MG – Moradores históricos estão sendo expulsos de suas terras na área do atual Parque Nacional da Serra do Cipó em nome de uma ‘natureza intocada’ que preservaram ao longo dos tempos

serra Cipó

NIISA-UNIMONTES – Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental

O patrimônio natural do PARNA Serra do Cipó é reconhecido internacionalmente, sendo visitado por turistas e estudado por pesquisadores da área da conservação do mundo inteiro. Criado em 1975 como Parque Estadual, em 1998 foi transformado em Parque Federal, tornando-se parte da Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço no ano de 2005. Porém, ao contrário do que se pensa o parque não se reduzia a um ambiente natural dissociado da sociedade que ali sempre existiu.

Muitas famílias do lugar moravam neste espaço social por mais de três gerações e mantinham uma relação com a natureza de respeito que possibilitava fartura, autonomia e livre acesso às suas terras. Com  a implementação do Parque vários grupos sociais foram obrigados a deixarem suas casas, roçados e um modo de vida que foi anulado e invisibilizado pelos órgãos ambientais. Ao contrário do que se pensa, nem todos foram indenizados, muitos receberam valor irrisório e passaram a viver de favor de outras pessoas.

Depoimentos colhidos na época por Santos e Dapieve (1998) revelam que “o processo de expropriação foi conflitante, traumático, significando a perda de propriedades, bens e uma mudança radical de vida”. Em trabalho de campo realizado na semana passada foram realizadas várias entrevistas com pessoas que foram expropriadas e que se encontram há mais de 20 anos sem receber qualquer dinheiro do ICMBio, na época, IBAMA e IBDF. Caso emblemático foi relatado pelos irmãos da família Minéia, que foram retirados pelo IBAMA e Polícia Federal em meados dos anos 2000 sem qualquer indenização e jogados em um posto da polícia militar abandonado na beira da estrada de Jaboticatubas, entrada do PARNA Serra do Cipó.

Ali permaneceram por três anos vivendo de doações e sem qualquer perspectiva de trabalho, uma vez que sempre trabalharam por conta própria em suas terras. Revelam um período de humilhações, vergonha e adoecimento provocado pelas condições que foram submetidos e pela insalubridade da água local. Atualmente existem seis famílias (Siqueira e Alves) localizadas na região do Retiro, dentro do parque, que resistiram e  foram notificadas pelo ICMBio a saírem até o dia 5 de agosto de 2013 (segunda-feira próxima), o que será realizado através da força caso não saiam até esta data.

Dentre as pessoas que ali vivem há dois idosos, uma senhora e seu irmão, que devem ter entre 75 e 80 anos e vivendo ainda do plantio e criação de gado na solta. Senhora que oferece pouco contato com as pessoas que por ali passam, devido às antigas ameaças dos agentes do IBDF na época da implementação do Parque. Na época da instalação da luz elétrica pela CEMIG, nem a companhia energética conseguiu que a moradora a recebesse, utilizando até hoje lamparina fabricada pelo óleo do coco que fabricam. Neste sentido, tais moradores denunciam a expropriação à qual foram submetidos e a que está para acontecer dia 5.

Ressaltamos a importância desses moradores enquanto sujeitos de direito e patrimônio cultural da Serra do Cipó. Não se colocam contra o Parque, ao contrário, como parte dele uma vez que sempre tiveram com a natureza uma relação de respeito e convivência.

Referências:

SANTOS, Maria Stela Ferreira dos; DAPIEVE, Sônia Vieira. Implantação do Parque Nacional da Serra do Cipó: mitos e realidade. (monografia) Pós-graduação lato sensu em Educação Ambiental. Centro de Estudos e Pesquisas Educacionais de Minas gerais. 1998.  123 pags.

NIISA-UNIMONTES (Trabalho de campo). Período março e julho de 2013.

Enviada para Combate Racismo Ambiental por Carlos Alberto Dayrell.

Comments (2)

  1. Que tal escrevê-lo, João Augusto? Seus argumentos me parecem bem claros e adequados, e esta é uma discussão que precisa ser feita sempre, infelizmente. Se quiser fazê-lo, envie por gentileza para [email protected], com o assunto ARTIGO PARA TANIA, assim, em caixa alta.
    Obrigada.

  2. O tratamento dado às pessoas que permanecem em unidades de proteção integral no Brasil raramente é adequado. Quando muito, em geral, sua presença é tolerada, fazendo-se “vista grossa” e deixando como está para ver como fica. No caso do PN da Serra do Cipó, onde trabalhei por quase 7 anos, inclusive (principalmente) na elaboração do seu plano de manejo, há nuances que não têm recebido divulgação, talvez pelo fato de a precisão ocupar muito espaço. Atribui-se ao ICMBio a decisão de “expulsar” moradores “que não foram indenizados”, incluindo idosos. O mínimo que se deve, a bem da verdade, pontuar é que: 1)No plano de manejo do PNSCi está prevista a permanência pelo resto de suas vidas (independentemente de ter havido ou não indenização às famílias) dos dois idosos referidos nesta matéria e de mais um morador que constatou-se à época ter problemas mentais. 2) Quem ordenou que fosse entregue ofício dando prazo para a saída de todos os moradores foi a PFE (Procuradoria Federal Especializada), vinculada à AGU (Advocacia Geral da União). Estes moradores estão na chamada “Zona de Ocupação Temporária” e não deveriam ser retirados do Parque, já que o impacto ambiental de sua presença é mínimo e avaliou-se que não teriam condições de sobrevivência se fossem obrigados a sair. 3) Nossa legislação tem falhas (como todas) mas também não é correto romantizar a “convivência harmoniosa” entre os moradores tradicionais da Serra do Cipó e a natureza. Se não existisse o Parque, não só o Retiro, como todo o vale do Mascates, principais formadores do Rio Cipó, estariam ocupados hoje por loteamentos, como aliás já havia 3 nos anos 70 que foram suspensos pela criação do Parque, cada um com centenas de lotes urbanos. Mais detalhes demandariam um artigo inteiro.

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