Uma leitura com esperança do Grito da Comunidade Tradicional Pesqueira pelo direito ao território, por Patrícia Magno

Por Patrícia Magno[1]

O I Seminário Estadual da Campanha Nacional pela Regularização do Território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras, realizado durante todo o dia 19 de outubro de 2012, na UERJ foi fundamental para unir a categoria e para animar a luta por direitos das comunidades tradicionais pesqueiras. A articulação necessária para o êxito do evento, mobilizou pescadores(as) dos quatro cantos do Estado.

Toda a programação do evento foi escrita pelos(as) pescadores(as) e aquicultores(as) do Rio de Janeiro, especialmente pela APAPG, AHOMAR, AMALIS e APESCASIRILUZ, com o apoio de parceiros de diversos segmentos[2].

Na primeira parte do encontro, foram contextualizadas as maiores dificuldades que enfrentam as comunidades tradicionais pesqueiras de todo o Brasil, a fim de se demonstrar a importância da construção e fortalecimento do debate, no Rio de Janeiro, sobre a luta por direitos dos(as) pescadores(as) artesanais, com ênfase no direito ao território. As mesas: 01 – Desenvolvimento, Território e Comunidades Tradicionais e 02 – Pensando o Rio de Janeiro: modernização e territórios pesqueiros –, tiveram esse veio condutor.

Se por um lado, luta-se por um instrumento jurídico que regulamente o direito ao território pesqueiro, por intermédio da busca de assinaturas de eleitores(as) para encaminhamento às Casas Legislativas do Congresso Nacional do Projeto de Lei de Iniciativa Popular sobre Reconhecimento, Proteção e Garantia do direito ao território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras; por outro, as demandas são urgentes e não podem esperar!

Pensando nisso, foi organizada a segunda parte do Seminário. Com o fim de valorizar os(as) pescadores(as) artesanais e as comunidades pesqueiras, de reconhecer seus saberes e conhecimentos na construção de uma economia sustentável, de compreender sua contribuição na soberania alimentar, assim como, de identificar e regularizar o território pesqueiro, os participantes do encontro foram convidados a reunirem-se em grupos de trabalho, de acordo com seu pertencimento.

Os Grupos de Trabalho (ou GTs) eram regionais, divididos em 06 regiões: Norte, Região dos Lagos, Baía de Guanabara, Baía de Sepetiba, Região Costeira da Cidade do Rio de Janeiro e Costa Sul.

O labor dos GTs deveria ter o cuidado de não transformar o debate em “muro de lamentações”, isto é, de transformar a luta e a experiência de cada um(a) em pauta política de ações estratégicas para movimentar a produção de mudanças.

Nesse sentido, os GTs eram propositivos e tinham a missão de produzir 05 propostas concretas, com duplo enfoque. Deveriam avaliar quais lutas e quais ações seriam necessárias para a obtenção de uma maior adesão ao abaixo assinado pelo projeto de lei de iniciativa popular. Também deveriam debater sobre as lutas e ações importantes para o fortalecimento da mobilização da categoria no sentido da construção de sua identidade e da efetividade de seus direitos.

Missão dada, missão cumprida! Os GTs apresentaram suas propostas que, ao serem postas lado a lado, apresentavam uma incrível semelhança. A análise transversal das ações desenhadas regionalmente possibilitou que se retirassem os pontos comuns a serem trabalhados pelo movimento no Rio de Janeiro.

A forte participação da base trouxe para o histórico “Auditório 31”, lideranças do movimento de norte a sul e animou a construção, pela Plenária de todos os GTs, do Documento Final ou PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO DA LUTA PELO TERRITÓRIO DAS COMUNIDADES TRADICIONAIS PESQUEIRAS, cujas ações estratégicas, formuladas a partir de 04 eixos, aqui se transcrevem:

1. Identidade e Representatividade da categoria de pescador(a) artesanal

  • Apoiar o empoderamento dos(as) pescadores(as) artesanais sobre seus direitos, especialmente o direito a sua identidade de pescador(a), à liberdade de associação, à liberdade de filiação sindical e ao território pesqueiro.
  • Lutar para garantir que as associações sejam reconhecidas como entidades classistas de representação oficial e política dos(as) pescadores(as) artesanais, inclusive para fim de acesso aos documentos relativos a sua atividade profissional (carteira, licença para pesca, dentre outros).
  • Lutar para questionar juridicamente o Acordo de Cooperação n. 02/2012 firmado entre o Ministério da Pesca e Aquicultura e a Confederação Nacional de Pescadores e Aquicultores, objetivando a utilização das Federações Estaduais de Pescadores e suas respectivas colônias de pescadores, formalmente filiadas à CNPA, a fim de estabelecer procedimento de recepção de documentos e entrega das licenças de pescadores profissionais artesanais, bem como ampliar o atendimento ao pescador artesanal, mediante as seguintes atividades:

a) Ações dos Pescadores para documentar as violações de direitos que tem sofrido, especialmente, mediante registros de ocorrência de crime e pedidos por escrito endereçados à Superintendência no Rio de Janeiro do Ministério da Pesca e Aquicultura.

b) Encaminhar ao Ministério Público do Trabalho pedido de investigação sobre o Acordo de Cooperação n. 02/2012

c) Questionar a exigibilidade da obrigatoriedade de filiação a colônia.

  • Lutar pela ampliação da proteção das lideranças das comunidades pesqueiras, especialmente, pelo fortalecimento do PPDDH (Plano de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos) e pela investigação, apuração, processo e julgamento dos crimes praticados contra pescadores(as) artesanais, notadamente, quanto aos homicídios e desaparecimentos forçados.

2.       Acompanhamento, denúncia, fortalecimento da resistência aos megaempreendimentos em áreas de pesca artesanal e de comunidades tradicionais

  • Exigir que os pescadores sejam consultados na implementação desses empreendimentos, mas não somente por audiências públicas, quase sempre manipuladas (direito à consulta prévia).
  •  Exigir que no processo de licenciamento ambiental e de estudos para empreendimentos, seja incluído no Estudo de Impacto Ambiental um estudo pormenorizado (bem como de ações em resposta) dos impactos socioambientais, com especial atenção para a análise dos impactos sobre a saúde ambiental da área e dos danos que recaem sobre os pescadores.
  • Exigir uma ampla discussão sobre as áreas de exclusão/restrição da pesca, especialmente, no tocante a territórios afetados por grandes empreendimentos e/ou de proteção ambiental.
  • Agir direta e indiretamente pelo fortalecimento dos movimentos de resistência aos impactos socioambientais e à saúde gerados pelos grandes empreendimento, especialmente, TKCSA, COMPERJ/Petrobrás, Porto do Açu, Superporto Sudeste e MMX.
  • Combinar a ação da pesquisa de universidades e do conhecimento tradicional do(a) pescador(a) artesanal para comprovar e evidenciar a poluição dos grandes empreendimentos, bem como dos impactos que causam sobre as comunidades e populações tradicionais.
  • Regularizar os territórios da pesca artesanal com o objetivo de impedir ou dificultar a entrada de megaprojetos poluentes nessas áreas, garantindo o uso e o poder do território nas mãos das comunidades tradicionais.
  • Criar mecanismos obrigatórios dos megaempreendimentos que contem com a participação e controle popular de todos os grupos impactados pelo projeto em distintas fases de fiscalização.
  • Lutar pelo fortalecimento do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (NUDEDH/DP RJ), que tem a missão institucional de prestar assessoria jurídica contínua às comunidades tradicionais pesqueiras visando efetivar e garantir seus direitos.


3.       Campanha pelos territórios da pesca artesanal e o Projeto de Lei de Iniciativa Popular sobre Reconhecimento, Proteção e Garantia do direito ao território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras

  •  Articular, visando a coleta de assinaturas, com associações e colônias de pescadores(as) artesanais, com sindicatos de trabalhadores(as) rurais e com a sociedade em geral, buscando a união de distintos movimentos sociais, populares, organizações da sociedade civil, universidades em torno do debate sobre o Projeto de Lei de Iniciativa Popular.
  • Potencializar a campanha de regularização do território das comunidades tradicionais pesqueiras por meio das redes sociais na plataforma web.
  • Colher assinaturas de eleitores(as) e preencher legivelmente todos os dados do formulário denominado Abaixo Assinado pelo Projeto de Iniciativa Popular sobre Reconhecimento, Proteção e Garantia do direito ao território das Comunidades Tradicionais Pesqueiras.
  • Promover reuniões com as comunidades pesqueiras para realizar rodas de conversa, oficinas, palestras e atividades de formação com a finalidade de explicar o conteúdo do projeto de lei de iniciativa popular, assim como para definir estratégias de coleta de assinaturas do Abaixo Assinado para o referido projeto.
  • Estabelecer cronogramas articulados de divulgação das reuniões.
  • Colher assinaturas em escolas, a partir do apoio de professores, com representantes de associações de pescadores e outros meios de coleta de assinaturas. Dentre elas: divulgar nas Igrejas, escolas, pontos de pesca e nas praças, fazer carreatas e manifestações em vias movimentadas.


4.       Estratégias em defesa da criação, apoio e fortalecimento de políticas públicas para a pesca artesanal (específicas)

  • Lutar pela implementação da Lei Federal n. 11.959, de 29 de junho de 2009 sobre a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável da Aquicultura e da Pesca no Estado do Rio de Janeiro, com estabelecimento de linhas de crédito específicas para a pesca artesanal e atividades de apoio (construção e compra de embarcações) e processamento, em diferentes linhas com a valorização dos jovens, mulheres e outros grupos vulnerabilizados dentro da comunidade tradicional pesqueira.
  • Propor um GT dentro da ALERJ (Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro) para desenvolver o Plano de Ordenamento Pesqueiro Estadual – que pressupõe o mapeamento e diagnóstico da pesca no Estado do Rio de Janeiro, a ser desenvolvido pelo método da cartografia social.
  • Reivindicar o reconhecimento da comunidade tradicional pesqueira como destinatária do Decreto Federal n. 6040, de 07 de fevereiro de 2007, que institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais.
  • Lutar pela capacitação dos servidores públicos que atendem aos(as) pescadores(as) artesanais, especialmente, na área de concessão de direitos trabalhistas e de benefícios previdenciários, a fim de que não reste dúvida de que são segurados(as) especiais da Previdência Social.
  • Lutar pela valorização do produto da pesca artesanal por meio de certificações e selos.

Ao final desse relato, no qual não foi possível esconder a emoção e a esperança de novos tempos, Raul Seixas merece ser parafraseado, para se dizer que ‘uma luta que se luta só, é só uma luta que se luta só, mas uma luta que se luta junto, é realidade[3]. À luta, companheiras(os), a fim de se transformar em realidade o direito de nossos(as) irmãos(ãs), homens e mulheres do pesca!

[1] A autora é Defensora Pública do Estado do Rio de Janeiro, ativista de direitos humanos e articuladora do Fórum Justiça (www.forumjustica.com.br), espaço no qual facilita o GT Minorias, que apoia a luta por direitos dos(as) pescadores(as) artesanais do Estado do Rio de Janeiro. As reuniões do GT Minorias/Pescadores e Atingidos por Danos Ambientais ocorre na UERJ, sala 7024, bloco B, todas as quartas 4as feiras dos meses ímpares do ano, das 9:30h – 12h.

[2] NUTEMC-FFP/UERJ; FORUM JUSTIÇA-GT Minorias e GT Ensino Jurídico; CALC/UERJ; SEPE-RJ, SEPE Regional 9; AGB/GT Agrária; SINTUPERJ; PACS; ANDES-RJ; SINDIPETRO-RJ; ASFOC-SN; NUDEDH-DPGE; Aldeia Maracanã; Fórum Estadual Intersetorial Voz aos Povos Quilombolas, Indígenas, Pescadores Artesanais, Assentados e Acampados Rurais; ASIBAMA-RJ; Fórum de Saúde do Rio de Janeiro; ASDUERJ e Justiça Global.

[3] Inspirado na letra de Raul Seixas “Um sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só, mas um sonho que se sonha junto é realidade”.

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