Elaine Tavares
Desde antes da abertura democrática, quando o país ainda vivia sob o manto da ditadura militar, era comum nos encontros de jornalistas e sindicalistas a ideia de um jornal nacional que fizesse o contraponto com os jornalões da mídia comercial. A sociedade exigia um espaço onde as notícias pudessem ser dadas, notícias reais, sobre a vida real, sobre os problemas estruturais, sobre os dilemas brasileiros, as lutas populares. Mas, aquilo era um sonho. Ainda havia muito que caminhar para chegar a isso.
Quando veio a abertura e a volta de uma capenga democracia esse tema continuou voltando à baila. As lutas sociais recrudesceram nos anos 80, começaram a nascer os movimentos que iriam mudar a cara do país como o das mulheres camponesas, o dos trabalhadores sem-terra, os partidos políticos de esquerda, enfim, uma gama imensa de possibilidades e de esperanças que precisavam ser divulgadas e não encontravam guarida nos espaços tradicionais, esses sempre conservadores, quando não reacionários. Mas, naqueles dias de re-evolução, os sindicatos e movimentos sociais estavam mais preocupados em criar seus espaços de luta e organizar as gentes, não entendiam que a comunicação é coisa estratégica e que, sem ela, os movimentos não conseguem fazer entranhar nas gentes a ideia que buscam defender no dia-a-dia. As coisas precisam ser ditas para se encarnarem nas gentes. As palavras andam, como dizem os astecas.
Nos anos 90, com as entidades já estruturadas e os sindicatos mais organizados, o tema voltou a pipocar. Havia sindicatos demais, entidades demais, cada uma com seu jornalista, seu boletim, seu jornal particular. Se tudo isso se juntasse, não seria possível tornar real um jornal que circulasse nacionalmente com notícias do interesses dos trabalhadores, dos excluídos, dos marginalizados? A resposta foi afirmativa e um pequeno grupo ligado aos movimentos que organizavam o Plebiscito Popular da Luta contra a Alca começou a se movimentar por todo o país buscando parcerias. Era necessário conformar uma rede de colaboradores que pudesse encaminhar as matérias dos mais variados lugares do país para que o jornal não ficasse com uma cara exclusivamente paulista ou carioca, como é comum.
E foi assim que numa noite mágica do ano de 2003, no III Fórum Social Mundial, em Porto Alegre, foi lançado o projeto do jornal Brasil de Fato. Um momento de profunda emoção dividido com um estádio lotado e a presença motivadora de gente como Eduardo Galeano, Hebe de Bonafini, Augusto Boal e Sebastião Salgado. Das arquibancadas, tomadas pela alegria, vivenciamos essa hora boa do jornalismo nacional. Nascia um veículo que poderia fazer frente a toda essa gosma de mentiras que os jornalões e as TVs comerciais protagonizam todos os dias. Um jornal com cara das lutas, que as mostrasse não como discurso proselitista e sim dentro dos parâmetros do jornalismo. Notícia, tal qual ensinou Adelmo Genro Filho, não a que manipula, mas a que aparece como uma forma de conhecimento cristalizado no singular, capaz de transcender para o universal. Notícia narrada de tal forma que aquele que lê possa estabelecer os nexos com a realidade e refletir sobre as causas e consequências.
E foi assim que chegou o Brasil de Fato, com essa missão. Agora, em 2013, o jornal cumprirá uma década, sobrevivendo a todas as tormentas. Não é coisa fácil manter um jornal em nível nacional, com correspondentes em vários lugares, superando a pequena política que insiste em personalizar, inchar egos, puxar brasas para sua sardinha. É preciso muito trabalho, alguma dose de sacrifício e, muitas vezes, uma paciência digna de Jó. Há que enfrentar não só o oligopólio da mídia nacional, mas também travar essas pequenas batalhas dentro da própria esquerda ainda tão pouco ciente do papel de um jornal dessa natureza. Quantos sindicatos combativos não preferem assinar um jornalão paulista a essa proposta generosa do Brasil de Fato? Quantos vereadores, deputados, lideranças comunitárias reproduzem essa mesma prática de fortalecer o inimigo? Mas, mesmo com tantas incompreensões e descaminhos o Brasil de Fato vai seguindo. Com colaborações espontâneas, com trabalho dedicado, com ganas de mostrar a realidade não como “drops” informativos, mas com análise, contexto, impressão, olhar de repórter.
Agora, no girar da nova roda de dez anos, o Brasil de Fato precisa se fortalecer. Precisa do apoio dos movimentos sociais, dos partidos de esquerda, dos sindicatos, das gentes. É hora de um grande mutirão de assinaturas, para que o projeto fique mais musculoso e consiga chegar a muito mais gente. Ele ainda precisa estar na padaria, na mercearia, no pequeno bolicho de beira de estrada, nas bancas alternativas, na vida mesma, onde estão as pessoas que precisam dele, e isso custa… Daí a necessidade de um apoio real, concreto.
Mas, é preciso aqui registrar um aviso aos que ainda não entenderam que um jornal popular não tem de fazer proselitismo. Esse valente jornal precisa seguir como espaço da notícia e não do discurso. Para além da opinião, também necessária, precisa entrar nas casas com a informação que forma, que apresenta a atmosfera dos fatos, que esmiúça, que se oferece aberta para a compreensão. Os trabalhadores, os abandonados, os explorados, eles sabem onde dói a sua dor e, munidos de informação, saberão entender o que se passa no mundo. Daí o papel revolucionário desse jornal: espaço de conhecimento.
O jornal Brasil de Fato faz dez anos e é uma bonita experiência de comunicação popular. Vida longa a todos aqueles que nesse tempo todo vêm superando obstáculos e colocando toda semana um exemplar na rua. Desde a redação, que se expressa nos quatro cantos do país, é assim que ele se faz, com coragem, com ternura, com suor, com risos, com dor, com beleza, com lágrimas, com alegria, todos esses sentimentos que, juntos, transubstanciam aquilo que mídia oferece como informação descolada da realidade do todo em conhecimento para a construção de uma nova sociedade.
Que na próxima década as mentes se abram e o jornal avance como arma concreta da luta de classe, necessária e urgente.
Feliz década, Brasil de Fato… Seguimos!
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