A Retomada e a Autoridade das Ruas
A luta pela retomada do território indígena da Aldeia Maracanã começou em 20 de outubro de 2006, data em que ocupamos (retomamos), pela primeira vez, esta terra, culminando, assim, na resistência contra a invasão militar e a remoção arbitrária e violenta do Estado em 12 de janeiro e 22 de março deste presente ano. Esta luta envolve ações de caráter jurídico, na Justiça Federal, de articulação político-social com os movimentos de resistência e de Ação Direta nas ruas. Nós, do Movimento Aldeia Maracanã Resiste!, participamos ativamente da organização e das ações de protesto nas ruas, desde então, nas iniciativas de reocupação. E entendemos que foi este movimento quem criou as condições concretas de retomada da Aldeia, pelo movimento de resistência indígena! Até que, finalmente, na última segunda-feira, 05 de Agosto de 2013, retomamos este território ancestral.
O Impasse
Como vimos acima, a luta pela retomada deste território indígena ancestral é anterior ao anúncio da cessão, pelo governo estadual, do espaço para destinação à cultura indígena. A reocupação era iminente e já vinha sendo marcada há algumas semanas, em consonância com o andamento da ação de reconhecimento de posse, uso e gestão indígena deste território na Justiça Federal pelo CESAC e em articulação com os movimentos sociais.
Após o anúncio do governo do Estado (acima citado), por intermédio de sua Secretária de Cultura, vimos participando do debate aberto sobre a posse, o uso e gestão deste espaço. Porém, reconhecemos a existência de um impasse, devido a posições políticas antagônicas assumidas pelo Estado contra a Resistência quanto à posse da terra (sua estadualização ou reconhecimento como terra de usufruto indígena), seu uso e gestão (concessão privada ou uso e gestão comunitária indígena). Para a cultura indígena, este território não tem valor de troca, é, portanto, inalienável, como bem comum, de natureza pública!
Presente de grego (Cavalo de Tróia)
Enfim, o anúncio desta ‘destinação cultural indígena’ do espaço da Aldeia Maracanã, como um presente de grego, traz consigo algumas pré-condições, conforme o anunciado pela Secretária Estadual de Cultura, que são motivo de antangonismos:
1. A aceitação e o reconhecimento tácito e expresso da legitimidade da transferência de propriedade da terra, da União para o Estado;
2. Que o espaço não seja utilizado para fins de moradia;
3. Que sua gestão seja concedida através de concessão ou terceirização de organizações socias privadas (privatização).
Estas “pré-condições” requerem do Movimento Indígena que desista de seus princípios de formação cultural que reconhecemos como inalienáveis, como o princípio do bem comum e da ancestralidade (historicidade) de nossa relação com o espaço.
O Mito
Ou seja, este impasse (acima citado) não está fundamentado em disputas de interesses privados ou inter-étnicas (culturais), mas reproduz a estratégia secular de conquista colonial na atualidade de “dividir para governar”, ou seja, controlar e manipular”. O impasse está situado em diferenças concretas de posicionamento político cultural, entre a rendição às “prerrogativas” ideológicas do Estado capitalista, de privatização e opressão, e a defesa de princípios político culturais indígenas ancestrais, de uso comunitário, ancestralidade (historicidade), e auto-gestão.
Mais do que isto, a luta, a resistência da Aldeia, também está consagrada, como condição de possibilidade, em uma aliança com os movimentos sociais de resistência anti-sistêmica locais, nacionais e internacionais.
Contudo, esta aliança está assentada sob o protagonismo indígena territorializado, que assume toda a responsabilidade e direção pela organização das ações na Justiça e de retomada da Aldeia, como a Ação Direta de luta por nossos direitos ancestrais! Denunciamos, portanto, como falsa, qualquer tentativa de atribuir nossas ações, nossa interpretação da realidade e nossas perspectivas de luta à intervenção “branca”, de outros sujeitos ou movimentos não-indígenas.
Entendemos como reducionismo, senão como racismo etnocida, qualquer tentativa de desqualificação dos movimentos sociais ‘não-indígenas’ como de ‘brancos’ ou de ‘intervencionistas’. Mas, entre os não-indígenas do governo do Estado, do capitalismo, e os “não-indígenas” dos movimentos nas ruas, fechamos, de forma incondicional, como nossos parentes historicamente minorizados, favelizados, de ocupações, outras aldeias, quilombos, trabalhadores, movimento feminista entre outros, de resistência ao modelo de desenvolvimento capitalista dominante e de cidade (sociedade) global capitalista de exceção.
Na resistência da Aldeia Maracanã, somos todos indígenas, nos compreendemos, com o exemplo dos Mapuches do Chile, que o reconhecimento da cultura e das relações sociais a partir das comunidades de resistência deve ampliar as possibilidades de reinvenção, também como “indianização”, do mundo.
A Perspectiva das Lutas
Definimos nas primeiras Assembleias da Retomada o reconhecimento da análise da conjuntura e perspectivas do movimento nas ruas, de que participamos, em toda sua radicalidade, e em defesa da nossa liberdade política e cultural, e contra toda forma de estigmatização e preconceito contra nossas companheiras, como relação de fraternidade na luta, formação de classe, pela reinvenção da política em sua retomada às ruas, pela constituição de Assembleias Populares de base territorializada; o questionamento da legitimidade dos órgãos de dominação do Estado e do Capitalismo, como resistência contra-cultural, na Ação Direta…
Defendemos, neste sentido, os princípios de auto-governo e constituição, em regime de democracia direta, livre-colaborativa, de uma Universidade-Aldeia Indígena, neste espaço ancestral, orientado por seus protagonistas; e convidamos todas as lutas para este desafio, de construção participativa de um Projeto Político-pedagógico, de um Plano Arquitetônico e de Reforma, Modo de produção e Gestão público-comunitária deste espaço, exercendo o protagonismo dos usos, costumes e tradições indígenas.
Defendemos a Revogação do processo de compra e venda, pelo Estado junto a União (estadualização) deste território indígena e a Reconstituição do caráter público-comunitário, deste, seu uso fruto comum e autogestão.
Defendemos a Revogação da concessão privada do Complexo do Maracanã, que inclui o território da Aldeia Maracanã.
Defendemos, junto à SEC/Estado e à Justiça, toda a extensão (14,3 mil m2) deste território indígena, como espaço de construção coletiva do conhecimento, cultura, e religiosidade indígena, e público-participativa, de auto-gestão coletiva.
Requeremos a atuação, em consonância com seus princípios constitucionais constitutivos, da FUNAI e do Ministério Público Federal, na defesa dos direitos indígenas e de cidadania.
Defendemos o direito de expressão política dos coletivos que formam a Aldeia Maracanã e estamos juntos na resistência ao projeto dominante de desenvolvimento capitalista; Pare o Belo Monte!; Contra a Violência etnocida e pela demarcação das terras indígenas Guarani-Kaiowá, do Santuário dos Pajés, e de todos os povos indígenas. quilombolas, de pescadores artesanais, e tradicionais em geral!; Pare a TKCSA!; Pare o Porto do Açu!; Não ao Porto de Jaconé!; Não ao Uso do Rio Guaxandiba pelo Comperj!; Pare a repressão militar do Estado e das milícias! Pare as Remoções Já! Contra o sistema de reprodução da cidade global capitalista de exceção!
Lutamos contra todas as iniciativas e projetos legislativos que representem perspectivas de retrocesso quanto aos direitos indígenas consagrados pela Constituição de 1988, como a PEC 215.
Defendemos o respeito aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos, de Direitos dos Povos e das Minorias Étnicas e Sociais, como a resolução 169 da OIT.
Convidamos a Sociedade, as Aldeias e Povos Indígenas a considerarem sobre a importância da luta da Aldeia Maracanã para a causa indígena internacional e como perspectiva estratégica de enfrentamento, negação e superação das atuais condições de existência no capitalismo, em diálogo com os saberes indígenas ancestrais e com os movimentos nas ruas.
Convidamos os movimentos, coletivos, organizações artísticas, culturais, e de luta política anti-fascista e anti-sistêmica a participar desta luta na Aldeia, na contra-mão dos que nos querem ver isolados, como “bons selvagens”. Tomamos em nossas mãos dadas a necessidade de aprofundarmos nossas relações de fraternidade na luta, e convidamos a todos a ocuparem a Aldeia, participando da construção de nossa programação, propondo temas, encontros, reuniões, eventos culturais, etc… Vamos resistir juntos, Por um novo projeto de gestão, como o auto-governo, não-privada, público-comum, deste território indígena, isso é possível!
Vamos juntos, de mãos dadas!
Aldeia Maracanã (R)Existe!