Egon Heck e Laila Meneze, Cimi
Tem centenas de filhos de hansenianos me esperando. Eles também merecem atenção. Preciso ir. Tem uma delegação de ruralistas me esperando. Eles querem conversar. Precisamos dialogar com todos. Preciso ir, pois tem um grupo de trabalho que está buscando aperfeiçoar o processo de demarcação das terras indígenas. Preciso estar lá. Tem agricultores do Paraná que querem conversar sobre a demarcação de terras indígenas. Preciso ir. Cheguei um pouco tarde, estava em outra agenda, mas vim aqui pois não poderia deixar de estar com vocês. A palavra de ordem é dialogar, evitar conflitos, superar tensões, nada de desgastes . ” E nada de soluções!”
Mas, ministros, vamos ao menos tirar uma foto juntos, insistiram alguns indígenas! Concordaram, mas cada um saiu correndo para um canto. Como por encanto, sumiram.
O que a delegação de 16 povos indígenas sentiram, na audiência no Palácio do Planalto, com os quatro Ministros – da Justiça, Casa Civil, Advocacia Geral da União AGU e Secretaria Geral da Presidência da República, é que os Ministros têm pressa. Tem que dar o recado, mostrar que existe unidade no pensamento e ação do governo, deixar claro que o governo não está contra os índios, mostrar os grandes feitos, deixar todos satisfeitos, aparentemente e… sumir. As palavras de ordem dos ministros são negociar, dialogar, evitar judicialização e conflitos, governar para todos.
O ministro da Justiça afirmou que agora parece ter sido encontrado o caminho da solução: a mesa de negociação. Já está implantada no Mato Grosso do Sul. Logo mais será instalada no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. E se dirigindo diretamente aos caciques dos 16 povos indagou: por que não seguir o mesmo caminho na Bahia? Vocês topam? Se quiserem, ligo imediatamente para o governador Jaques Wagner e marcamos logo o encontro para instalar a Mesa de Negociação na Bahia. Os indígenas, surpresos com a apressada proposta do governo, não se manifestaram a respeito. Iriam consultar os demais participantes e as comunidades. Porém, como o ministro da Justiça não mostrou nenhuma vontade de assinar as portarias das terras indígenas da Bahia, que estão em sua mesa, numa avaliação posterior, REPUDIARAM a criação dessa mesa de diálogo. “Direito não se negocia. Se houver boa vontade e boa fé por parte do governo, cumpra seu dever constitucional, assine as portarias, e depois sentaremos à mesa para dialogar”.
A ministra Gleisi Hoffmann se esmerou em afirmar que não é verdade que o governo é contra os índios ou que existam posições contraditórias dentro do próprio governo sobre os direitos indígenas. “Temos que ouvir todas as partes, somos governo de todos!” Será?
Resultados, decepções e indignação
Semana da Bahia nativa em Brasília. Os 150 indígenas de 16 povos que vieram da região, do início da invasão, cobrar seus direitos e manifestar sua indignação com a conduta do Estado brasileiro com relação a seus direitos deixaram Brasília essa madrugada, cansados, mas com a certeza do recado dado. Foi uma semana intensa de informação e formação política, no coração do poder. Fizeram muito toré, invocaram os encantados, os seres de luz, Tupã, na esperança de arrancar algumas posições favoráveis às suas inumeráveis reivindicações de direitos. Participaram e falaram em duas audiências publicas, tiveram encontros em vários ministérios e órgãos, fizeram várias manifestações nas praças e dentro dos espaços das atividades.
Entregaram cartas, documentos, fizeram falas duras, deram voz à indignação e revolta. “A invasão que começou em nossa região, há mais de 500 anos, continua hoje. Por que o governo não cumpre a lei que fizeram?, indagaram várias vezes diante dos presidentes da Funai, do Incra, do ICMBio, da Sesai, da Secretaria Geral da presidência da República.
Muitas desculpas e promessas esfarrapadas , tergiversações e afirmações desalmadas. Diante das pressões e cobranças, parece que o governo se entrincheirou no vazio da negociação, no diálogo para evitar o conflito, no ganhar tempo e evitar desgaste num aberto jogo de interesses eleitorais.
Os melhores resultados ficaram por conta de uma semana de visibilização da causa e luta dos povos indígenas, no Brasil, e de forma especial, na Bahia, onde a invasão começou. Tupã ,os encantados e os iluminados minoraram os sofrimentos de horas e horas em um transito caótico, ou transitando nos espaços do poder.
Homenagem, solidariedade e saudade
Irmã Lucinda Moretti (71) , que trabalhava com as comunidades indígenas Kaiowá Guarani, nos deixou repentinamente dia 16, quando sofreu um grave acidente com o carro em que retornavam para a cidade de Juti. Lutadora incansável, marcava também presença solidária junto a acampamentos dos sem terra. Nossa solidariedade aos seus familiares, à Congregação das Irmãs de São José, ao Cimi MS e aos familiares e amigos de nossa inesquecível guerreira Irmã Lucinda.
Nosso apoio solidário também aos Tupinambá da Bahia que nesses dias retornaram a vários espaços tradicionais, de seu território, estando a sofrer pressões e ameaças.