Reflexos da violência de gênero

skatista_agredida

Tanira Maurer* – Geledés

Um skatista deu uma “skatada” no rosto de uma mulher. Ela brincou dizendo que a mulher dele era bonita, gostosa ou algo assim, e a reação dele foi bater nela. E depois ele publicou um “pedido de desculpas” no Facebook dizendo que está sendo muito prejudicado por isso (!) e pedindo que não levem o caso aos patrocinadores dele. Falando que não queria colocar a culpa na bebida — mas colocando sim. Dizendo que a agressão foi um reflexo. Muitos comentários defendendo o cara, perdoando, coitado, foi sem querer, ele não é assim, vamos pegar leve.

Uma mulher foi agredida, jogada no chão, teve seus dentes quebrados porque se recusou a ficar com um cara, em um bar perto de uma faculdade em Belo Horizonte. Muitas testemunhas contam que ela estava muito bêbada e que o bar inteiro gritava “beija! beija!”, “brincando”. O cara insistindo. Uma hora ela reage e toma uma surra dele. Ninguém ajudou. E muitos, muitos comentários defendendo o cara, falando que ela estava bêbada, que ela estava com pouca roupa, que ele só estava reagindo, que era pra deixar pra polícia cuidar do assunto… Ah, a polícia…

A revista Capricho… Uma matéria do ano passado trata um caso de estupro (a menina conta que o cara forçou o sexo, que era a primeira vez dela, que isso a traumatizou por anos) mas a revista romantiza tudo isso e conta que depois veio o namorado perfeito e cuidadoso. A revista não chama o que aconteceu pelo nome: estupro. Outro caso, de um blogueiro ensinando o que é menina pra ficar e o que é menina pra namorar. Isso não é liberdade de expressão, é liberdade de opressão, é nocivo. Em 2013 esse tipo de coisa ser publicada… Ensinando como a mulher deve ser (e é impossível ser daquele jeito, uma vez que a descrição é extremamente contraditória) pra ganhar esse prêmio maravilhoso que é “ter um macho”. O tipo de mentalidade daquele que escreve pro ‘Orgulho de Ser Hétero’ ensinando qual mulher é para comer e qual é para casar. Categorizando mulheres, julgando mulheres por comportamentos pré-concebidos sobre o que é ser “de família”, sobre o que é “se dar ao respeito”.

Isso só acontece com mulheres. Não há gente colocando mil regras sobre como deve ser a primeira vez de um homem, mas quantos blogs/revistas AINDA estão jogando regrinhas para as meninas. Supervalorizando a virgindade, como se fosse um sinal de valor, um sinal de decência. Reprimindo a sexualidade feminina há milhares de anos.

Mil orientações sobre como a mulher deve se cuidar, que não deve andar sozinha de noite, em lugares escuros, ou como ela deve se vestir. Mulher de burca é estuprada todo dia, mulher com qualquer tipo de roupa é estuprada, isso não é sobre sexo, mas sobre dominação, sobre opressão. Não é a mulher que tem que parar de andar por aí, é o estuprador que tem que parar de estuprar.

E, parecem não saber que estupro não acontece só em um beco escuro, por um desconhecido. Estupro é sexo sem consentimento (beijo, Feliciano) e acontece o tempo inteiro, entre gente casada, entre conhecidos, entre “amigos”, dentro de casa. Esse estuprador existe porque há toda uma cultura do estupro, mas muita gente nega a existência dela. É exaustivo tentar explicar pra quem não quer nem ouvir, conversar com quem acha que há igualdade hoje em dia. É exaustivo falar de slut shaming, ou tentar explicar que uma página que culpabiliza mulheres por sofrerem e por estarem dentro do machismo (Moça, você é machista) está muito enganada.

Uma mulher, dentro de um protesto na Câmara dos Vereadores, viu um fascista assumido conversando com as pessoas. Estavam todos rindo e tirando sarro dele, como se fosse normal um fascista declarado no meio da manifestação de esquerda. Tinha gente falando com megafone no ouvido dele, uma pessoa gravando as merdas que ele falava e por aí vai. Essa mulher fez um cartaz e parou ao lado dele. No cartaz estava escrito “há um fascista aqui” e uma seta pra ele. Em menos de minutos, o cara partiu fisicamente pra cima dela. Foi defendida por alguns militantes, mas o cara ficou violento e passou a seguir ela dentro da ocupação. Se ela ia beber água, lá estava ele. Por sorte dela, ela não ficou sozinha em nenhum momento. Mas outros militantes vieram falar que ela estava errada, que o que ele fez não era agressão, que o fascista não deveria ser retirado, que era a palavra dela contra a dele, porque ninguém viu o que ele tinha feito (e tinha gente filmando). Militantes se juntaram em volta dela pra falar que o camarada não seria expulso (camarada?), que ele não chegou a agredir ela (bom, ela correu, né?). Esse é só um caso, tem muitos, muitos outros parecidos. Daí rola um debate sobre machismo na esquerda e tem gente achando ruim.

Em grupos e páginas, fechadas e abertas, só essa semana, li diversos relatos de agressões físicas e psicológicas que aconteceram em ônibus, metrôs e nas ruas. O homem acha que pode falar o que quiser, porque a mulher está andando na rua para a “apreciação” dele. Acha que pode olhar e se masturbar no meio do metrô – Sim, isso acontece, e muito. As mulheres que reagem são tratadas como “loucas escandalosas” e precisam sair rapidamente do local com medo de serem seguidas pelo agressor.

Isso tudo leva a uma reflexão sobre diversos privilégios, problemas e grupos sociais. Machismo, racismo, homofobia, transfobia, gordofobia, cultura do estupro, misoginia, xenofobia, slut shaming, feminismo e por aí vai. Palavras que as pessoas cansam, que as pessoas ignoram, que as pessoas diminuem, que as pessoas negam. “Tu não tem senso de humor”, “tem coisas mais importantes que isso”, “mas sempre foi assim”. E aí eu sou radical, eu sou chata, feminismo é isso, é aquilo. Só o fato de me responderem que “feminismo é falta de louça pra lavar” já mostra bem como ele é necessário.

Como eu conversava hoje mais cedo, olha dentro de uma agência bancária. Quantos gerentes ou caixas são negros? Quantos seguranças são negros? Olhe para o mercado de TI. Quantos negros tu conheceu nesse mercado? Quantas mulheres? Quantas mulheres negras? Na televisão, na faculdade, no meio científico, no meio literário, no meio empresarial. Faz o “teste do pescoço” com todas as minorias. E vem me dizer que há igualdade entre os grupos depois disso.

Uma travesti é morta com 20 facadas no rosto e tem seu órgão sexual decepado e a mídia fica calada. Nas novelas, gordofobia rola solta. Uma novela que eu mesma achava engraçada no passado está aí propagando que feminismo é uma problema que se resolve com um “bom macho”.

Um auê inteiro por causa do tipo de depilação de um ensaio da Playboy. Um rapaz matou a namorada com 50 facadas no sul de Minas Gerais e falou que “não se contentava com o fim do relacionamento”. Isso não é violência por violência. Isso é violência de gênero. Isso é cultural. Isso é achar que tem poder de decisão sobre a mulher. Isso não é de hoje. Esse não foi um caso único.

Sim, skatista agressor, foi um reflexo mesmo. Foi um reflexo dessa porcaria toda. Bah, tá foda.

*Não é blogueira, mas é feminista e crazy cat lady. Trabalha com design e gosta de ver jogos de tênis. Esse texto foi publicado originalmente em sua página do Facebook. Fonte: Blogueiras Feministas

Enviada para Combate Racismo Ambiental por José Carlos.

Comments (1)

  1. Lamentável e revoltante!
    Sou mãe de dois filhos. Ambos sabem que as atividades domésticas são compartilhadas, sou mãe ñ empregada! Sabem e tem o exemplo em casa que em uma mulher JAMAIS se encosta a mão o objetivo de machucá-la…
    Percebo também que muitas mães ao educarem os meninos, se portam como machistas.
    Triste…

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