BA – Quingoma afirma-se como remanescente de quilombo

Certificação sinaliza melhoria de vida para cerca de 3,5 mil moradores
Certificação sinaliza melhoria de vida para cerca de 3,5 mil moradores. Foto: Margarida Neide (A Tarde)

Por Flávia Faria em A Tarde

É com orgulho e alegria que Rejane Rodrigues, de 28 anos, fala da certificação da comunidade de Quingoma, em Lauro de Freitas, como remanescente de quilombo. O título, que foi entregue na semana passada pela Fundação Cultural Palmares, traz para a líder comunitária a esperança de melhorias sociais para  os cerca de 3,5 mil moradores.

Em Quingoma, não há posto de saúde, as escolas são distantes e o transporte público é bastante escasso. O acesso é difícil, possível apenas por uma estrada de barro que se torna impraticável no período de chuvas.

Por determinação federal, os municípios com remanescentes de quilombos recebem mais verbas para saúde e educação. Isso acontece especialmente para que estes possam dar conta das necessidades dos quilombolas. “Já perdi uma tia porque a ambulância que chamamos demorou horas para chegar”, lamenta Rejane.

Cultura – Mas nem só de tristeza vive a comunidade. Em 2005, um grupo de moradores decidiu resgatar uma das maiores tradições de Quingoma: o samba de roda. “Antigamente, os maridos iam caçar e pescar e, na volta, fazíamos o samba de roda. Sambávamos o dia inteiro. Era bom demais!”, conta a aposentada Ednalva dos Santos, de 63 anos.

Hoje, o grupo  faz apresentações em festas e outros eventos. “Foi com o samba que fomos vistos. Foi através dele que as pessoas começaram a ouvir falar de Quingoma”, diz a pensionista Raquel Pereira, de 48 anos.

No futuro próximo, os moradores querem resgatar as casas de farinha e a agricultura familiar. “Cresci ralando mandioca, para fazer farinha. Queremos reativar essa tradição e fazer disso a nossa fonte de renda”, afirma Rejane.

Para que isso aconteça, a comunidade precisa da regularização dos títulos de propriedade, próximo passo depois da certificação. Devido à expansão imobiliária em Lauro de Freitas, os moradores temiam perder suas terras. “O mais importante é o reconhecimento de que somos donos da terra”, diz  a líder comunitária.

Certificado não garante a regularização fundiária

Diretor do Departamento de Proteção ao Patrimônio Afro-Brasileiro da Fundação Cultural Palmares (FCP), Alexandro Reis fala sobre o processo de certificação das comunidades remanescentes de quilombos.

Quais as características que uma comunidade precisa ter para que seja considerada remanescente de quilombo?
O reconhecimento pressupõe uma determinação da Constituição Federal brasileira, que é o direito de o sujeito se autodefinir. A partir desse critério, a  FCP considera ainda o histórico da comunidade.

Como funciona o processo de certificação? O que é preciso?
O procedimento obedece ao seguinte rito: a comunidade tem que fazer assembleia com a maioria dos membros e produzir ata. Deve juntar ainda fotos, registros, estudos e histórico  para solicitar o pedido de certificação. É um processo em que a comunidade se autodefine a partir de uma decisão coletiva.

O certificado  garante a regularização do território?
Não, a FCP trata do reconhecimento étnico e identitário da comunidade. É o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) que vai tratar da regularização fundiária.

É necessário obter a certificação da FCP para solicitar a regularização ao Incra?
Sim. Se for do interesse, a comunidade pode solicitar que o Incra abra o processo de regularização fundiária. Essa etapa envolve um estudo mais profundo, com laudo antropológico e estudo socioeconômico para que obtenham o título definitivo do território.

Quais os benefícios para a comunidade?
A comunidade passa a ter visibilidade por parte do poder público. Além das políticas de preservação  cultural, o governo federal impôs uma série de programas sociais ligados a  habitação, infraestrutura,  educação e   saúde nos municípios com comunidades quilombolas certificadas.

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