Garimpeiros expulsos voltam a explorar terras indígenas, denunciam Yanomamis

Ianomâmis vivem na região amazônica do Brasil e da Venezuela
Ianomâmis vivem na região amazônica do Brasil e da Venezuela

Exploração ilegal em busca de ouro assola terra indígena dos yanomamis, que estimam em quase 3 mil os garimpeiros atuando ilegalmente na região. Suspeita é que metal abasteça sobretudo indústria de eletroeletrônicos

Por Elaíze Farias, em Deutsche Welle

A maior terra indígena do Brasil, a dos yanomamis, é também a mais visada pelos garimpeiros. Segundo estimativas da Fundação Nacional do Índio (Funai), cerca de 1.200 a 1.500 deles transitam atualmente, de forma ilegal, pelo vasto território em busca de ouro.

Na conta dos próprios índios, o número de garimpeiros na região é muito maior. Em um relatório elaborado recentemente pela Hutukara Associação Yanomami (HAY) e obtido com exclusividade pela DW Brasil, pelo menos 2.700 vasculham o solo atrás de ouro. Dário Yanomami, coordenador da entidade, estima que 80% dos garimpeiros expulsos das terras nos últimos dois anos já retornaram à atividade apenas um mês após sua retirada.

Operações de desativação de garimpo, destruição de equipamentos e prisões, que se intensificaram nos últimos dois anos, não têm sido suficientes para acabar com a extração ilegal.

“Garimpeiro é bicho mal acostumado. É igual cupim. A gente manda embora e ele volta. São viciados, doentes”, disse à DW o principal chefe yanomami, Davi Kopenawa, que pede medidas mais rigorosas, que vão além de desativação de garimpo.

Reserva Yanomami vista de cima
Reserva Yanomami vista de cima

Riqueza debaixo da terra

A Terra Indígena Yanomami ocupa mais de 9 milhões de hectares nos Estados de Roraima e Amazonas. Os yanomamis, com uma população de 25,7 mil pessoas, e os yekuanas, em menor número, dividem a área. Além do Brasil, os yanomamis também vivem na Venezuela.

A riqueza de minérios no subsolo da terra indígena atrai garimpeiros desde os anos 1970. Na década de 80, segundo os índios mais velhos, o número de garimpeiros chegou a 40 mil. Os yanomamis listam os danos provocados pela presença indesejada: contaminação de rios por mercúrio, poluição, doenças transmitidas pelos invasores e até massacres.

O ato violento de maior repercussão aconteceu em agosto de 1993, em Haximu, perto da fronteira com a Venezuela, em que pelo menos 80 indígenas morreram.

O destino do ouro retirado ilegalmente também é outra incógnita para os índios, segundo Dário. Em outro documento da HAY, distribuído internamente nas línguas portuguesa e yanomami, os indígenas perguntam:

“Para onde vai o ouro que sai da Terra Yanomami? Para São Paulo? Para a Europa? A Polícia Federal ainda não encontrou chefes poderosos do garimpo”, questiona.

Segundo estimativa dos yanomamis, todos os meses são comercializados cerca de 30 milhões de reais de outro em Roraima, Estado que concentra a maior parte da população da etnia. Localmente, os maiores beneficiados são comerciantes que vendem equipamentos para os garimpeiros, em uma atividade que, de acordo com Dário, não é investigada pelos órgãos de segurança ou apurada pela Justiça.

Armindo Góes, da HAY, alerta para as constantes quebras nas operações. Para ele, os longos intervalos incentivam o retorno dos garimpeiros. Os métodos desses trabalhadores ilegais também mudaram.

“Eles não derrubam mais as árvores. Trabalham camuflados para que as vigilâncias não os encontrem. Se algum avião passar, ninguém vai ver. Esse é o relato que os nossos yanomamis que estão nas aldeias nos falam”, disse Armindo.

Aliciamento de jovens yanomami também é problema
Aliciamento de jovens yanomami também é problema

Território imenso e pouco dinheiro

João Catalano, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami/Yekuana, ligada à Funai, afirma que essas ações têm ajudado a reduzir a presença de garimpeiros – mas não se esquiva das dificuldades apontadas pelos indígenas. Catalano admite que a falta de recursos financeiros é a principal barreira.

Segundo João Catalano, as dimensões dessa terra indígena no Brasil e a dificuldade de acesso nas áreas – apenas por rio e pela mata – precisam ser superadas com recursos financeiros suficientes. Há dois meses, o governo brasileiro suspendeu o repasse de 150 mil reais que seriam destinados às novas operações. O dinheiro também seria usado na construção de uma nova base na via de acesso das balsas dos garimpeiros. Outros 300 mil previstos, até o final deste ano, também estão incertos.

Em atividade desde 2011, a Frente de Proteção Etnoambiental Yanomami/Yekuana tem tido muito trabalho para conter o garimpo ilegal. “Em 2011 traçamos um plano de ação de combate ao garimpo que vigoraria quatro anos, mas para fazermos um trabalho mais efetivo precisaríamos no mínimo de 4 milhões de reais anualmente”, declarou Catalano.

Os problemas não se restringem ao garimpo. “Temos problema de fazendeiro que ocupa a terra indígena, com exploração de trabalho escravo. A gente tem 18 funcionários para trabalhar nessa área toda”, justificou, alegando que precisaria de, no mínimo, 130 pessoas. “Mas os yanomami nos apoiam e contamos com a ajuda do Exército”, relatou.

Maloca em Watoriki, próxima a Serra do Vento
Maloca em Watoriki, próxima a Serra do Vento

Por trás do ouro

Sobre o destino do ouro retirado, João Catalano disse que tem informações de que a maior parte é enviada para outros Estados brasileiros, sobretudo São Paulo, e segue para o exterior. Uma das rotas também é via Guiana Francesa, que faz fronteira com o Brasil.

“O ouro não é usado apenas em joias, mas principalmente em produtos da indústria eletroeletrônica. Por isso a gente sabe que as grandes corporações compram este ouro e ganham muito dinheiro. O garimpeiro que está lá na terra indígena é que tem menos benefício. Ele extrai e vende, mas 70% do ouro fica para o dono da máquina e para quem financia ela”, explica Catalano.

A ação ilegal teria fim com mais injenção de recurso, defende. “Se tivermos um avião permanente e dinheiro suficiente, eu garanto que a gente elimina a atividade em dois anos. Mas, para isso, o governo tem que garantir dinheiro, e não recolher”, alerta.

PF diz que atua na repressão
Consultada, a superintendência da Polícia Federal em Roraima se manifestou por meio de nota enviada pela sua assessoria de imprensa. A autoridade diz que “há anos atua na repressão do garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami, junto com a Funai e o Exército”.

Para evitar o retorno dos garimpeiros, o órgão diz que atua de forma articulada e conjunta com outros órgãos públicos, dentro de sua esfera, para conseguir “os melhores resultados possíveis no combate aos delitos transfronteiriços”.

“A Funai, o Exército e a Polícia Ambiental da Polícia Militar de Roraima efetuaram diversas prisões em flagrante, lavradas pela Polícia Federal, de modo a dar continuidade à repressão ao Garimpo Ilegal na TI Yanomami. A reincidência penal ocorre em delitos de qualquer natureza e com garimpo ilegal não é diferente”, disse a nota, que não forneceu mais informações sobre as ações para acabar com a logística que financia o garimpo.

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