Hidrelétricas: o falso mito dos grandes reservatórios

Usina a fio d'água: obras da UHE Santo Antônio, rio Madeira
Usina a fio d’água: obras da UHE Santo Antônio, rio Madeira

Telma Monteiro – Abaixo postei o excelente artigo de Claudio Sales*, do Instituto Acende Brasil, porém ele não significa, pelo menos para mim, que deve-se construir mais hidrelétricas, pequenas ou grandes, a fio d’água ou com reservatórios de acumulação. O potencial enorme das fontes alternativas genuinamente limpas – eólica e solar – ainda tem que ser explorado. Para isso é preciso vontade política e investimentos em eficiência energética. Reduzir o preço da energia elétrica para o consumidor, gerada por hidrelétricas, é ignorar os impactos socioambientais e a violação dos direitos humanos. Já temos hidrelétricas em número mais que suficiente no Brasil, está na hora de buscar complementar com as fontes alternativas (TM). 

Eis o artigo.

Começa a ganhar espaço a tese de “grandes reservatórios hidrelétricos”, onda que promove uma falsa controvérsia porque baseia-se em premissas erradas e pouco domínio técnico.

O Brasil é predominantemente hidrelétrico: 77% da eletricidade produzida em 2012 teve origem em 1.071 hidrelétricas, sendo que todas estas usinas têm reservatório. A nuance é que os reservatórios podem ser “a fio d’água” ou “de acumulação”. Portanto, o primeiro mito (construir “hidrelétricas com ou sem reservatório”) não faz o menor sentido.

Os reservatórios a fio d’água são aqueles cuja capacidade de acumulação é inexistente ou muito pequena: a quantidade de água que chega à usina é a mesma que passa pelas turbinas e gera eletricidade. Já os reservatórios de acumulação, como o nome diz, podem acumular grandes quantidades de água, permitindo gerar eletricidade em períodos como os de estiagem, por exemplo, sem ou com pouca chuva. Nestes reservatórios o nível d’água varia ao longo do ano.

Um segundo mito que precisa ser desconstruído consiste no equivocado conceito “reservatório grande = reservatório de acumulação”. Poucos sabem, por exemplo, que Itaipu (a segunda maior usina do mundo em potência instalada e o sétimo maior reservatório brasileiro em área, ocupando o total de 1.350 quilômetros quadrados) é uma usina a fio d’água.

Superados os dois mitos iniciais, esbarramos no terceiro e mais grave mito que poderia ser descrito pela bandeira “precisamos construir hidrelétricas com grandes reservatórios de acumulação plurianual”.

O mito é grave porque esta característica não depende da boa ou má vontade de ninguém: ela é definida a partir da topografia, do volume de água do rio e dos impactos socioambientais do reservatório. Dos 191 reservatórios de médias e grandes usinas (usinas com mais de 30 megawatts (MW) de potência) já construídas, apenas 22 têm reservatórios de acumulação plurianual, ou seja, pouco mais de 10% delas.

Olhando para o futuro, segundo o próprio Ministério de Minas e Energia, restam poucas usinas com reservatório de acumulação que teoricamente poderiam ser construídas: no rio Xingu (UHE Altamira), no rio Tapajós (UHE Chacorão) e no rio Madeira (UHE Guajará Mirim). Esses três empreendimentos – quer por estarem próximos a terras indígenas, quer por interferências em países transfronteiriços – sequer são incluídos pelo governo nos planos oficiais de expansão.

Para reforçar a impropriedade do terceiro mito, o Plano Decenal de Energia 2021 prevê a construção de 19 hidrelétricas, sendo que nenhuma delas têm reservatório de acumulação plurianual.

E falar em reservatórios de acumulação na Amazônia (uma região plana, com rios de baixa declividade) é pior ainda porque implicaria a inundação de áreas extensas, a perda de biodiversidade e possíveis interferências em territórios indígenas.

Assim, tanto o tipo quanto o tamanho do reservatório devem ser definidos de acordo com as características naturais de cada aproveitamento, buscando maximizar a geração de energia e minimizar os impactos socioambientais.

Os três mitos acima precisam ser superados para que a expansão da matriz elétrica brasileira seja feita a partir de discussões técnicas e objetivas.

Não há espaço para amadores e campanhas publicitárias.

*Claudio J. D. Sales é presidente do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)

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