Carta dos Povos Indígenas do Vale do Javari ao Ministério Público Federal sobre Audiência Pública

Por Cimi Norte I

Nos povos indígenas: Marúbo, Mayuruna, Matis e Kanamary do Vale do Javari, reunidos na sede da Associação Marúbo de São Sebastião – AMAS, preocupado com a nossa ausência na Audiência Público sobre Atenção de Saúde em Média e Alta Complexidade que acontecerá no plenário do Encontro das Águas (no prédio da Justiça Federal em Manaus) no dia 09/07/2013, estamos surpresos por não sermos convidado, e a SESAI não providenciou passagem para nossa comitiva, se essa audiência é do nosso interesse em participar e apresentar os problemas de saúde dos indígenas do Vale do Javari.

Estamos insatisfeitos, porque a SESAI e SUS apresentarão a saúde dos povos indígenas como se tivesse maravilhosa, enquanto estamos morrendo e pedindo socorro pela vida dos nossos povos, queremos dar um basta, como é caso ocorrido com as crianças indígenas Marúbo Natalino Dorlis Marubo de 10 anos, e Clebson Dionísio Marúbo de 12 anos que amputaram as pernas por acidente ofídico, pela falta da qualidade de atenção a saúde nas nossas aldeias, que pela falta de soro antiofídico nos Pólos Bases, pela burocracia imposta pela SESAI/DSEI, em quanto que tal medicamento nunca faltou mesmo nos períodos da responsabilidade da saúde indígena pela FUNAI.

Sendo esta é segunda vez na historia que acontece na vida dos povos indígenas do Vale do Javari, bem como já aconteceu em 1995, dessa vez temos um caso de óbito de uma indígena Mayuruna Branca Unan Mayuruna de 50 anos da aldeia Fruta-Pão do povo Mayuruna por acidente ofídico, isso, como não bastasse outras mortes na atenção de média e alta complexidade nos últimos 14 (quatorze) anos da existência do DSEI, perdemos mais de trezentas vidas no Vale do Javari.

A nossa indignação sobre atenção do SUS, que mesmo sabendo dos nossos direitos garantidos no artigo 231 da Constituição Federal Brasileira e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT que determina uma atenção diferenciada e as políticas públicas atuais voltadas para atenção á Saúde indígena nas três esferas de governo vêm provocando nos povos indígenas um genocídio silencioso pela omissão das informações, precariedade das ações de saúde e saneamento nas aldeias indígenas nas atuais gestões e ações de saúde indígena.

Ainda continuamos com dificuldade de receber uma atenção de saúde de qualidade pelo SUS nos hospitais de referências, na atenção de Media e Alta Complexidade, seja na atenção primaria quanto secundaria a espera de consultas e exames dos pacientes para Manaus, fica na CASAI/Manaus, passando a mercê da própria sorte, essa demora de atendimento, vem agravando mais o quadro dos pacientes, uns volta com vida e outros são devolvidos apenas o corpo.

Nossos acompanhantes que acompanham pacientes de Media e Alta Complexidade sofrem junto com seus pacientes e passam fome, muitas vezes esquecidos no aeroporto, e CAIs do porto de Manaus, má atendimento pelos responsáveis na CASAI/Manaus, nos Municípios de Tabatinga e Atalaia. Não tem dieta para os nossos pacientes e não respeita a nossa diversidade cultural, os Hospitais de Tabatinga e Atalaia do Norte, não tem condições de atender as populações indígenas e da região pela falta de medico especialista, com isso, daqueles que tem condições, consegue ser atendido em Letícia – Colômbia, ou destina-se para Manaus.

Apesar da criação e estruturação da Secretaria Especial de Saúde Indígena – SESAI/MS em Outubro de 2010, nossos Pólos Base estão sem condições de apoiar aos profissionais, pela falta equipamentos necessários, falta condições estruturais nas aldeias de difícil acesso para equipe multidisciplinar desenvolver ações, falta de transporte adequado para remoções, os insumos para a logística se torna cada vez mais difícil nas referencias e contra referencias dos Pólos Base.

Nossos agentes indígenas de saúde, há mais dez anos sem receber formação, esquecido a sua importância para as aldeias, falta de capacitação para os profissionais na área de antropologia e indigenismo para entrar no Vale do Javari, considerando que a região possui uma diversidade étnica e cultural. Falta da presença da equipe muldiciplinar composto por (médico, enfermeiras, odontólogo, bioquímica, nutricionista, técnicos de enfermagem), falta de tudo nos Pólos Bases, (soro antiofídico, luva, medicamento, insuficiência de gasolina, óleo lubrificante, vela, hélice de motor, etc.), e muitas vezes os remédios são enviados em fase de vencimentos pelo DSEI aos Pólos Base. Os profissionais sobem aos rios com promessa muitas vezes de receber medicamento depois, finda passando de 45 a 60, 90 dias sem o que fazer por falta de medicamentos.

Por falta de atendimento de qualidade pelos odontologos porque entram com materiais de trabalho insuficiente para sua permanência de 45 dias, não tendo efeito e qualidade de atenção pelos mesmos que não soluciona a saúde dentaria dos povos indígenas. Enquanto isso, os Marúbo usam gasolina para anestesiar dores de seus dentes.

Os profissionais são cobrados condições de trabalho pelos indígenas, e não sabem o que fazer. A Casa de Apoio de Tabatinga para acomodação dos pacientes portadores de hepatites virais está quase parando, pela falta de pagamento de 16 meses de pendências, preocupando ao proprietário sobre a continuidade, é como os pacientes em tratamento estão quase desistindo do tratamento, onde já contraíram dengue, o local é inseguro e inadequado.

Faltam condições de limpeza, iluminação e faxina na referida estrutura por falta materiais de limpeza do DSEI, e estão desestimulados no serviço de saúde. Não tem mais dieta para os pacientes, por falta de alimentação e o fornecedor diz que não tem condições de fornecer se não houver pagamento dos que já foram fornecidos para DSEI.

Os carros do DSEI estão parados por falta de peças de reposição, se obrigam usar da FUNAI, o barco que fazia transporte entre Benjamim Constant a Tabatinga para apoio aos portadores em tratamento, está parado por falta de barco. Apenas tem dois barcos tipo (deslizador) para atender as remoções no interior da Terra Indígena do Vale do Javari, causando dessa forma a insatisfação pela gestão de saúde no Vale do Javari.

O Dr. Vorney, médico que acompanha os pacientes portadores de Hepatites Virais em Tabatinga, tem apresentado a situação da estrutura da Casa de Apoio de Tabatinga, ao chefe no sentido de melhorar a atenção de saúde mais humanizada, no entanto não foi tomado providencias.  Por sua vez, os indígenas se sentem abandonados e cobram suas aldeias que tome providencias no sentido de melhorar a atenção no local.

A morte do adolescente Kulína, causou por espera da SESAI ao estado, como não houvesse recursos próprios para frete de avião, e atenção de saúde indígena não tem sido humanizado, bem como vem acontecendo outros casos constrangedor, pela qual os indígenas tem se negado ir para as referencias para atenção de media e alta complexidade.

 Diante exposto, vimos solicitar do Ministério Público as seguintes providencias para atenção de Media e Alta Complexidade aos povos indígenas do Vale do Javari:

 1.      Que MPF exija as três esferas de governo para estruturar os hospitais de referências dos DSEIs, com equipamentos necessários e investimentos em recursos humanos de diversas especialidades, considerando o cumprimento da Lei n. 9.836/1999, artigo 19-G, parágrafo II – O SUS servirá de retaguarda e referência ao Subsistema de Atenção a Saúde Indígena, devendo, para isso, ocorrer adaptações na estrutura e organização do SUS nas regiões onde residem as populações indígenas, para propiciar essa integração e o atendimento necessário em todos os níveis, sem discriminação, qualificando seus profissionais sobre atendimento diferenciado as populações indígenas, de forma humanizada, com equidade respeitando as culturas das populações indígenas;

 2.      Considerando que o Município e Estado recebe recurso de incentivo do Ministério da Saúde, para atenção a saúde indígena nos hospitais de referencia, que o MPF crie instrumentos de fiscalização junto aos estados e municípios nas ações de atenção básica, media e alta complexidade, considerando que os gestores municipais e estaduais não respeitam os conselhos de saúde indígena para acompanhamento dessas ações;

 3.      O MPF exija a SESAI/DSEI para estrutura o ambiente de trabalho dos profissionais da saúde indígena, tais como: infra-estrutura adequada, transportes, insumos, equipamento de trabalhos e medicamentos nos pólos base e nas aldeias;

 4.      Que o MPF exija o MS/SESAI para efetivar o termo de compromisso através de Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde – COAP, estabelecendo compromissos dos gestores municipais, estaduais e Controle Social Indígena (CONDISI) no cumprimento das aplicações dos recursos na saúde indígena, repassados através de incentivo do Ministério da Saúde – MS;

 5.      O MS/SESAI deve garantir junto às três esferas de governo uma assistência humanizada, de excelência e de qualidade no serviço prestado na referencia e contra-referencia, e agilidade nos processos administrativos para minimizar as questões epidemiológicas no DSEI;

 6.      Que o MPF exija a SESAI para dar suporte técnico e operacional para os DSEIs exercer seus projetos e planos emergenciais e garantir autonomia aos DSEIs para instruir processos licitatórios para aquisição de medicamentos da RENAME Indígena e medicamentos especializados em tempo hábil para as comunidades indígenas;

 7.      Que o MPF exija a SESAI/DSEI para tomar providências sobre medicamentos enviados em fase de vencimentos para os pólos base pelos farmacêuticos dos DSEIs, criando assim risco a saúde das populações indígenas com acúmulo de materiais vencimentos e lixos, contaminando assim o solo e lençóis freáticos;

 8.      Considerando que o MS/SESAI vem apenas adquirindo medicamentos genéricos, que MPF exija aquisição dos medicamentos não – genéricos para atenção à saúde indígena nos Pólos Bases;

 9.      Que o MPF articule com órgãos de controle e fiscalização externa do governo CGU (Controladoria Geral da União), TCU (Tribunal de Conta da União), a flexibilização de legislações que regulam os processos licitatórios na Lei n. 8.666, dos contratos e de serviços de manutenção dos barcos, carros, aeronaves, reformas e contratos de licitação de compras de insumos e equipamentos, como: medicamentos, equipamentos médicos hospitalares, odontológico, considerando que a implementação da saúde indígena, tem sido afrontada de forma grave, contrariando a legislação do Subsistema de Atenção a Saúde Indígena, Lei n. 9.836/1999, disposto no artigo 19/F deve-se-à obrigatoriamente levar em consideração a realidade local e as especificidades da cultura dos povos indígenas e o modelo a ser adotado para atenção à saúde indígena, que se deve pautar por uma abordagem diferenciada e global, contemplando os aspectos de assistência a saúde, saneamento básico, nutrição, habitação, meio ambiente, demarcação de terras, educação sanitária e integração institucional;

 10.  Que o MPF exija a SESAI/DSEI para priorizar a elaboração dos projetos de saneamento e edificações da saúde indígena, a fim de acelerar as construções das CASAIs, dos pólos bases, postos de saúde e sistema de abastecimento de água potável nas aldeias indígenas, considerando as populações indígenas de maior vulnerabilidade;

 11.  Considerado os fatores que vem ocasionando a demora de atenção, que MPF exigir do MS/SESAI através dos DSEIs uma articulação entre os gestores estaduais e municipais para criação do Sistema de Regulação Indígena (SISREGI) para atendimento aos pacientes indígenas na média e alta complexidade, objetivando a redução de tempo de espera dos indígenas nas CASAIs;

 12.  Considerado os fatores que vem ocasionando a demora de atenção, que MPF exigir do Ministério da Saúde criar políticas estratégicas em suas esferas de governo para o atendimento as populações indígenas no SUS, respeitando as suas diversidades e atenção diferenciada, bem como reconhecer, valorizar e respeitar o conhecimento de medicinas tradicionais indígenas para integrar durante o tratamento dos pacientes indígenas nas unidades de referencias, assistido pela rede SUS;

 13.  Considerado o não cumprimento do Estado e Município em observância a Lei n. 8.080/90 e 8.142/90 que regem o SUS devem cumprir as deliberações, recomendações e resoluções dos conselhos de saúde indígena como a instancia de controle social, em cumprimento da legislação do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, instituído por Lei N. 9.836 de 23 de Setembro de 1999 que MPF exija do MS/SESAI, que seja cumprido, e que os gestores do SUS e Subsistema de Atenção a Saúde Indígena (SASISUS) se articulem para organizar as ações e serviços de saúde, garantindo o atendimento de qualidade as populações indígenas na área de abrangência de cada DSEIs;

 14.  Que MPF exija o Ministério da Saúde – MS para criar uma portaria que garanta as práticas da medicina tradicional, pajelança e parteira indígena, como forma de preservar a cultura da sua etnia de forma integrada nas três esferas de governo e nos DSEIs;

 15.  Que o MPF exija o MS/SESAI para a realização de 100% de inquérito sorológico das hepatites virais (A, B, C, D e E) nos DSEIs, garantindo a entrega dos resultados do Inquérito Sorológico das hepatites virais aos pacientes indígenas, bem como garantir 100% de tratamento e assistência social aos pacientes indígenas e protocolo para o tratamento de Mansonelose “filaria” no DSEI-JAVARI e com apresentação de índices epidemiológicos;

 Desde já agradecemos sua valiosa atenção e despedimo-nos, com saudações indígenas.

Atalaia do Norte – AM, 06 de Julho de 2013.

Enviada por Paulo Daniel Moraes.

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