‘Carta Maior’ começa hoje a publicar uma série de reportagens de balanço sobre o governo Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro. Este primeiro texto discute a própria figura do governador. Entre o desenvolto Cabral que foi reconduzido ao cargo ao conquistar impressionantes 5,2 milhões de votos, no primeiro turno das eleições de 2010, e o acuado governante que vem sendo, nas últimas semanas, o principal alvo de manifestações de rua, o tempo expôs um roteiro de pecados
Por Maurício Thuswohl – Carta Maior
Rio de Janeiro – Poucas vezes na história brasileira um governador de um estado tão importante, democraticamente eleito e reeleito e com bons resultados na economia e em outros setores de grande apelo como segurança pública, despencou de tão alto e em tão pouco tempo em termos de popularidade e prestígio político. Entre o desenvolto Sérgio Cabral que foi reconduzido ao governo do Rio de Janeiro ao conquistar impressionantes 5,2 milhões de votos no primeiro turno das eleições de 2010 e o acuado governante que vem sendo, nas últimas semanas, o principal alvo de manifestações de rua que já extrapolaram as fronteiras fluminenses, o tempo expôs um roteiro de pecados. Este inclui, entre outras coisas, as denúncias de envolvimento com a empreiteira Delta, os atritos provocados pelo processo de concessão do Maracanã à iniciativa privada, a ausência em momentos de tragédia que afetaram a população e o desgaste da principal bandeira do governo: a política de instalação de Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) em áreas da capital antes controladas pelo tráfico de drogas.
O tamanho do tombo político de Cabral pode ser medido. Os eleitores do Rio de Janeiro, em outubro de 2010, lhe deram 5.217.972 votos no primeiro turno, o equivalente a 66,08% da preferência do eleitorado, naquela que foi a mais esmagadora vitória eleitoral da história da disputa pelo governo estadual. Menos de três anos depois, em pesquisa de opinião realizada pelo Ibope após as grandes manifestações de rua de junho, o índice de aprovação de Cabral, de apenas 12%, foi o pior entre onze governadores avaliados pelo instituto a pedido da Confederação Nacional da Indústria (CNI). O governador do Rio também foi o que obteve menor índice de aprovação dos eleitores nos quesitos “confiança”, com 25%, e “maneira de governar”, com 29%. Tal resultado reflete o atual estado de fragilidade política de Cabral, simbolizado pelas manifestações diárias que se transformaram em cerco à sua residência no bairro do Leblon.
Embora tenha se acentuado após as manifestações, a queda na popularidade de Cabral não aconteceu da noite para o dia. Dois episódios ocorridos em seu segundo mandato foram considerados pela maioria da população do Rio de Janeiro como particularmente desgastantes para seu governador, segundo o assinalado por pesquisas de opinião. O primeiro deles foi a ausência de Cabral após a tragédia das chuvas que provocou a morte de 900 pessoas na Região Serrana do estado em janeiro de 2011. Em viagem de férias para o réveillon, o governador só apareceu na região dois dias após a tragédia – ele também já estivera ausente no ano anterior, em situação semelhante ocorrida em Angra dos Reis – e viu o que era apenas motivo de piada (suas constantes idas a Paris) se tornar motivo de rejeição.
A capital francesa foi também cenário de outro episódio desgastante para Cabral: a evidenciação de sua ligação com o empresário Fernando Cavendish, dono da empreiteira Delta Construções que, segundo investigações da Polícia Federal e da CPMI instalada no Congresso Nacional, atuou como financiadora de empresas fantasmas criadas pelo contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. A divulgação, em abril de 2012, de fotos, tiradas dois anos e meio antes, nas quais Cabral e alguns de seus secretários aparecem ao lado de Cavendish em um restaurante de Paris com guardanapos na cabeça, em um momento de evidente descontração, aliada à informação de que a empreiteira recebera R$ 1,5 bilhão em contratos do governo estadual durante sua gestão, deram mais um empurrãozinho ladeira abaixo na popularidade do governador do Rio.
Helicópteros
Um deslocamento em helicóptero para uma festa de aniversário de Cavendish realizada em Trancoso, na Bahia, em junho de 2011, provocou a morte de sete pessoas, incluindo a namorada do filho de Cabral. O governador, que embarcaria no voo seguinte, escapou da tragédia por pouco, mas não da exposição pública de sua relação com o empresário, justamente em meio a um momento de dor. Curiosamente, a revelação, em julho deste ano, dos detalhes da rotina de utilização dos helicópteros oficias pelo governador foram o estopim das mobilizações que cercaram sua residência no Leblon.
Agora investigada pelo Ministério Público, essa rotina teria custado R$ 3,8 milhões anuais aos cofres do Estado e era feita por idas diárias de casa até o Palácio Guanabara – em um percurso que poderia ser percorrido de carro em 15 minutos – e incluía idas e voltas nos fins de semana para a cidade litorânea de Mangaratiba, onde Cabral tem uma sofisticada casa de praia, com direito ao transporte de toda a família, amigos, babás, médicos, cabeleireiros e o cachorro de estimação Juquinha, simpático animal que já entrou para o folclore político carioca. Em 5 de agosto, o governador baixou um decreto determinando que integrantes do primeiro escalão do governo somente poderiam utilizar os helicópteros em “atividades próprias do serviço público”. Três das sete aeronaves que serviam a esse grupo foram cedidas ao Corpo de Bombeiros, à Polícia Civil e à Polícia Militar, respectivamente.
Efeito Maracanã
Em meio a esse calendário de eventos que corroeram a popularidade de Cabral, nenhum outro teve efeito tão contundente quanto o processo de concessão do Maracanã a um consórcio privado constituído pelas empresas brasileiras Odebrecht (que já havia sido responsável pela reforma do estádio) e IMX (do empresário Eike Batista) em parceria com a norte-americana AEG. Após uma demorada reconstrução, com custos que, após a última correção, são estimados em R$ 1,2 bilhão, a população recebeu de volta um belíssimo estádio, é verdade, mas com preços de ingressos e serviços muito acima da média historicamente praticada no outrora maior do mundo. Ao longo dos últimos meses, o clima de insatisfação foi reforçado ainda pela desaprovação da população à decisão, prevista originalmente no projeto de concessão do Maracanã, de demolir outras jóias do complexo esportivo, como o Estádio de Atletismo Célio de Barros e o Parque Aquático Júlio Delamare, para dar lugar a lojas e estacionamentos.
Pois justamente o Célio de Barros e o Júlio Delamare, que acabam de ter suas demolições canceladas, se tornam agora símbolos do recuo político protagonizado por Cabral, que parece em busca de pisar novamente terra firme após o persistente momento de turbulência. Reverter a pressão social e a queda na popularidade e voltar a trabalhar na imprensa uma agenda positiva de governo que inclui investimentos de R$ 211,5 bilhões até 2014 em setores nevrálgicos da economia estadual, como construção naval, siderurgia e petroquímico, entre outros, é uma prioridade do governo. Para que o governador volte a ter o prestígio e a desenvoltura política de tempos atrás, a recuperação junto à opinião pública, se possível, deverá acontecer a tempo de não atrapalhar sua provável candidatura ao Senado no ano que vem, assim como o candidato do PMDB à sua sucessão, o vice-governador Luiz Fernando Pezão.
Nas poucas entrevistas que concedeu após as manifestações de junho, um cabisbaixo Cabral pediu aos manifestantes que cercavam seu prédio que pensassem no susto que estavam causando aos seus filhos de seis e onze anos, revelou a humildade que o convívio com o Papa Francisco havia lhe incutido e disse que seu principal objetivo agora é defender o legado de seu governo e eleger Pezão em 2014. Ainda na retaguarda, evita falar sobre si próprio: “Neste momento, meu futuro político não é prioridade. Prioridade é o futuro do Rio de Janeiro”, tem dito aos interlocutores.