Por Renato Santana, de Brasília (DF), Cimi
A Fundação Nacional do Índio (Funai), órgão vinculado ao Ministério da Justiça, suspendeu o levantamento fundiário da Terra Indígena Xukuru-Kariri, situada em Palmeira dos Índios, Alagoas. Por meio do memorando nº 876, do Departamento de Proteção Territorial, despacho do último dia 16, a Funai alegou falta de recursos para a execução do trabalho por conta de decreto publicado no dia 29 de julho, que alterou limites e movimentações de despesas no âmbito do Ministério da Justiça.
O governo federal, até este mês, executou apenas 7,9% do total de recursos liberados pelo Orçamento da União – 2013 para ‘Delimitação, Demarcação e Regularização de Terras Indígenas’. De R$ 23.942.811,00, a Funai liquidou R$ 1.910.431,58, conforme dados disponibilizados pelo Ministério do Planejamento. Desse modo, a alegação de falta de recursos não convence os Xukuru-Kariri.
“Sabemos que o Ministério da Justiça acatou os pedidos dos senadores Fernando Collor e Renan Calheiros; do deputado federal Renan Filho e do estadual Edval Gaia, além do prefeito de Palmeira dos Índios, James Ribeiro, sendo que esses dois últimos são posseiros e invasores da terra indígena. Falta de dinheiro não é o motivo”, disse um indígena, que aqui não identificamos por razões de segurança.
Para os Xukuru-Kariri, o argumento de que a pressão política está por trás da suspensão do levantamento fundiário se reforça no fato de que entre os dias 18 e 20 de julho, durante reunião entre os indígenas e a Funai, em Maceió, capital do estado, uma planilha de R$ 250 mil foi apresentada garantindo a locação de veículos, combustível, estadia e diária de servidores. “Estava pago, tudo garantido. Como podem dizer que não há recursos?”, questiona a liderança.
No último dia 8, o presidente do Senado Federal, Renan Calheiros (PMDB/AL), encaminhou ofício ao ministro Cardozo pedindo uma mesa de diálogo para tratar do conflito fundiário em Palmeira dos Índios. O senador também se encontrou com Cardozo e a ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, em Brasília, junto com o prefeito de Palmeira. A defesa de Calheiros é que a interlocução de tais conflitos atenda os parâmetros fixados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no caso da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Pouco mais de uma semana depois do encontro entre ministros, senador e prefeito, a Funai enviou o memorando para a regional de Alagoas determinando a retirada dos servidores do trabalho de campo na Terra Indígena Xukuru-Kariri, já identificada como de ocupação tradicional.
O levantamento fundiário é parte do processo demarcatório, ao lado dos estudos antropológicos e ambientais. O objetivo é analisar quantas propriedades estão dentro da terra indígena, seus donos, registros em cartório, cadeia dominial e se as ocupações são de boa ou má-fé. Com a suspensão do trabalho, o procedimento de demarcação está paralisado.
Manifestação
Há 34 anos os Xukuru-Kariri lutam pelas terras do povo. A primeira retomada ocorreu em 1979. Os indígenas batalham por sete mil hectares, sendo que o primeiro levantamento da Funai dava conta de 36 mil hectares. A redução ocorreu de forma paulatina. De 2011 para cá a comunidade realizou três retomadas de pouco mais de200 hectares. Todas tiveram reintegração de posse decretada pela Justiça e a consequente resistência dos indígenas.
No último final de semana, o povo esteve reunido em assembleia para discutir a suspensão do processo demarcatório e os rumos da luta pela terra. Uma das decisões será cumprida nesta terça-feira, 20, com manifestação do povo pelas ruas de Palmeira dos Índios. Para isso, os Xukuru-Kariri divulgaram uma carta com os motivos da mobilização e um recado público ao governo federal.
Leia a carta na íntegra:
Carta do Povo Xukuru-Kariri
“Hoje sabemos o lugar que
queremos ocupar na história do país”
Maninha Xukuru-Kariri
Nós, da Etnia Xukuru-Kariri viemos tornar público o desrespeito que vem acontecendo com o nosso Povo, uma vez que políticos, fazendo uso abusivo da política, latifundiários e empresários têm usado os meios de comunicação para tornar invisível nossa luta, incitando a violência da sociedade contra a demarcação de nosso território tradicional.
Os mesmos têm ocultado e distorcido a verdade. Sabemos que tudo isso é um jogo político, que fere a Constituição Federal do Brasil, de modo especial o artigo 231, pois o mesmo garante que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos seus bens”. A constituição também garantiu em seu Art. 67 que “a União concluirá a demarcação das terras indígenas no prazo de cinco anos a partir da promulgação da Constituição”.
O decreto 1.775, de 08 de janeiro de 1996, que regulamenta o procedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, determina no art. 4º, que o INCRA, realize o reassentamento dos ocupantes não índios de boa fé, bem como, a justa indenização pela FUNAI. Dessa forma, os direitos de todas as pessoas, indígenas e não indígenas, são assegurados em lei, como forma de realizar a justiça e promover a paz.
Através de campanhas difamatórias, veiculadas pela imprensa controlada pelos ricos invasores de nossas terras, estamos sendo acusados de atrasar o progresso do município. Como? Pois, preservamos 200 hectares de mata atlântica e 300 hectares de caatinga, Rios e nascentes existentes dentro de nossas aldeias, abastecem parte da população. Produzimos mais de 70% da banana que é vendida na feira livre de Palmeira dos Índios: macaxeira, batata, frutas, hortaliças, além da produção e conservação das sementes crioulas. Criamos pequenos animais, como aves, cabras e suínos. Fornecemos alimentos agroecológicos para o programa do governo federal PAA – Programa de Aquisição de Alimentos, com Doação Simultânea, além do PNAE – Programa Nacional de Alimentação Escolar, ampliando assim o abastecimento de uma alimentação saudável a população do município de Palmeira dos Índios. E os fazendeiros, produzem e conservam o quê?
O processo de demarcação vem atender a um direito originário dos Povos Indígenas, que lhes é garantido na constituição federal de 1988 e assegurado pela convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT assinada pelo estado Brasileiro em 2004. Com isso, a Portaria declaratória nº 4.033 de 14 de dezembro de 2010 garante e reconhece a tradicionalidade de uma área 7.033 ha. Neste contexto, a FUNAI órgão do Governo Federal, atendendo uma demanda histórica de nosso Povo, deu inicio ao processo de regularização fundiária Xukuru-Kariri, no entanto devido ao clima de terror e ameaças instaurados pelos políticos locais, a FUNAI, submetendo-se aos conchavos políticos partidários, suspendeu as atividades, retirando o grupo técnico, responsável pelo levantamento fundiário, o que paralisou os trabalhos de levantamento, de vistoria e avaliação de benfeitorias construídas por ocupantes não índios na terra indígena, através do simples memorando de nº876/DPT/2013 do diretor de proteção territorial – substituto.
Repudiamos a postura arbitrária do Governo Federal, através da FUNAI e convocamos a toda sociedade civil e organizada para apoiar a luta pela regularização da terra Xukuru-Kariri, onde juntos, exigimos o imediato retorno da equipe.
Palmeira dos índios, Alagoas, 18 de agosto de 2013.
Povo Xukuru-Kariri