Dourados no dia 9 de agosto, parece que a cabeça do cacique Getúlio vale o equivalente a um décimo de um boi de elite: R$ 500. Um valor tão irrisório, que cometi um erro, ao escrever o original deste texto: disse que eram R$ 500 mil, que equivaleriam a cem bois. E essa correção e a consequente comparação tornam tão mais chocante essa história, que não sei como terminar este texto, a não ser pensando na total desumanidade de tudo isso.

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Nota: há duas formas de ajudar à comunidade. Valdelice Verón está recebendo doações no Banco do Brasil, agência 0391-3, conta 61.635-4. Já a Funai informou, através de Gustavo Guerreiro, ter atendido a Dona Damiana e mais outros quatro barracos com cestas e agasalhos, em regime de urgência, mas que ainda não conseguiram as lonas para montar os novos barracos. Como talvez elas só cheguem semana que vem, pedem que doações sejam encaminhadas à FUNAI- Dourados, no endereço Av. Marcelino Pires, 5255. Vila São Francisco. Dourados-MS. CEP: 79833-000. Haverá prestação de contas de todas as doações. Abaixo, algumas fotos.

Foto: Valdelice Verón
Foto: Valdelice Verón
Foto: Valdelice Verón
Foto: Valdelice Verón
Foto – Kauhê Prieto, em Dourado News
Homem que morreu queimado. Foto - Osvaldo Duarte, em Dourado News
Homem que morreu queimado. Foto – Osvaldo Duarte, em Dourado News

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